As batalhas por trás do aterramento do Campo do Bomba
Prefeitura de Duque de Caxias pretende construir central de abastecimento em área de preservação ambiental do estado
Está em curso, no município de Duque de Caxias, uma disputa pelas terras do Campo do Bomba. De um lado, a Prefeitura, que há anos tenta emplacar um centro de abastecimento no local. Do outro, a sociedade civil organizada reivindicando que o terreno seja preservado na sua configuração natural.
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O Campo do Bomba é uma planície fluvial de quase 3 milhões de metros quadrados e divide a Área de Proteção Ambiental (APA) São Bento, criada em 1997. O terreno funciona como amortecedor natural de enchentes, porque recebe e retém as águas dos rios Iguaçu e Sarapuí em época de cheia.
Mesmo com o amortecimento natural, moradores de Caxias já sofrem com alagamentos, devido às características geográficas da Baixada Fluminense.
Moradores e ambientalistas tentam chamar a atenção para o que está em jogo. Além das enchentes nas margens do Campo do Bomba, o aterramento pode aumentar o nível dos rios e provocar inundações em toda a bacia, afetando, além de Duque de Caxias, os municípios de Nilópolis, São João de Meriti, Nova Iguaçu, Belford Roxo e Mesquita.
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Outro alerta feito pelos especialistas é para o possível aumento da umidade do ar, gerando problemas respiratórios na população.
Apesar das adversidades do local, a Prefeitura de Caxias parece empenhada em levar adiante a construção da Cearj, a Central de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro. A ideia de instalar na cidade um centro de abastecimento não vem de hoje.
O professor de direito urbanístico e ambiental da UFRJ, Alex Magalhães, conta que, já no seu primeiro mandato, entre 2005 e 2009, o prefeito Washington Luís tentou levar para lá a estatal Ceasa-RJ (sigla de Centrais de Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro). E falhou.
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“Não havia interesse [do executivo e legislativo estadual] em mover o Ceasa. Isso obrigou o prefeito, quando ele voltou à prefeitura, a ter um plano diferente. Foi aí que veio essa história de uma central de abastecimento chamada Cearj, e com uma proposta mais ampla, pensada para abrigar outros empreendimentos comerciais”.
Com o novo projeto em mente, Washington Reis abriu a ideia à iniciativa privada, fez a licitação e concedeu o território para o consórcio vencedor – e único interessado.
Quando iniciaram o aterramento, porém, o Ministério Público Federal interferiu: o terreno é, na verdade, propriedade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cedido ao município sob a condição de que o governo preenchesse certos requisitos. Sem preenchê-los, o Incra retomou a área para si.
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“A Prefeitura não estava com urgência de fazer a ocupação do território e responder a um dos quesitos no acordo de cessão do Incra. É nesse sentido que a gente tem reforçado que esse é um território federal e o solo já cumpre sua função social”, explica a professora Helenita Bezerra, integrante do movimento Foras Caxias (Fórum de Oposição e Resistência ao Shopping).
Diante dos entraves, a situação hoje é complexa. A Secretaria de Urbanismo do município informa que as obras estão paradas e o governo está tratando da doação da área junto ao Ministério Público Federal e ao Incra.
O Incra alega não ter estrutura para garantir a fiscalização do terreno, apesar das orientações do MPF para que o faça. Enquanto isso, histórico de ocupações irregulares, facilitadas pela ação das milícias, ronda o local.
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O caso já chegou até à Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), na Comissão Especial da Região Metropolitana, presidida pelo deputado Waldeck Carneiro (PT):
“Estamos elaborando um Projeto de Lei com o propósito de assegurar a preservação daquela área. Falta-nos ainda definir o modelo de unidade de preservação que melhor se adequa às características daquela região”, disse.
O deputado se diz favorável à construção da Cearj, mas sugere que o município procure outro local para levantar o empreendimento, como o Arco Metropolitano de Caxias.
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A Prefeitura, por outro lado, defende que não existe outra área disponível para a implantação do projeto, que a escolha do Campo do Bomba é estratégica e que através dessa construção promoverá uma ocupação do local “ordenada, analisando todos os aspectos sociais, econômicos e ambientais”.
Para a Secretaria Municipal de Urbanismo, a solução para o equilíbrio do sistema hidráulico da região seria a construção de um canal interligando os Rios Sarapuí e Iguaçu. A Prefeitura de Caxias garante que o empreendimento realizado no Campo do Bomba é de interesse público e vai gerar empregos.
Mas Alex Magalhães critica: “É como se os trabalhadores desaparecessem depois de saírem do trabalho, como se eles não tivessem que ter uma condução, uma moradia, um lugar para ir… É de fato uma concepção de desenvolvimento completamente contraditória”.
*Ingrid Figueiredo, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, sob supervisão de professores da universidade e revisão de Veja Rio.