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Teatro Rival Petrobras chega aos 90 anos apostando na renovação do Centro

Comandado pela atriz Ângela Leal, espaço tem história que se confunde com a da cidade chega a 2024 com ânimo para mais nove décadas

Por Kamille Viola
16 fev 2024, 06h00
Ângela Leal na porta do Rival e o interior do teatro: “Uma das suas características é ter sido sempre um espaço democrático”
Ângela Leal na porta do Rival e o interior do teatro: “Uma das suas características é ter sido sempre um espaço democrático” (Gabriel Monteiro/Agência O Globo; Ana Branco/Agência O Globo)
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Duro na queda — está aí uma definição que se amolda bem ao icônico Teatro Rival. Prestes a comemorar 90 anos, em 22 março, o palco, que sobreviveu a duas ditaduras, muitas crises e até uma pandemia, segue agitando a cena. Suas cortinas se abriram pela primeira vez para apresentar a comédia Amor, de Oduvaldo Viana, estrelada por Dulcina de Moraes e Odilon de Azevedo.

Quando foi inaugurado, pertencia a Vivaldo Leite Barbosa, mas passou por diversas mãos até chegar à família que faria do endereço uma extensão dela própria: foi nos anos 1970 que Américo Leal, empresário do teatro de revista, arrematou o lugar, transformando-o em uma espécie de bunker desse gênero de espetáculo. Com o espírito crítico sob censura, o formato foi substituído pelo teatro rebolado. Mais tarde, o espaço daria guarida aos shows de transexuais.

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Quando Américo já não conseguia mais geri-lo, sua filha, a atriz Ângela Leal, resolveu alugá-lo por um período. No governo Collor, porém, a empresa que ocupou o Rival não teve mais condições de se manter por lá, e ela precisou arregaçar as mangas. Ângela não soltou mais a mão de seu “segundo filho”. “Eu brincava que o teatro tinha esse nome porque ele era o meu rival. Desde que a minha mãe assumiu o comando, ele tomou uma proporção central em sua vida, como permanece até hoje, como um sol para ela”, conta a também atriz Leandra Leal.

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O pioneirismo ao abrigar shows de travestis é um dos grandes orgulhos de Ângela ao longo dessa rechea­da trajetória. Ali, emergiram para os holofotes nacionais nomes como Rogéria, Jane di Castro e Divina Valéria, entre outros, que inclusive inspiraram um documentário dirigido por Leandra, Divinas Divas (2016). Curiosamente, agora o teatro vive uma espécie de continuação daquela época, abrigando eventos como o concurso Drag Star e a Gongada Drag, que recentemente lotou a casa por três noites. “Uma das características marcantes do Rival é ter sido sempre um espaço democrático”, avalia Ângela.

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A partir de sua gestão, nos anos 1990, a música ganhou protagonismo, seja resgatando artistas meio esquecidos, seja trazendo à baila gente menos conhecida. Tiveram memoráveis passagens por ali Beth Carvalho, Zeca Pagodinho, Alcione, Arlindo Cruz, Luiz Carlos da Vila, João Nogueira, Cauby Peixoto, Elza Soares, João Bosco, Emílio Santiago, Luiz Melodia, Ivan Lins, Cássia Eller, Geraldo Azevedo — uma lista que não acaba.

Foi por lá que Paulinho Moska, por exemplo, gravou seu primeiro disco ao vivo em uma temporada de quatro shows, em 1997. “No início da carreira, ainda formando público, foi um espaço muito importante, porque o horário das apresentações atraía pessoas que saíam do trabalho no Centro. Sempre lotava”, lembra. “Nos anos 1990, o espaço se consolidou como um templo musical democrático da minha geração. Todos nós passamos pelo Rival, do rock ao samba, da música instrumental aos concertos intimistas, das festas de Carnaval ao ritmo eletrônico”, pontua Moska.

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Nos bastidores, o chefe de serviços externos Luís Cláudio Barbosa de Jesus, 53 anos, fica com a voz embargada ao falar sobre seu percurso de 21 anos às voltas com aquele palco. Ele entrou como auxiliar de serviços gerais, mas já foi “canhoneiro” (cuidando da luz), cenotécnico e tantas outras funções, até ocupar o atual posto. Nem tudo foi glamour: ele já precisou até arregaçar as mangas em alagamentos durante espetáculos. “Já perdi muito sapato, porque cansamos de puxar água, enquanto o artista estava cantando, para não invadir o palco”, conta.

Do palco aos bastidores: o cantor Paulinho Moska e o chefe de serviços Luís Cláudio (à dir.)
Do palco aos bastidores: o cantor Paulinho Moska e o chefe de serviços Luís Cláudio (à dir.) (Thais Monteiro; Edson Júnior/Divulgação)

Várias amizades foram se estabelecendo, e Luís Cláudio guarda todo um repertório de casos, como quando estava comandando o canhão de luz e Angela Ro Ro dizia ao público que quem estava pilotando aquela luz a estava perseguindo. Na apresentação seguinte, após conhecê-lo, Ro Ro emendou: “Pois é um negão desse tamanho que comanda o canhão”. Como é ele que maneja o equipamento de acessibilidade para cadeirantes, alguns assíduos frequentadores têm até seu telefone para avisar quando planejam ir ao teatro. “Isso aqui é uma grande escola, a escola Ângela Leal”, elogia.

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Entre tantos sacolejos e crises, um dos que mais fizeram temer pelo futuro deu-se no fim de 2018: a diretora foi avisada de que o teatro perderia o patrocínio da Petrobras após dezenove anos. Mas, para alívio geral, acabou dando tudo certo. “Passamos por Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer, e o patrocínio sempre continuou, o que só reforça o pilar democrático do Rival”, ressalta Ângela. “Mas isso aqui é tão mágico que um dia toca o telefone, e era uma empresa, a Refit (também de petróleo), se oferecendo para nos patrocinar. É ou não é mágico?”, diz Ângela, que recentemente retomou a parceria com a estatal brasileira e adicionou o Petrobras ao nome.

Ao longo dessas mais de três décadas em que está à frente do teatro, a diretora atuou não apenas em prol de sua casa, mas de toda a região: ela criou a Sociedade dos Amigos da Cinelândia para lutar por melhorias na outrora glamurosa praça. Atualmente, está preocupada com o aumento do número de usuários de crack dormindo nas calçadas, mas vê com otimismo o incentivo para a ocupação do bairro com edifícios residenciais. Para o aniversário, já estão previstos shows de João Bosco, nos dias 2 e 3 de março (o primeiro já esgotado), e da cantora Céu, no dia 29, entre muitos outros que irão celebrar a data deste vital espaço cultural carioca.

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“O Rival é importante para a cidade porque traz consigo a história da Cinelândia, do Rio de Janeiro, do Brasil, da cultura e dos movimentos que derivaram de acontecimentos históricos”, observa Ângela, aos 76 anos, reconhecendo que a idade está “começando a pesar”. Não abre mão, porém, da gestão do teatro que é extensão de sua própria casa. “O Rival foi inaugurado com o espetáculo Amor, e é esse sentimento que o mantém vivo”, resume. Só resta aplaudir.

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