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“Negocio com o Parkinson para tocar”, diz Moacyr Luz, 45 anos de carreira

Aos 66 anos, o cantor e compositor lança nesta quarta (3), na Ecovilla Ri Happy, show comemorativo em que conta histórias de vida e intepreta seus sucessos

Por Kamille Viola
Atualizado em 2 abr 2024, 15h52 - Publicado em 2 abr 2024, 15h22
Moacyr-Luz
Moacyr Luz: sambista lança nesta quarta (3) turnê que celebra seus 45 anos de carreira (Marluci Martins/Divulgação)
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Ele é autor de sucessos que vão como Coração do Agreste (com Aldir Blanc), gravada por Fafá de Belém e parte da trilha da novela Tieta, da Globo, a Toda a Hora (com Toninho Geraes), cantada por Zeca Pagodinho e famosa pelo verso “amigo eu nunca fiz bebendo leite”. Há 19 anos, comanda uma das rodas mais concorridas da cidade, o Samba do Trabalhador.

Aos 66 anos de idade, Moacyr Luz lança nesta quarta (3) o show em que celebra 45 anos de estrada. A estreia acontece na Ecovilla Ri Happy, no Jardim Botânico. Ao lado do jornalista musical Leonardo Lichote, ele vai contar causos de sua trajetória e, é claro, interpretar suas composições, com direito a convidados especiais.

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Em entrevista a VEJA RIO, Moa, como é carinhosamente conhecido, falou sobre a emoção de lembrar de Aldir Blanc, amigo e parceiro musical em mais de cem composições; a luta contra o Parkinson, com o qual foi diagnosticado em 2008; os lançamentos em sua homenagem previstos para este ano e o orgulho pelo sucesso de sua roda, entre outros assuntos.

“Sou um sujeito que vim do subúrbio, aprendi com a dificuldade a sonhar e acho que estou vivendo um sonho aos 66 anos, 45 trabalhando, todo dia acordando cedo e acreditando que a vida vai melhorar”, comemora ele.

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No show, você conta histórias da sua trajetória. Como tem sido revisitar as memórias desses 45 anos?
Não quero parecer arrogante, mas tenho orgulho da coerência esse tempo todo, fazendo música com a maior sinceridade, sem buscar mercado, sem buscar uma referência comercial, apostando na música como apostei na minha vida. E às vezes sou pego de surpresa com alguém que eu jamais poderia imaginar me citando por algum motivo. Eu gosto muito disso.

Também faz uma homenagem ao Aldir Blanc, que morreu em um momento muito difícil que o país atravessava e passou por uma situação dramática, buscando vaga na UTI. Como ficam as emoções ao pensar e falar nele?
O Aldir foi uma pessoa marcante na minha vida, definitivo no meu papel, na minha responsabilidade com a música brasileira. Eu penso nele todos os dias, um pouquinho que seja. Quando toco os nossos sambas, fico, às vezes, engasgado. Ele não está acompanhando como o Samba do Trabalhador tem cantado os nossos sambas de uma forma tão popular e tão vibrante, tão bonita. Tenho certeza que ele estaria feliz com o resultado das nossas cem músicas gravadas ao longo da vida.

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Você é um cronista da cidade, que ao longo desses 45 anos, se transformou bastante. Como vê o Rio hoje?
Toda metrópole espelha um pouco o universo, o país, o planeta. O Rio de Janeiro é uma cidade acolhedora, que recebe gente do mundo inteiro, então sofre experiências que o mundo vem vivendo, com o totalitarismo, com os radicais, com a violência e a banalidade com a vida do ser humano. A sorte é que o Rio tem uma energia tão boa que consegue se superar e trazer esperança no dia seguinte para nós, cariocas, tão apaixonados por ele. Hoje, a noite não é mais a mesma, então vamos pensar no dia. Temos que pensar numa coisa boa, porque pensar em coisa que não é agradável chama energia difícil para a gente.

Além de o show falar da sua trajetória, estão a caminho um documentário e um livro sobre você. Como tem sido ver essas celebrações tomando forma?
Olha, literalmente eu me belisco. O documentário fica pronto, vai ser lançado em uma exibição especial para a prefeitura, para o prefeito, que tanto nos apoiou no filme. Mas eu não acredito ainda nessas coisas todas. Sou um sujeito que vim do subúrbio, aprendi com a dificuldade a sonhar e acho que estou vivendo um sonho aos 66 anos, 45 trabalhando, todo dia acordando cedo e acreditando que a vida vai melhorar. Eu acho que esse documentário é a prova de que a vida melhorou.

