Iza e integrantes da Atitude 67 revelam os desafios de viver da música
Os músicos Davi Barranha e Vitor Hugo Freitas também contam os percalços durante a pandemia devido à suspensão dos shows presenciais
O setor artístico revela-se um dos mais sacrificados com a pandemia. Ainda assim, muitos reforçam o vínculo profissional e afetivo neste período desidratado de espaço, público, verba. Parte deles renova a decisão de terem trocado os empregos originais pelo desafio de viverem exclusivamente de música. O caminho envolve não raramente a privação de formalidades e benefícios trabalhistas, como carteira assinada, salário fixo, férias remuneradas. Uma rotina vivida por parcela nada desprezível dos 600 000 brasileiros que, segundo a Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), abraçam a profissão no país.
Embora hoje conviva com a fama e o sucesso, a cantora e apresentadora Iza enfrentou dificuldades semelhantes quando abandonou a área de Publicidade e Propaganda para se dedicar ao que mais ama fazer: cantar. Pediu demissão da agência na qual trabalhava e começou a produzir vídeos para o Youtube. Ela recorda: “Pensei muitas vezes em desistir, porque eu não estava mais trazendo dinheiro para casa e precisava ajudar minha mãe. Muita gente me julgou por isso. Mas minha mãe me apoiou e incentivou muito a não desistir”.
O também carioca Davi Barranha seguiu já oito anos o mesmo trilho. Abdicou da estabilidade de servidor público pata trabalhar exclusivamente na área musical. Ele lamenta a paralisação de espetáculos na pandemia e recomenda investir na qualificação profissional, para expandir as oportunidades no mercado. A proximidade com os cultos evangélicos desde a infância despertou a paixão pela música. Ela se renova em show e na escola Musicalizar, da qual ele é dono.
A pandemia o fez rever a partitura profissional: “Quando a crise começou, minha esposa estava grávida. Traçamos um planejamento de médio prazo em relação a tudo”, conta o empreendedor musical. Davi Barranha espera que logo os músicos possam reencontrar, além dos ganhos financeiros, a emoção do público. Ele acrescenta: “Creio que o ser humano reveja sua própria condição de vida ao sair desse processo árduo”.
A banda Atitude 67 é outro caso de fé na carreira musical. Faz cinco anos que seus seis integrantes, todos de Mato Grosso do Sul, pediram demissão dos respectivos empregos e se mudarem para São Paulo atrás de apresentações em bares e eventos que os ajudassem a consumar o sonho de viver só de música. Eles ainda eram crianças quando começaram a tocar juntos. Mas até 2016 a carreira musical nunca tinha sido considerada viável. Tanto que todos fizeram faculdade e ingressaram noutros segmentos do mercado.
A ideia de transformar o hobby em profissão amadureceu num dos encontros anuais que os colegas promoviam nas férias. Pedrinho Pimenta, um dos integrantes da banda, lembra que a decisão estava cercada de dúvidas: “A maior insegurança era que estávamos largando as carreiras que tínhamos acabado de construir para começarmos outra bem diferente, e completamente incerta.”
GP, outro integrante, conta que, ao se mudarem para a capital paulista, embarcavam em todos os bares e eventos que lhe abriam as portas. O oposto das restrições enfrentadas nos dias atuais, decorrentes da crise sanitária sem precedentes. “Onde tivesse lugar para tocar, estávamos indo”, recorda Karan, também membro da Atitude 67. Eles admitem que, se fosse hoje, talvez tivessem desistido ou adiado os planos de deixar o Mato Grosso do Sul. “A situação está mesmo muito difícil, especialmente para quem vive de arte e principalmente, de música.”, observa Éric Polizér, mais um integrante da banda. Quando a turma da Atitude 67 resolveu “largar tudo” e ir para São Paulo, virou fofoca na cidade natal. Eram chamados de malucos. Motivo pelo qual a banda compôs a canção Netflix.
Risco igual assumiu Vitor Hugo Freitas há dez anos. Até então, dividia o trabalho de gestor comercial com os bicos musicais. Depois da perda do pai, decidiu que “faria algo que amasse”. Montou com outros músicos uma pequena instituição na Zona Sul de São Paulo, buscando facilitar os acordos para apresentações em bares e eventos. “Passei a viver exclusivamente da música e da associação que eu presido”, orgulha-se Vitor Hugo. “Só que hoje fazer apresentações não é mais possível. Aí você fica privado de coisas básicas, como pagar as contas. Entrei em desespero.”, relata.
Ele reforça a esperança em socorros emergenciais à categoria. Até como um reconhecimento à importância desses profissionais na sociedade, principalmente nesses tempos difíceis. Em pesquisa realizada pelo Itaú Cultural e o instituto Datafolha, 84% dos entrevistados revelaram que ouvir música tem sido a principal atividade durante a suspensão de atividades presenciais.
+ Para receber VEJA Rio em casa, clique aqui
Jeane Moraes*, estudante de comunicação, sob supervisão dos professores da universidade e revisão de Veja Rio