Maria Ribeiro: “Só quero não ter medo, nem de ganhar nem de perder”
Atriz e colunista escreve sobre a esperança em tempos de Copa do Mundo
Sim, eu estou vendo a Copa. E também The Crown, White Lotus, e os reacts do Casimiro. Não, eu não montei a árvore de Natal, eu sei, tenho que correr, é que dezembro e Galvão Bueno estão em processo de adaptação e até agora não se entenderam completamente.
Verão? Ah, é, estamos quase lá, preciso acionar minha versão praiana, mesmo que ela nunca tendo existido. A esperança é a última que… você sabe. Um dia ainda me adapto aos termos e condições das estações do ano e dos seus respectivos eventos, mesmo quando misturados.
Retrospectiva: vamos lá. Não ia torcer pro Brasil e estou torcendo pro Brasil, deixei de usar máscara e voltei a usar máscara, achei que a Gal era pra sempre e continuo achando, e vi meu caçula virar adolescente numa terça-feira à tarde ao voltar da padaria.
Aí, como é bom prestar atenção na vida miúda! Eu tinha esquecido. Era um tal de vida ou morte, um excesso de consciência do país por baixo de cada camiseta amarela, um desespero cívico vinte e quatro horas por dia e oito dias por semana (exatamente, oito dias), uma angústia tão grande por trás de toda e qualquer ida ao cinema ou viagem de Uber, que de repente parece que o Brasil ganhou seu nome de volta, e que todos nós fomos sorteados com o prêmio Richarlison de amor pela espécie humana.
Eu sei, não posso exagerar, existe um forte componente inebriante nessa narrativa do futebol como sentido da existência, mas a verdade é que, pra mim, o pombo do Espírito Santo transformou em realidade os versos do Rappa: “Paz sem voz não é paz, é medo”. Futebol sem voz não é futebol, é dinheiro. Ou melhor, só dinheiro.
O.k., talvez eu esteja sendo ingênua. E até um pouco hipócrita. Sou, além de carioca e tricolor, do time da Madonna. Material girl nunca foi só uma música. E não, não queria morar em Cuba. Mas não gosto de comer vendo alguém com fome. Questão de egoísmo, mesmo.
“Depois de quatro anos de bolas vindas pela esquerda, um pouquinho de assistência não faz mal a ninguém. Figurinhas douradas, vento leste, gols bonitos, palavras de amor”
Escrevo este texto no meio do jogo do Brasil contra a Croácia. Não penso em mais nada além da nossa classificação. E talvez estivesse assim, de qualquer forma. Mas a entrada em cena de um herói como o atacante capixaba, deixou, aos meus olhos de torcedora tola e romântica, a Copa do Catar um tanto menos injusta.
E como a gente estava precisando! Depois de quatro anos de bolas vindas pela esquerda, um pouquinho de assistência não faz mal a ninguém. Figurinhas douradas, vento leste, gols bonitos, palavras de amor.
A duas semanas de 2023, tenho gastado meus dias fazendo a mudança da minha mãe. Às vezes a gente começa em dezembro, festeja em silêncio, canta pra dentro. No meio de dezenas de caixas, um álbum me chama a atenção. São recortes antigos de jornal, páginas de revistas velhas, cartas dos anos 50, e uma foto em preto e branco do meu pai com o Pelé.
Sim, meu pai. Com o Pelé. Em 1958. Na Suécia. O tempo é mesmo o dono de tudo. Estou ao lado dos meus dois filhos vibrando com todo o meu peito por um esporte que consiste em simplesmente correr atrás de uma bola. Faço isso exatamente como meu pai fazia, e provavelmente como meus netos farão.
São 2 horas da tarde do dia 9 de dezembro de 2022. Brasil e Croácia estão há noventa minutos tentando deixar duas nações felizes, o que é impossível. Do meu lado, eu só quero não ter medo, nem de ganhar nem de perder. Que no final das contas é sobre isso, a vida.
Às vezes é zero a zero.
Às vezes vamos pra prorrogação.
Às vezes ganhamos.
Às vezes perdemos.
Mas o gol do Richarlison, suas palavras, sua postura, isso ninguém nos tira. A isso, chamamos esperança.
Alguns homens valem por todos os outros.