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De vento em popa: é a vez das canoas a vela dominarem a paisagem carioca

Modalidade que tem se popularizado nas praias do Rio reforça a vocação da cidade para lançar tendências Brasil afora

Por Renata Magalhães
16 jun 2023, 06h00

Pode parecer história de pescador, mas acabou se convertendo numa das mais fascinantes jornadas científicas do século passado. O protagonista foi o explorador norueguês Thor Heyerdahl, que, em 1947, reconstruiu uma jangada inca, com vela e tudo, e singrou o oceano Pacífico desde o Peru. Seu objetivo era provar que as ilhas polinésias poderiam ter sido colonizadas também por sul-americanos — levados, como ele, pelas correntes marítimas. A expedição (vitoriosa, diga-se de passagem) levou 101 dias, rendeu filme, livro e inspirou o batismo de outra embarcação, construída quase oito décadas depois: a canoa a vela Kon-Tiki, que hoje vem chamando atenção de quem cruza seu caminho nas águas da Baía de Guanabara.

Com o litoral carioca dominado por veleiros e também agora pelas canoas havaianas, a criação de Theo Andrade mistura um pouco das duas modalidades, trazendo uma novidade para este universo em expansão no Rio. “Quando conheci o modelo no Havaí, soube na hora que precisava trazê-lo para o meu trabalho no Brasil”, conta o esportista, à frente do clube ROC Va’a, na Praia do Flamengo, desde 2013.

Adaptação carioca: a versão do engenheiro Alexandre Sampaio
Adaptação carioca: a versão do engenheiro Alexandre Sampaio (Leo Lemos/Divulgação)

O projeto da canoa a vela levou três anos e envolveu muita pesquisa até ser finalizado, em 2021. “Nunca achei que seria fácil, mas foi bem mais difícil do que eu esperava”, diz Theo. Ele comprou uma canoa nacional, nos mesmos moldes da que conheceu no arquipélago havaiano, e começou a fazer adaptações para poder acomodar a vela. Várias peças foram criadas de forma artesanal a partir de materiais como carbono, alumínio, madeira e sucata de aço inoxidável — justamente o que faz da Kon-Tiki uma embarcação única.

Por enquanto, o remador faz treinamentos e oferece passeios para grupos, incluindo um pacote que tem como destino a paradisíaca Abrolhos, no litoral sul da Bahia. A meta, porém, é mais ambiciosa: reproduzir o barco em larga escala para comercialização. “A adrenalina de velejar rápido, negociando com as forças da natureza e usando a propulsão a remo, cria o equilíbrio perfeito entre o físico e o mental”, descreve Theo, que já atingiu 27 quilômetros por hora em alguns passeios em que o vento soprava a favor. Para efeito de comparação, a canoa havaiana alcança no máximo 15 quilômetros por hora.

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A velocidade é apenas uma das diferenças do sailing va’a, como se está convencionando chamar a nova modalidade nestes mares. Enquanto requer menos esforço muscular, ela demanda bom conhecimento de estratégia de navegação. Sem tanta experiência como remador, o engenheiro de telecomunicações Alexandre Sampaio resgatou a habilitação náutica antes de colocar sua versão na ativa. “Comecei sem pretensões, queria construir uma canoa leve, que pudesse ser levada em cima de qualquer carro”, lembra ele, que já havia acumulado experiência em sua oficina de pranchas de skim­board.

Nesse caso, a inspiração veio do neozelandês Gary Dierking, autor do livro Building Outrigger Sailing Canoes (Construindo canoas a vela, em tradução livre), cujo método é tão reproduzido que há até um blog contabilizando os projetos realizados com base nele mundo afora. “Meu foco agora é velejar, mas tenho vontade de receber pessoas para passeios e, quem sabe, criar um clube só de canoas a vela no futuro”, adianta Sampaio.

Em alta: esporte protagonista de campeonatos como o Aloha Spirit
Em alta: esporte protagonista de campeonatos como o Aloha Spirit (Vandrei Stephani/Divulgação)

Se a ideia for adiante, ele se juntará aos oitenta clubes fluminenses associados à Federação de Canoa Havaiana do Estado, um número parrudo que se soma a outros crescentes no mundo da canoagem pelas bandas de cá. Enquanto em 2017 eram 1 500 remadores, hoje eles ultrapassam os 12 000 — um aumento de 700%. “Os campeonatos influenciaram a chegada de novos adeptos, no início dos anos 2010, e esse crescimento seguiu vagarosamente até a pandemia, quando houve uma explosão de interessados”, ressalta João Castro, diretor do Aloha Spirit, um dos quinze torneios que integram o calendário do Rio.

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A segunda etapa ocorreu no mês passado, em Saquarema, com um recorde de dez categorias só para canoa polinésia. Ali os cariocas também fazem bonito e são sempre maioria entre os inscritos. “Ainda que seja um esporte de alta performance, ele é inclusivo e oferece uma nova perspectiva para desbravar as belas paisagens da cidade”, afirma Castro.

A primeira canoa por aqui: chegada nos anos 2000
A primeira canoa por aqui: chegada nos anos 2000 (Estevan Norio Ito/Divulgação)

Usada originalmente pelos povos insulares do Oceano Pacífico para a colonização de ilhas, as canoas que serviram como meio de transporte para os polinésios levaram quase 3 000 anos para atracar na América Latina. Sua chegada se deu pelo Rio de Janeiro só nos anos 2000, trazida da Califórnia pelo atleta carioca Ron Zander Wil­liams. “Um ano antes, tinha fundado o Outrigger Rio Clube, na Praia da Joatinga, que foi o precursor de todos que surgiriam a partir dali”, recorda. E foi justamente a sua Lanakila (nome de batismo da embarcação) que serviu de referência para a primeira versão a vela, construída seis anos mais tarde pelo remador Hugo Sanchez.

Uma história que reforça a vocação do Rio para lançar tendências esportivas que se espalham por todo o país, como aconteceu com o futevôlei, o frescobol e, mais recentemente, com o beach tennis. Será por aqui, não à toa, o maior encontro brasileiro de canoa polinésia — em agosto, a Imersão VA’A terá como palco as águas de Niterói, celeiro da modalidade. Até lá, ainda podem surgir novidades dentro deste universo, que não para de crescer e ganhar novos adeptos.

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