Maria Ribeiro: “Não há previsão nem segurança. Há o teatro”
Atriz e escritora quer usar o palco para experimentar novas linguagens e iluminar a vida de mulheres que, como ela, um dia acreditaram em meteorologia
Hoje é dia 11 de agosto, uma quinta-feira. São 9 horas da manhã, chove, e os ventos estão a 18 quilômetros por hora. Nada, se comparados aos mais de 90 que chegaram na madrugada. Quase um ciclone, perto da brisa a que estamos acostumados na Guanabara.
No dia em que esta coluna tiver virado papel — e como eu ainda amo revista, meu Deus! — provavelmente o tempo já estará aberto. Digo, sem vento. Sem nuvens. Com sol, praia etc.
Provavelmente também Olivia Newton-John, morta há três dias, aos 73 anos, já não estará mais em minha timeline. José Eugênio Soares, 84, idem. Fotos de seus personagens e das antológicas entrevistas do Programa do Jô terão igualmente deixado de ser o grande assunto das redes sociais. Resta torcer para que os vídeos com as comemorações dos 80 anos do Caetano durem um pouco mais, vamos ver a quantas anda o amor líquido do Baumann.
Esta semana em que escrevo, no entanto, esta, onde o agora é agora e logo deixará de ser, esta, da forma como se apresenta — vento, Jô Soares, Olivia Newton-John —, esta terá sido única e, mesmo assim, terá ficado pra trás. Bastarão sete dias para que novas notícias ocupem os trending topics do Twitter e as páginas dos jornais, e bastará algumas horas, segundo a previsão do tempo, para que o Instituto Nacional de Meteorologia retire o grau de severidade onde neste exato momento está escrito, em amarelo e seguido de dois-pontos: perigo potencial.
Eu discordo. Do Inmet. Considero tudo potencialmente perigoso, inclusive dias de mar calmo e vento leste. Acho dormir e acordar sempre bonito, mas nunca perco a consciência de que a vida é risco 24 horas por dia, e talvez por isso me sinta tão acolhida pela existência de estabelecimentos que nunca fecham (te amo, Banca Piauí!).
“Parece piada, em pleno 2022, sermos obrigados a dizer que somos a favor da democracia”
Faltando menos de dois meses para o primeiro turno das eleições, me esforço para não pensar que ainda existe tanta gente do lado do presidente, o que não sei se é exatamente uma boa estratégia. É claro que sigo conversando com motoristas de táxis, que banco minhas camisetas com estrela vermelha e que assino todo e qualquer manifesto em favor da democracia (parece piada, em pleno 2022, sermos obrigados a dizer que somos a favor da democracia). Mas, apesar de não me abster do debate político, não posso deixar de confessar que, nos últimos tempos, sempre que posso, fujo.
Fujo pra música nova do Chico Buarque, fujo pra serie da família Gil, fujo pro show da Adriana Calcanhotto, fujo pro Brasil do meu algoritmo perfeito.
Pensando bem, nunca foi de outro jeito. Quando eu era garota, e o país só existia no hino diário cantado na escola, minha vida já era dividida. De um lado, estavam meus pais, meus irmãos e uma separação que deixou nossa casa inteira em carne viva; e, do outro, a volta por cima de Sandy, que nunca mais sofreria por John Travolta e adotaria de vez aquele look matador de cabelos cacheados e calça de couro justa.
Grease foi um dos filmes mais importantes do fim da minha infância. E talvez a atriz que vim a ser mais adiante tenha surgido precisamente ali, da vontade de, quem sabe um dia, ter a chance de me rebelar, tanto no figurino quanto na atitude, contra a submissão feminina imposta pelo status quo do fim do século passado, ou, pelo menos, contra o desequilíbrio de poder que eu via entre meus genitores.
Na semana passada fui assistir a O Espectador, peça com Marieta Severo, Renata Sorrah, Andrea Beltrão e Ana Baird, dirigida por Marcio Abreu e Enrique Diaz, em cartaz no Teatro Poeira. O texto é incrível, as atrizes são todas brilhantes, e o teatro estava lotado que era uma beleza, mas nada se comparou à emoção de ter visto, ao vivo, em cores, e a poucos metros de mim, exatamente o futuro que eu vislumbrei quando menina: mulheres livres e independentes, com ou sem John Travolta.
Marieta Severo e Renata Sorrah são tudo o que eu espero do porvir. Aos 75 anos, quero estar como elas: carnavalizando o teatro e a existência, dançando até o chão, subvertendo a relação com a plateia, experimentando novas linguagens e iluminando a vida de mulheres que, como eu, um dia acreditaram em previsão do tempo.
Não há previsão nem segurança.
Há o teatro.
Vamos a ele.