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Tango

A repórter pediu que Bibi Ferreira confessasse um grande arrependimento. Bibi pausou grave e respondeu: — Ter tirado as sobrancelhas. Elas nunca mais cresceram. A mesma pergunta foi feita a Kirk Douglas. O astro, que completa 100 anos no mês que vem, revelou que, se soubesse das consequências, não teria dispensado o dublê nas cenas […]

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 fev 2017, 17h18 - Publicado em 12 nov 2016, 00h00

ISABELLE BARRETO

A repórter pediu que Bibi Ferreira confessasse um grande arrependimento. Bibi pausou grave e respondeu:

— Ter tirado as sobrancelhas. Elas nunca mais cresceram.

A mesma pergunta foi feita a Kirk Douglas. O astro, que completa 100 anos no mês que vem, revelou que, se soubesse das consequências, não teria dispensado o dublê nas cenas de perigo.

— Hoje, tenho duas próteses no joelho e muita dificuldade para andar.

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Curioso dois artistas da dimensão de Bibi e Douglas, que atravessaram guerras e revoluções, perseguições e a perda de amigos e parceiros, serem tão concretos nos seus remorsos. Para aqueles que não sofrem a deterioração do raciocínio e continuam a ser quem são na longevidade, o corpo surge como obstáculo para a vida mais que adulta.

As mulheres da minha família têm pescoço longo e fino. Sempre me orgulhei do meu. Minha mãe andou reclamando de dor na cervical e eu não achei que nossa herança de girafa tivesse a ver com isso. Mas comecei a gravar uma série, que se passa na época da Independência do Brasil, atada num espartilho. Bastaram 48 horas para a coluna retificada empurrar as vértebras que sustentam a cabeça de encontro ao crânio. A pressão irradiou para a testa e uma enxaqueca lancinante explodiu no córtex frontal. Desde então, tenho dormido mal, sofrido com dores no pescoço e pressentido que enfrentarei a via crucis da minha genitora nos anos que virão.

Aos 51, começo a lidar com os arrependimentos.

Tenho frouxidão ligamentar. Sempre me virei do avesso nas torções da ioga. De uns cinco anos para cá, minhas juntas deram para ranger, numa sinfonia de croques que, suspeitei, não daria em boa coisa. Aos poucos, fui desistindo dos asanas acrobáticos e rumei para um pilates forte, porém conservador. Diminuí as maratonas, que poderiam comprometer os meniscos, e tenho sentido um enrijecimento geral das articulações. Fui dar um chute de kung fu, noutro dia, com meu filho pequeno, estirei o músculo da coxa e terminamos num xadrez.

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Os cinco anos no salto alto da Fátima, de Tapas e Beijos, acabaram com a sola dos meus pés. Hoje, curada de um neuroma de Norton, trato da base como se fosse joia e evito os saltos 12.

As limitações físicas influenciam na maneira de ser. Tenho me tornado mais paciente e respeitosa, comigo e com os outros. A fúria juvenil, a vontade de ignorar limites, o instinto suicida, a revolta interior, a falta de paciência, a raiva e a indignação de outras décadas perderam terreno para uma resignação madura, calcada na infância do comprometimento físico.

Drauzio Varella explica que o comportamento humano foi moldado milênios atrás, quando o homem passava fome. Fomos programados para guardar energia. O cérebro não entende a lógica do esforço, a não ser para fugir, caçar ou arrumar um par. Hoje, longevos e bem alimentados, lutamos contra a decrepitude e a preguiça.

Bibi não corre nem levanta peso, mas canta Amália, Piaf e Sinatra em turnês pelo mundo. Kirk, eu não sei. Toco piano mal, mas, quando tudo me faltar, seria bom poder tocar um tango argentino.

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