Eduardo Sued, aos 100 anos: “Quantos animais vivem um século?”

O principal colorista brasileiro e grande nome da abstração geométrica acaba de inaugurar uma exposição na cidade

Por Marcela Capobianco
20 jun 2025, 06h04
eduardo-sued
"Nos dias em que não consigo abrir um diálogo com toda a arte que há dentro de mim, me sinto um nada", diz o pintor centenário (Leo Lemos/Veja Rio)
Continua após publicidade

“Acordei no dia seguinte ao meu aniversário e vi a sala do apartamento ainda decorada com balões dourados. Parei para refletir: tenho 100 anos. Fico admirado, porque é coisa para caramba. Quantos animais vivem um século? Poucos. Meu corpo sabe o que é ter dez décadas. Uso cadeira de rodas, tenho dificuldade para escutar e conto com o auxílio de uma cuidadora para beber água, por exemplo. Mas a minha cabeça não para nunca e me diz justamente o contrário: eu sou jovem.

+ Musical sobre Rita Lee chega ao Rio em meio à onda de homenagens à cantora

Minha lembrança mais pujante da infância é a impressionante sensação de conhecer as cores. Eu gostava de separar diferentes papéis tingidos em envelopes. Sou apaixonado pelo vermelho até hoje, gosto de vestir camisetas rubras. Todos os tons, especialmente os primários, me acompanham o tempo todo, até nos sonhos. Me sinto tocado por paletas e formas, então simplesmente preciso colocá-los para fora. Sou apenas um pobre diabo em busca de registrar o belo.

As telas me desafiam a traduzir a harmonia entre diversos elementos num espaço limitado, mas tenho a impressão de que a minha obra só se completa a partir do olhar do outro, do público. Por isso gosto tanto de exposições. Já perdi a conta de quantas participei, não só no Rio mas em diversas cidades. Para celebrar meu centenário, Maneco Müller e a esposa, Stella Ramos, escolheram dezesseis pinturas recentes. Faço questão de ir até o ateliê três vezes por semana. O problema de ter a minha idade é que preciso ir ao médico com certa regularidade, o que considero uma chatice. Eles mesmos marcam o horário da consulta e se atrasam, então, se fico à disposição dos doutores, não consigo pintar.

+ Diogo Nogueira traduz em disco a leveza da relação com Paolla Oliveira

Continua após a publicidade

Nos dias em que não consigo abrir um diálogo comigo e com toda a arte que há dentro de mim, me sinto um nada. Eu realmente não poderia ter escolhido outra profissão, não viveria de outra forma. Meus pais, imigrantes sírios, exigiram que os seis filhos fizessem faculdade. Cheguei a cursar engenharia, mas desisti no terceiro ano. Passei uma temporada em Paris no início da década de 1950 e não teve jeito, os ares franceses me fizeram artista.

+ Chef Agustin Brañas comanda o primeiro “omakase” de carnes do Rio

Quando voltei à capital fluminense, em 1953, passei a trabalhar como assistente do Iberê Camargo. A partir daí, testemunhei diversos movimentos da arte contemporânea brasileira, mas sempre fui capturado pelas cores. Nunca quis seguir uma corrente específica. Gosto de abraçar o erro, não tenho pena de rejeitar algumas criações, porque é um sinal de que algo melhor pode surgir lá na frente. Sou apreciador do silêncio e dos compositores clássicos.

Continua após a publicidade

“Não suporto a ideia de depender dos outros”, diz Isadora Cruz

Minha casa sempre foi sinônimo de criatividade. Um dos meus filhos gêmeos, de 65 anos, se tornou músico, inclusive. Minha companheira, a estilista Marília Valls, que morreu em 2018, era fundadora da butique Blu Blu, foi uma pessoa importante. Juntos, formávamos um casal estiloso. Sinto muita falta dela. Para tentar aplacar a saudade, gosto de olhar fotos antigas. Minha casa é coalhada de porta-retratos. Estou sempre cercado de lembranças das pessoas queridas que já se foram.

O meu único irmão vivo, o Lauro, dentista, tem 98 anos e nós fazemos questão de nos ver com frequência. Os encontros de família são sempre apinhados, mas eu confesso que fico um pouco cansado, preciso voltar para os matizes que me preenchem. Para mim, a cor é a presença de vida. E isso significa que vou seguir pintando. Parar, definitivamente, não é uma opção.”

Continua após a publicidade

*Em depoimento a Marcela Capobianco

Publicidade

Essa é uma matéria fechada para assinantes.
Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

Domine o fato. Confie na fonte.
10 grandes marcas em uma única assinatura digital
Impressa + Digital no App
Impressa + Digital
Impressa + Digital no App

Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
*Assinantes da cidade do RJ

A partir de 35,90/mês

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.