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“A surdez não me limita”, diz Benedita Casé, à frente do videocast PcDPod

Filha de Regina Casé, a cineasta encabeça a luta pelo fim do preconceito contra pessoas com deficiência e desnuda a própria condição em novo projeto

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 15 set 2023, 09h29 - Publicado em 15 set 2023, 06h00

Dia desses, eu levava meu filho, de 6 anos, para a escola de bicicleta quando paramos no sinal e um ciclista me olhou com cara de espanto. Saltei imediatamente e só então percebi que Brás estava chorando. Nós temos um acordo ao andar de bike: ele precisa me cutucar caso alguma situação atípica ocorra, já que eu não o ouço na garupa. Meu filho tinha machucado o dedo na trava do veículo e não conseguiu me avisar do jeito combinado. Mesmo com ele já no meu colo, mais calmo, me senti uma péssima mãe. Tratei então de respirar fundo e lembrar do mantra que me acompanha: eu não preciso ser perfeita.

Perdi grande parte da audição ainda bebê, após uma dose cavalar de remédios para tratar uma pneumonia grave. Sou, portanto, uma “surda que ouve” desde que me entendo por gente. Escuto principalmente sons graves e me apoio quase 100% na leitura labial para me comunicar. Comecei a usar aparelho nos dois ouvidos aos 3 anos. Graças às escolhas da minha mãe, Regina Casé, e do meu pai, o artista plástico Luiz Zerbini, pude frequentar uma escola regular, assim como me formar em design pela PUC. Por muito tempo, porém, me camuflava atrás de uma figura aparentemente sem deficiência. Mais tarde entendi que isso se chama passabilidade.

Foi um processo duro, mas só com quase 30 anos consegui virar essa chave: eu não sou uma pessoa comum. Tenho, sim, uma deficiência e preciso me reconhecer como sou. Minha mãe sempre me incentivou a “sair do armário”, a contar para as pessoas, mas eu tinha pânico de ser vista como vítima. Na adolescência, escondia o aparelho com os cabelos na hora da foto. Quando comecei a frequentar boates, lembro de mães de algumas amigas me incentivarem a tirá-los dos ouvidos antes de sair de casa porque, segundo elas, ficava mais bonita sem eles. Para a maioria, já é difícil se comunicar num ambiente escuro, com som alto. Para mim, o esforço era redobrado.

Minha jornada de autoaceitação começou em 2019, quando conheci a ativista Paula Pfeifer, responsável pelo projeto Crônicas da Surdez. Nunca tinha convivido antes com uma pessoa com deficiência. Outro encontro marcante foi com a ativista e profissional da inclusão Lau Patrón, que me ajudou a entender que, durante toda a minha vida, passei por situações desconfortáveis que hoje sei que têm nome: capacitismo, discriminação por conta de uma deficiência. Pouco tempo depois, tomei coragem para gravar um vídeo para o Instagram contando a minha história. A repercussão foi gigante. Fiquei até assustada com a quantidade de gente que me procurou porque vivia situação parecida.

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Tenho orgulho de produzir o videocast PcDPod, que apresento ao lado do cineasta Pedro Henrique França, que tem nanismo. Os primeiros episódios já estão disponíveis no YouTube e no Spotify, e nossa ideia é naturalizar as pessoas com deficiência, nos afastando daquela ideia de superação. Somos pessoas que trabalham, namoram e tudo o mais. Entrevistamos nomes como a ex-ginasta Laís Souza, o influenciador Ivan Baron e a atriz Tabata Contri. Cada um trouxe uma perspectiva distinta sobre o que é ser alguém com deficiência, de forma muito honesta e clara. Foi muito importante ouvir o ator e humorista Gigante Leo, que também tem nanismo, falar sobre paternidade e os olhares que enfrenta num passeio com o filho.

Hoje me considero uma ativista da surdez. Muita gente ainda precisa aprender que certas atitudes em relação a quem tem deficiência são preconceituosas. Tenho toda a paciência para esclarecer. A tecnologia me ajuda o tempo todo. Hoje, uso um aparelho com bluetooth, conectado ao smartphone. Descobri a música de um outro jeito e consigo até perceber o canto de uma cigarra ou uma chaleira fervendo no fogão. Meu filho é praticamente meu terceiro ouvido, apesar de eu tentar não colocar nenhuma responsabilidade sobre ele nesse sentido. Já não tenho mais medo do “carimbo” de PcD. Essa condição não me limita. Muito pelo contrário, ela me dá força.

Em depoimento a Marcela Capobianco

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