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Por Alexandre Carauta, jornalista e professor da PUC-Rio
Pelos caminhos entre esporte, bem-estar e cidadania
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Preservação da memória: vacina contra realidades paralelas

Da valorização de vozes e expressões do passado depende a construção de um futebol (um país) mais integrado, menos individualista

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Atualizado em 15 set 2021, 13h33 - Publicado em 14 set 2021, 21h43

A memória audiovisual resguarda a pluralidade de expressões ameaçada pela cultura do apagamento. O alerta do historiador e professor da USP Eduardo Morettin emite um duplo eco. Suas palavras velam a inestimável perda de uma fração dos 42 mil títulos da filmografia nacional reunidos na Cinemateca Brasileira, castigada por um incêndio em julho. Mas também apalpam as sombras do futuro.

O ofício e a alma lhe sopram riscos mais cáusticos do que as simbólicas chamas. Ao defender a preservação da memória, na Aula Inaugural do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, o pesquisador evoca as luzes da diversidade e do senso comunitário. Evoca a carpintaria do passado como arquitetura do amanhã.

Na costura dos fragmentos históricos, já dizia o antropólogo Gilberto Velho, tecemos identidades, valores, rumos. As vozes da memória calibram o amadurecimento social e democrático. Protegê-las das devastações à espreita deveria ser uma de nossas prioridades permanentes. Uma vacina contra obscurantismos e egoísmos latentes.

Desse perigo não está imune o esporte. A carapuça ronda as manobras pela volta de público nos estádios. Centradas nos umbigos, refletem a fragmentação e o individualismo contemporâneos. Expressam também a queda por realidades paralelas. Espírito do tempo.

As ambições e necessidades financeiras do mercado esportivo – e a saudade louca do Maraca pulsante – não coincidem com uma trégua da pandemia. O desejado retorno da galera não se impõe à emergência das prevenções sanitárias. Mas driblar o óbvio anda na moda.

Imaginar o futebol profissional numa bolha, forjada por interesses comerciais, estende o tapete ao descaso, à desunião, à desorientação. Artificialismos desta natureza cobram vidas e reputações. Infelizmente o custo parece não pesar tanto.

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De quebra, as pedaladas para reativar a arquibancada – sonho até de quem nunca jogou bola – reproduzem a velha tendência dos clubes brasileiros à desagregação. Em vez do debate conjunto sobre a retomada de público, prevalece uma ciranda individualista.

Intenções e condutas legítimas não livram essas manobras de frequentes embates jurídicos, políticos, morais. Quase sempre confundem o torcedor. Viram um tiro no pé do consumo.

A questão envolve uma complexidade de aspectos: regras sanitárias, determinações judiciais, andamento e circunstâncias da pandemia, controle e fiscalização de torcedores, isonomia esportiva. Até por isso deveria ser discutida e decidida coletivamente.

O tratamento conjunto aumentaria a chance de a decisão revestir-se de equilíbrio e contemplar o compromisso prioritário com a saúde pública. Representaria um passo para reduzir o domínio de conveniências particulares sobre interesses coletivos.

O bem-comum não se opõe ao pragmatismo empresarial. Pelo contrário. Aplicada com sucesso nas franquias americanas, a filosofia ganha-ganha prega a convergência de organizações em torno do crescimento do setor ou do negócio compartilhado. Cultiva-se, assim um círculo virtuoso: todos prosperam de forma sustentada. Fica mais fácil captar investimentos e firmar melhores contratos.

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Os avanços em gestão e marketing revelam-se ainda insuficientes para transpor a arrebentação individualista. “Há um entrave histórico-cultural. Antes de planejar a criação de uma liga profissional de futebol, é preciso construir a cultura do ganha-ganha. Significa pensar mais no todo.”, observa o especialista em administração e finanças no esporte Cesar Grafietti, ao conversar com o jornalista Christian Baeta, apresentador do Resenha de Primeira.

Preservar a memória – suas múltiplas dicções, expressões, temporalidades, inclusive no esporte – é um caminho à cultura do ganha-ganha coletivo. Um necessário caminho para catalisar as diferenças em oxigênio à integração, ao desenvolvimento democrático, cultural, socioeconômico. Disso depende a estatura da cidade, do país, do futebol que construímos.

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Alexandre Carauta é doutor em Comunicação, mestre em Gestão Empresarial, pós-graduado em Administração Esportiva, formado também em Educação Física.

 

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