A festa dos forasteiros
Pesquisa exclusiva mostra que os elogios superam as críticas entre os estrangeiros que visitaram a cidade nas duas primeiras semanas do Mundial
Bastou o primeiro apito abrir a Copa do Mundo, no último dia 12, para que um colorido desfile de bandeiras de uma infinidade de países tomasse as principais ruas da cidade. Estima-se que até o próximo dia 13 uma multidão multiétnica composta de 400?000 pessoas de mais de 100 nacionalidades transitará pela orla e pelos pontos turísticos. Nem todos os torcedores cumprirão a peregrinação ao Maracanã ? a Fifa calcula que 89?000 estrangeiros adquiriram ingresso para ir ao templo do futebol. Mas, seja no estádio, seja na Fan Fest de Copacabana, é fato que reina na cidade um clima de Carnaval estendido. E, lembrando a máxima cunhada pelo sambista Jamelão, quem veio, em sua grande maioria, estava “mais feliz que pinto no lixo”. Essa é a constatação de uma pesquisa realizada por VEJA RIO no último fim de semana com meia centena de visitantes de vinte países. Entre os entrevistados, sobraram elogios à hospitalidade carioca e à exuberância da natureza. Provenientes tanto de países que nem sequer disputam o torneio, como Polinésia Francesa ou Quênia, quanto de vizinhos como Argentina, eles abarrotam cartões-postais e se infiltram em redutos dos cariocas, como o Baixo Gávea. Comparando-se a outro evento de proporções semelhantes ocorrido no ano passado, a complicada Jornada Mundial da Juventude presidida pelo papa Francisco, melhoramos muito. Naquela ocasião, o metrô apanhou feio nas críticas feitas pelos visitantes, da mesma forma que a organização em si, com a mudança forçada do local da celebração mais importante na última hora. Agora, sobram até afagos para nosso ainda sofrível sistema de transporte de massa. “Em questões como a mobilidade urbana, cheguei a temer o caos, o que não se confirmou”, diz Pedro de Lamare, presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes (SindRio). “É um momento extremamente positivo”, afirma.
O Rio está longe de ser um prodígio de organização e tem uma infraestrutura limitada sob vários aspectos. A imensa maioria dos profissionais que lidam com o público é monoglota convicta e nossa dieta, que abusa da gordura e dos temperos, nem sempre apetece a paladares mais delicados. Isso qualquer forasteiro percebe à primeira vista (veja o quadro na pág. ao lado). No entanto, nenhuma dessas deficiências foi capaz de embaçar os encantos da cidade e dos cariocas. Para 94% dos entrevistados, a experiência nessas duas semanas de Copa no Rio tem sido boa e todos, sem exceção, sonham voltar. Os visitantes também se mostraram satisfeitos com nosso jeito informal de receber. Para 44% deles, a hospitalidade é a nossa maior virtude. “As pessoas aqui são muito amigáveis e querem dar o melhor de si. Estou me sentindo em casa”, diz a bósnia Maja Talavanic, de 29 anos, que, acompanhada do marido, Dino, assistiu à partida da seleção de seu país contra a Argentina no último dia 15. A estrutura receptiva também agradou, em particular o serviço de informações aos visitantes. Para atender especificamente o público do Mundial, a Riotur distribuiu gratuitamente, na primeira quinzena da competição, mais de 250?000 guias turísticos e 500?000 mapas da cidade, além de ter acrescentado dezessete postos de atendimento temporários aos já catorze fixos. “A Copa é crucial para que nos preparemos para o evento mais importante da história da cidade, que serão os Jogos Olímpicos”, diz o secretário municipal de Turismo, Antonio Pedro Figueira de Mello.
Até 2016, ainda há muito a ser feito. Quem visita a cidade e quer conhecer suas atrações padece com mazelas crônicas, entre elas as filas e a bagunça nos principais cartões-postais. O estudante francês Nolan Allag precisou ir três vezes à estação do bondinho da Urca para conseguir embarcar rumo ao topo do Pão de Açúcar. “Na primeira vez, desisti por causa das filas, imensas mesmo em um dia de chuva. Na segunda, levei três horas só para chegar ao guichê da bilheteria. Tentei ainda comprar para o dia seguinte, mas a atendente disse que não seria possível. Na terceira, deu certo”, recorda. Embora a qualidade dos táxis tenha sido aprovada, os forasteiros relataram abusos de motoristas. Quando chegou à Rodoviária Novo Rio, vinda de Curitiba, no início do mês, a australiana Heather Schafer, de 23 anos, perguntou quanto custava a corrida até Copacabana, bairro no qual se hospedou. Ouviu da atendente que o preço sairia em torno de 35 reais. Ao fim do trajeto, veio a surpresa. “O taxista me cobrou 55 reais. Eu disse que não era esse o preço, mas ele foi grosseiro, eu me senti intimidada e paguei”, denuncia.