No ano passado, você falou que viriam discos inéditos por aí. Quais os planos?
Estou com disco novo do Samba do Trabalhador mixado, masterizado, pronto. Estou terminando um disco da compositora argentina Cecilia Stanzione, que é uma beleza [o álbum traz parcerias musicais dos dois, com melodias de Moa e letras de Cecilia]. É um projeto de EP e também já está em fase de mixagem. Dia 12 de abril, vai ser lançado em todas as plataformas, nos aplicativos de música, um disco chamado Orquestra Bamba Social Revisita Moacyr Luz. É um grupo português, do Porto, que gravou um disco com dez faixas das minhas músicas que eles consideram significativas. Tá lindo, tem naipe de cordas, de sopro, tem tudo que a gente merece. Tô muito orgulhoso. Estamos também já começando o processo de produção — as músicas já estão escolhidas, prontas — com o Paulinho Malaguti “Pauleira” [dos grupos MPB-4 e Arranco de Varsóvia] o álbum Luz & Pauleira Volume 2. Também está sendo lançado agora. E estamos na fase de produção, também com o repertório já escolhido, só falta entrar no estúdio, de um disco com Raimundo Fagner. Dois brasileiros de cidades diferentes pensando com o mesmo amor a nossa música, a nossa cultura.

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Nos últimos anos, você vem lutando contra o Parkinson, teve um câncer, operou catarata e no ano passado foi internado com edema pulmonar. No entanto, quase não parou de cantar, tocar e compor. O que te motiva a seguir fazendo tanta coisa? De onde vem essa força?
O Parkinson é uma doença muito ingrata, porque você toma remédios sabendo que não vai curar. Ameniza o problema, mas ele vai crescendo, vai crescendo. E eu tento negociar, né? Eu digo: “Bicho, hoje você quebra o meu galho, deixa eu tocar um pouquinho, depois você volta a me incomodar.” Eu tenho um relacionamento muito pessoal com ele, converso com o Parkinson e digo: “Deixo tocar um pouco esse acorde.” Negocio. Em troca, ofereço a minha alegria, para ele ser um bom menino.

Em uma entrevista, você disse que o que te salva é “a Marluci em primeiro lugar, depois a música”. Vocês têm um relacionamento de 18 anos. Qual o segredo da longevidade com uma vida tão errante quanto a de um músico?
A companheira, o companheiro da gente é fundamental para o teu dia a dia, para o teu convívio, para a tua esperança. Se você não tem uma pessoa que te puxe, te traga para a vida, você mofa. E vai criar umas bactérias, mofando, que não têm cura. Então, quando eu disse que a Marluci [Martins, jornalista] em primeiro lugar, depois vem a música, é a pura verdade, a música só sai porque ela me dá alegria e me dá segurança, me dá conforto para trabalhar. Agora, minha vida de errante, eu sou um músico caseiro, eu viajo bastante, mas fico em hotel, não sou mais aquele boêmio, de bater papo com os amigos, de quando vê, clareou o dia, de tocar em boate. A minha boate hoje não passa das dez da noite, é mirim.

O Samba do Trabalhador comemora 20 anos em 2025 e é um sucesso esse tempo todo. Como se sente vendo seu “filho” praticamente tendo entrado para o calendário oficial da cidade?
Fazendo uma brincadeira carinhosa, eu acho que o Samba do Trabalhador me permitiu ir para o céu, porque é uma dedicação muito grande, uma resignação muito grande, um relacionamento de ceder, de troca, de retribuição. E vejo uma geração de jovens frequentar o Samba do Trabalhador 20 anos atrás e hoje estar tocando com a gente ou com outros grupos. E o orgulho de fazer parte do lado bom do Rio de Janeiro. Como eu brinco sempre, chegou a hora dessa gente não bronzeada mostrar seu valor [em referência ao fato de que o samba fica na Zona Norte da cidade, longe das praias]. Com isso aí, eu posso dizer que meu dever está cumprido.

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