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La Putaria: polêmica e alegria entre os piroffles e xoxoffles de Ipanema

Nem mesmo a determinação judicial que mandou tapar o letreiro da nova doceria abafou o alvoroço dos waffles em formatos eróticos que atraem multidões

Por Pedro Landim
17 jun 2022, 06h00

De casamento marcado na casa do cônsul-geral da França, em São Paulo, a francesa Marion Bachelart, 26 anos, está de olhos vendados e véu, cercada de amigas com tiaras de flores alojadas no cabelo. Elas a levaram para experimentar, em Ipanema, um doce repleto de originalidade na despedida de solteira que terminaria mais tarde, na Lapa. “É um brigadeiro?”, pergunta Marion, ao sentir o cheiro. “Tem de lamber agora porque está escorrendo”, ensina a amiga Julia Rennó, 23. E, com celulares em punho, as amigas registram o momento para a eternidade. O objeto que capta as atenções tem nome autoexplicativo: piroffle — um pênis de 16,5 centímetros forjado em massa fofa de waffle e mergulhado em caldas de semelhante duplo sentido.

No novo alvoroço da Rua Visconde de Pirajá, o falo açucarado é só, digamos, a ponta do iceberg — ainda que responda por 80% das vendas, algo como 350 unidades por dia. “Vamos levar para viagem e ver se os maridos nos deixam em paz”, brinca a empresária Bruna Britto, 34, a respeito da xoxoffle, versão comestível da anatomia feminina, conquistada após duas horas de espera na fila com mais de 100 pessoas em um sábado recente.

+ Vinhos naturais: oferta e consumo se multiplicam em bares e restaurantes

Os criativos e já polêmicos quitutes são novidade perto da esquina da Rua Vinicius de Moraes, onde a Garota de Ipanema costumava tirar o sossego dos poetas. No primeiro mês, a loja, apropriadamente batizada de La Putaria, recebeu cerca de 10 000 pessoas, público formado 70% por mulheres com idade média em torno dos 25 anos. E já chegou mexendo com libidos até nas esferas federais. A profusão de pepecas e piu-pius açucarados incomodou uma turma conservadora para quem tais doces ferem princípios morais e dos bons costumes. A casa teve um letreiro danificado e alguns moradores pensaram num abaixo-assinado de repúdio, cancelado por falta de adesão. Em Londrina, no Paraná, a vereadora Jessicão (PP) logo apresentou um projeto de lei para proibir a oferta de comidas em formato erótico na cidade. Em 1º de junho, um mês após a abertura, chegou a notificação, em processo administrativo do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, do Ministério da Justiça, vetando a venda dos docinhos para menores de 18 anos e sua exposição em vitrines.

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A Justiça determinou ainda que o letreiro com o nome da loja carioca e de outros negócios semelhantes no país (a baiana Ki Putaria, a paulistana Assanhadxs Erotic Food, a paranaense La Pirokita) fosse tapado. “Nunca vendemos para menores. Se preocupar com as crianças passando fome nas calçadas do bairro, isso ninguém faz”, dispara a mineira Juliana Lopes, 26 anos, dona da loja em sociedade com o namorado, o austríaco Robert Kramer, 35, que teve a ideia depois de degustar genitálias comestíveis em Bangkok, na Tailândia.

O casal recorreu da decisão judicial acionando a advogada Deborah Sztajnberg, que classifica o ocorrido como “censura orquestrada em procedimento anômalo e inconstitucional do Ministério da Justiça”. No bairro, apesar de todo o burburinho, a Associação de Moradores e Amigos de Ipanema (Amai) realizou uma pesquisa com 3 000 associados e constatou que apenas 20% eram contra a presença do estabelecimento. “A loja é importante na retomada. Ipanema não é Sucupira, das Irmãs Cajazeiras, mas um bairro de vanguarda, berço do Pasquim”, afirma Carlos Monjardim, presidente da Amai.