Grandes eventos esportivos, principalmente a Copa do Mundo de um esporte tão popular, costumam receber todo tipo de público. Há visitantes endinheirados que se dispõem a pagar a diária média de 450 dólares nos hotéis e outros que chegam com um orçamento tão mirrado que mal dá para as refeições ? uma turma que não se incomoda de dormir na rua, no chão da rodoviária ou na praia, desde que possa se esgoelar pela sua seleção nacional de futebol. São representantes dessa última categoria, por exemplo, os ocupantes da verdadeira frota de trailers e motohomes que invadiu a cidade e hoje está concentrada no Terreirão do Samba. Em sua maioria argentinos e chilenos, eles haviam estacionado seus veículos na orla e foram obrigados a se instalar no entorno da Avenida Marquês de Sapucaí. A determinação, é óbvio, não agradou. “Nós nos sentíamos mais seguros em Copacabana”, diz o estudante Julian Biondi. “Aqui dentro está tudo certo, mas nos aconselharam a não dar bobeira nos arredores do Sambódromo”, explica. Com outros oito amigos, ele adaptou um ônibus ano 1989 e percorreu quase 3?000 quilômetros entre a cidade de La Plata e o Rio para curtir o Mundial na Fan Fest ? a turma não conseguiu comprar ingressos para o Maracanã.
Receber hordas de visitantes não é mistério para uma cidade de forte tradição turística como o Rio. A novidade no caso do Mundial é justamente a longa duração do evento, que se estenderá por mais de quatro semanas. “O Carnaval e o Ano-Novo, nossas grandes festas, têm um impacto que dura no máximo uma semana. Agora temos em um único evento quatro vezes isso”, compara Manuel Rocha, sócio do bar Jobi, no Leblon, referência boêmia de dez entre dez guias turísticos estrangeiros. Ali, a fila de espera habitual de cinco a seis mesas agora é de vinte. O faturamento cresceu cerca de 30% e a caipirinha substitui o chope como carro-chefe da casa. “Chegamos a vender mais de 300 por dia nos dias de jogo no Maracanã”, contabiliza. Detalhe: a versão exigida pelos clientes é a legítima, com açúcar e cachaça ? sinal da procedência internacional dos bebedores. Nos últimos seis meses o dono da casa noturna Rio Scenarium, Plínio Fróes, se preparou para receber os estrangeiros ansiosos por desvendar a alma carioca. A experiência frustrada que teve com o Pan, em 2007, quando a casa ficou às moscas, o levou a investir em atrações carnavalescas com apelo turístico. Deu certo. O espaço, na Lapa, anda lotado, com 80% de forasteiros entre os clientes. “Só não pode uma coisa: cobrar mais caro. Eu não aumentei um centavo meus preços, porque isso é um tiro que sempre sai pela culatra”, diz ele.
O protagonismo assumido pela cidade durante a Copa do Mundo nessas primeiras semanas mostra o potencial para a organização da Olimpíada. Mas é prudente levar em conta que ainda passaremos por dois testes cruciais no torneio de futebol nos jogos de quarta de final, no dia 4, e no encerramento, no dia 13. “Tudo tem dado certo, mas a Copa ainda não acabou”, diz o jornalista americano Keyvan Heydari, um veterano que tem no currículo oito edições do evento. Familiarizado com a cidade, que conhece desde os anos 1990, ele decidiu alugar um amplo apartamento em Copacabana durante sua estada. Mas não contava que das torneiras do banheiro saísse apenas água fria. “Tomo banho gelado todo dia. É o preço que pago para participar desta Copa no Rio”, brinca. Embora o Mundial de futebol se encerre coroado de prestígio, temos dois anos extremamente difíceis pela frente. A cidade prometeu inaugurar uma linha de metrô, duplicar a ligação com a Barra pelo Elevado do Joá, acabar com as obras da região portuária, concluir a reforma mequetrefe que foi feita no Galeão e ainda construir todas as instalações esportivas. É uma tarefa hercúlea, na qual a hospitalidade, a boa vontade e a alegria contagiante contam pouco.
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