Marco Nanini: “A cultura nunca foi tão maltratada como agora”
Dono de um premiado currículo de quase 40 peças, ator de 72 anos fala sobre suas inseguranças e conta como fez para continuar atuando na pandemia
Antes de a cultura nacional ser profundamente chacoalhada pela pandemia, Marco Nanini conta que sentiu uma das emoções mais intensas de seus 56 anos de carreira. O ator visitou o Galpão Gamboa, centro cultural que ele próprio mantém, e acompanhou uma entusiasmada aula de arte das crianças. A turma estava sendo apresentada a nomes importantes da cena cultural e, totalmente absorvida, nem percebeu a presença da figura famosa — que, entre outros personagens, deu vida ao célebre Lineu, na série A Grande Família, sucesso na TV durante catorze anos. “Não deram a mínima para mim. Eles só queriam continuar aprendendo. Parei e fiquei vendo, tocadíssimo”.
Aos 72 anos e dono de um premiado currículo com quase quarenta peças, Nanini ainda se reinventa: vai estrear sua primeira montagem on-line, um clássico do teatro do absurdo, As Cadeiras, de Eugène Ionesco. Em entrevista por vídeo, ele discorreu sobre a nova experiência, por que segue apostando no Rio e a razão de falar abertamente de sua orientação sexual. “Quanto mais eu assumir minha parte nesse assunto, melhor. Não há por que ter vergonha ou pudor”, disse a VEJA RIO.
Gosta da ideia de fazer uma encenação on-line, linguagem tão diferente daquela dos tempos pré-vírus? Passei mais de um ano em quarentena e isso me deixou frustrado, tristíssimo. Nunca tinha ficado tanto tempo parado na vida. Percebi que voltar a atuar seria uma maneira de respirar de novo. Arte é o que me faz bem, então resolvi encarar a novidade de fazer uma peça on-line, por mais que tivesse medo.
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Medo de que, exatamente? Sou naturalmente inseguro, ainda mais no que diz respeito à tecnologia. Já me vi querendo esmurrar o computador, jogá-lo pela janela. Não tenho nem redes sociais, não sei mexer em Instagram, Facebook, nada dessa natureza. Já conheço muita gente, não quero conhecer mais ninguém. Mas não dava para negar a existência da internet e as possibilidades que ela traz nas circunstâncias atuais.
Acredita que as peças on-line sobreviverão à pandemia? Por agora, elas são uma opção para quem não quer fazer um teatro amarrado, limitado a plateias de pouquíssimas pessoas. Mas, mesmo depois, acredito que o formato se mantenha. Essa nova linguagem vem cativando um público bom, então precisamos nos abrir. Na verdade, a demanda do público, que não esmoreceu, revela a grandeza do teatro.
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Na sua opinião, o que se denomina “o novo normal” será permanente? No mínimo, vamos ficar com uma enorme cicatriz emocional e teremos de aprender a lidar com ela.
Teve momentos de depressão? Eu tenho uma depressão que vai e volta, e desta vez foi profunda. Via TV e ficava arrasado, as pessoas morrendo, as imagens dos lugares que eu frequentava, os restaurantes, os teatros, tudo fechado. Também a falta de convívio com o povo da cultura foi um baque.
Em que grau o contato humano lhe faz falta? Sem conviver, a gente não se ouve, não se conecta. Do ponto de vista individual é triste e para a cultura, um problema. Aliás, ela nunca foi tão maltratada como agora. Me espanta que, no meio disso tudo, com a pandemia ainda nos assombrando, as pessoas consigam ir para a rua dançar e fazer festa.
“Me espanta que, no meio disso tudo, com a pandemia ainda nos assombrando, as pessoas consigam ir para a rua dançar e fazer festa”
Sua Covid-19 veio acompanhada de sintomas? Não foi forte, não. Peguei bem no início, quando estava absolutamente fechado em casa. Até que um amigo, que desconfiava estar infectado, me visitou. Eu sabia que ele poderia estar doente, mas achei que, preservando a distância, não me contaminaria. Estava errado.
Palcos emblemáticos da cidade, como o Teatro Glória e o Villa Lobos, fecharam as portas nos últimos anos. Ainda assim, você administra com recursos próprios dois centros culturais, o Galpão Gamboa e o Reduto. O que o motiva a mantê-los? Eu queria devolver à cidade o que ela me deu. Devo tudo ao Rio, e esses projetos são uma forma de abrir portas para outras pessoas. Sou pernambucano, moro aqui desde 1958 e sou louco por este lugar, apesar de nunca ter visto a cidade tão degradada, moral e fisicamente.
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Sua carreira inclui quase quarenta peças, 22 novelas e vinte filmes. A fama lhe faz bem? Eu nunca tive muita ligação com o glamour da profissão. Eu me vejo mais como um operário. Sou tímido, não gosto de festa, não fico à vontade quando as pessoas vêm falar, pedir foto, mas entendo, claro. Já estive dos dois lados.
Também teve seus momentos de fã? Sim. Estava em Nova York e de repente a Whoopi Goldberg cruzou por mim numa rua perto da Broadway. Não acreditei. Deixei a timidez de lado e cheguei gritando, superempolgado. Ela levou um baita susto, quase caiu para trás. Foi um vexame.
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Lineu, do seriado A Grande Família, foi um sucesso por mais de uma década e voltou ao ar nas reprises da pandemia. Foi difícil despedir-se do personagem? Passei por um luto, sim. Era como se o Lineu fosse um amigo, um companheiro queridíssimo. Engraçado é que antes da estreia, o diretor da série veio aqui em casa preocupado, com medo de o Lineu não ficar engraçado. Mas a graça dele era ser daquele jeito: normal, meio sem graça mesmo.
Elza Soares afirmou a VEJA RIO que os artistas têm de se posicionar e levantar bandeiras para dar voz a quem não tem. Concorda? Sim. Sou homossexual e me sinto absolutamente seguro e maduro para declarar isso. Não quero fazer disso um drama nem discutir por que sim ou por que não. São muitos os casos de violência física contra gays. Quanto mais eu assumir a minha parte nesse assunto, melhor, mas sem aquele chantili que costuma cobrir as fofocas. Isso é assunto sério.
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