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Os empresário Robert Kramer e Juliana Lopes: mais de 500 pedidos de franquia -
Robert Kramer e Juliana Lopes: mais de 500 pedidos de franquia (Daniela Dacorso/Veja Rio)

Enquanto se discute o sexo dos waffles nos tribunais, eles não param de ser consumidos nestas praias. A fila agitada de consumidores em busca de piroffles, xoxoffles e congêneres passa pela porta de cinco lojas vizinhas e termina no espaço cor-de-rosa de 30 metros quadrados, onde o verso “toma, toma, socadona”, da funkeira Ludmilla, dita na playlist o ritmo da produção em série das comidinhas. Atrás do balcão, Juliana avisa ao cliente indeciso: “Vou te dar a de ouro, é a piroca do milhão”. Sim, há uma versão com spray dourado — e a piada faz sentido diante do negócio brilhante criado pelo casal em Portugal, onde fica a matriz.

Mais do que waffles eróticos, Ju e Bob, como são conhecidos, criaram uma engrenagem poderosa de engajamento nas redes sociais, que tem na mira as três lojas já inauguradas — todas com fila na porta — dos dois lados do oceano. Em agosto de 2021, pouco depois da abertura em Lisboa, onde a dupla reside, enquanto o Instagram derrubava a primeira conta da La Putaria, eles eram entrevistados, entre muitas risadas, pelo programa Em Família, da emissora TVI. Liberado, o perfil atual conta com média de 1 500 novos seguidores por dia, somando mais de 170 000 pessoas. No TikTok, a hashtag #laputaria é um fenômeno, com 14 milhões de visualizações. Hoje é difícil achar um vídeo com a marcação que não seja gravado na loja, de preferência à frente de frases estratégicas em neon: “Maior do que o do seu namorado” — só para dar um exemplo.

Após a inauguração em Belo Horizonte, em janeiro, a dupla fincou endereço no Rio, onde está às voltas com mais de 500 pedidos de franquia. São Paulo é a próxima parada. Eles mantêm o faturamento em segredo, mas pelos preços cobrados e pela ebulição nas vendas não é exagero estimar algo em torno de 280 000 reais nos primeiros trinta dias.

Comida de conotação erótica, é bom que se diga, vem de longe. Reza a lenda que os famosos cannoli italianos teriam nascido com livre inspiração peniana, em um harém na Sicília, durante o domínio árabe, para festejar a masculinidade do emir. Os canudinhos crocantes e recheados com ricota podem ser degustados por aqui em restaurantes como o Casa Tua, na Barra, com creme de pistache e calda de chocolate, e na versão salgada (e avantajada) da Babbo Osteria, em Ipanema, com salada de camarão.

Na cidade portuguesa de Amarante, os chamados colhões de São Gonçalo são antepassados legítimos dos piroffles, pães doces em forma de pênis oferecidos nos cultos ao pároco que pregava em prostíbulos no século XIII. A punheta, por sua vez, também conhecida como bolinho de estudante, é item fálico famoso na Bahia, feito com tapioca, coco, açúcar e canela. Não há motivo, portanto, para a timidez de clientes que solicitam os quitutes da La Putaria. Um deles, naquele sábado agitado, pediu uma caixa com itens variados e saiu de lá ouvindo de uma bem-humorada atendente: “Taí o seu ménage”.

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É disso que o povo gosta
Os quitutes que lideram a preferência no La Putaria

piroffle recheado de Nutella com a calda de chocolate branco
Contatinho: o mais vendido é recheado de Nutella e coberto com calda de chocolate branco (./Divulgação)

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Seja no Rio, em Belo Horizonte ou Lisboa, um dos campeões de vendas chama-se contatinho. É um piroffle recheado de Nutella com a calda de chocolate branco batizada de “final feliz”, ao preço de 29 reais em Ipanema. É o mais caro da lista, que começa em 25 reais. Entre as xoxoffles, o sucesso está na tinder date, coberta parcialmente de chocolate ao leite com a calda branca no centro. Todos os itens podem vir com toppings como chantilly e granulado colorido, e há versões veganas e também salgadas, com presunto, mussarela e orégano. É evidente que a graça está no formato e existem em outros pontos do bairro waffles de maior qualidade, mas tanto o sabor como a textura agradam e costumam receber elogios à primeira mordida no produto que chega quentinho.

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