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Safada is coming: efeito Madonna sacode terra, água e ar no Rio

Cidade será palco da maior de todas as apresentações da rainha do pop, num show que prevê 2 milhões de pessoas e já faz girar as engrenagens da economia

Por Marcela Capobianco
Atualizado em 19 abr 2024, 10h59 - Publicado em 19 abr 2024, 06h00

O burburinho começou em novembro, em meio a um show em Munique, na Alemanha. Entre um hit e outro da The Celebration Tour, turnê em que comemora quatro décadas no panteão do show business, Madonna, 65 anos, respondeu aos vigorosos gritos de “gostosa”, em português mesmo, vindos da plateia: “Quantos brasileiros temos na casa? Eu estarei lá”, lançou à multidão. Bastou essa evasiva promessa para que os fãs da mais bem-­sucedida artista pop de todos os tempos (que acaba de alcançar o recorde de 400 milhões de discos vendidos) migrassem para um estado de euforia, ainda que não houvesse previsão de que ela pisaria em solo brasileiro. Mal sabiam que uma apresentação nas areias de Copacabana da cantora que atravessou várias eras sem perder o cetro já vinha sendo tramada nas coxias, entre idas e vindas, desde 2021. Em 5 de março, a informação foi divulgada na página Madonna On-line e, imediatamente, registrou-se uma disparada nas buscas por passagem e hotel. A confirmação oficial veio quinze dias mais tarde. “Nossa única exigência era que ela só fizesse um show no Brasil, e teria de ser no Rio”, conta Daniela Maia, secretária municipal de Turismo, que assinou a carta de intenção para receber e patrocinar o espetáculo. Deu certo. “Safada is coming to Rio”, postou Madonna, ao seu estilo debochado, no Instagram.

arte Madonna

A exibição será no dia 4 de maio, quando ela deverá cravar mais uma marca — o show promete ser o maior de toda a sua vasta trajetória. Se atingida a meta de atrair 2 milhões de pessoas à praia, como registrado no último réveillon, vai ultrapassar a épica apresentação dos Rolling Stones, que, em 2006, viram aglomerar-se 1,3 milhão no mesmo cartão-postal. E as engrenagens da economia carioca já começaram a girar. A poucas semanas da tão aguardada data, cerca de 80% dos hotéis da Zona Sul estavam lotados para o evento, que já ingressou no glossário local como “o fim de semana da Madonna”. Espécie de camarote vip para o espetáculo, os 220 apartamentos do Copacabana Palace estão reservados. “A expectativa é encher ainda os hotéis da Barra e do Recreio”, diz Alfredo Lopes, presidente do HotéisRIO.

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O efeito Madonna sacode terra, água e ar, literalmente. As compras de bilhetes aéreos para a cidade subiram quase 30%, com destaque para argentinos e chilenos no diverso rol de viajantes. No aeroporto do Galeão, a previsão é de pelo menos 170 voos extras para o período entre 1º e 6 de maio. O rebuliço aquático ficará por conta do elevado fluxo de embarcações na Marina da Glória e em Copacabana, onde as baladas flutuantes custarão até 4 000 reais por pessoa. Prefeitura e governo do estado se apressam para pôr de pé um daqueles esquemas para tentar manter a farra segura, aí incluídas a adoção do sistema de câmeras com reconhecimento facial e a proibição de garrafas de vidro, tal como no ano-novo.

Investimento: o cachê da cantora, incluindo a realização de campanha publicitária e do show no Rio, é estimado em 90 milhões de reais
Investimento: o cachê da cantora, incluindo a realização de campanha publicitária e do show no Rio, é estimado em 90 milhões de reais (Leo Nogueira/Divulgação)

O MetrôRio, que não teve tempo hábil de organizar a venda de bilhetes com horário marcado, vai disponibilizar trens extras, além de esticar o horário de funcionamento para garantir a volta do público para casa após o show, transmitido em rede nacional pela TV Globo. “Queremos celebrar esse momento histórico com o maior número de pessoas possível”, entusiasma-se Eduardo Tracanella, diretor de marketing do Itaú, um dos patrocinadores, ao lado da Heineken.

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Madonna presente

As três turnês que passaram pela cidade

1993 - The Girlie Show, no Maracanã
1993 – The Girlie Show, no Maracanã (./Divulgação)
2008 - Sticky & Sweet Tour, no Maracanã
2008 – Sticky & Sweet Tour, no Maracanã (Antonio Scorza/AFP)
2012 - MDNA, no Parque dos Atletas
2012 – MDNA, no Parque dos Atletas (Daniela Dacorso/Agência O Globo)

A reportagem de VEJA RIO conversou com gente envolvida na empreitada e, nesse círculo, a estimativa do cachê da pop star gira em torno de 16,5 milhões de dólares (mais de 90 milhões de reais). Adiada por três meses, em razão de uma infecção bacteriana que levou Madonna à UTI, a turnê deu a largada em Londres, em outubro de 2023, e rodou dez países europeus, além de Estados Unidos e Canadá. Antes de desembarcar no Rio, ela engatará ainda em uma maratona de cinco shows na Cidade do México. Planejado para arenas fechadas, o espetáculo é recheado de ingredientes superlativos, como trocas de figurino em série (pelo menos oito em areias cariocas) e usos diversos de tecnologia — em alguns momentos, Madonna é içada num grande elevador de metal a 9 metros do chão. Os fãs que já assistiram ao show em outro país se perguntam se isso poderá se repetir por aqui, já que tudo terá de ser, naturalmente, ajustado à magnitude de Copacabana. “Seguiremos o projeto original, com grandes telões e as passarelas nas quais a artista avança por entre o público, mas com dimensões bem maiores”, adianta Luiz Oscar Niemeyer, sócio da Bonus Track, à frente de uma equipe de produção formada por 4 000 profissionais. Ele ainda não recebeu nenhuma daquelas demandas extravagantes típicas de quem vive no estrelato.

No primeiro dos três shows que deu no Rio, em 1993, a estrutura montada no extinto Caesar Park, na Praia de Ipanema, chamou atenção por todo o aparato envolvido e o conjunto de bem estabelecidas regras que cercavam a rotina da artista. “Ela trouxe dos Estados Unidos a própria esteira, uma bicicleta ergométrica, mais uma nutricionista e um chef. Passava três horas diárias se exercitando de frente para o mar, na suíte presidencial. Também era disciplinada na alimentação, à base de salada e grãos, que comia em potinhos”, lembra, com riqueza de detalhes, Patrícia Galante de Sá, então relações-públicas do cinco-estrelas. Uma curiosidade adicional foi logo notada por quem observou de perto sua passagem: os funcionários que a acompanhavam não tinham autorização para ingerir itens não industrializados, como sucos de fruta. A ideia era não correr o risco de passar mal e desfalcar o time. A única escapulida de Madonna e seus bailarinos do roteiro foi para um breve jantar no Satyricon, também em Ipanema, que acabou por batizar a mesa 12, no jardim de inverno: virou “a mesa da Madonna”. “Demorei a reconhecer a figura baixinha e sem maquiagem, bem na dela. Experimentou lagostins grelhados e o tradicional pargo ao sal grosso. No final, beijou a conta e saiu escondida pela cozinha”, conta Shirley Freihof, responsável por receber celebridades no restaurante, nos anos 1990.

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No Maracanã, Madonna magnetizou 120 000 pessoas ao vestir a camisa da seleção brasileira (à época, um símbolo estritamente esportivo) e entoar uns versos, por assim dizer, que criou em português: “E aí, bunda suja? Como vai? Que gostoso”. Aquilo nunca deixou a cabeça da advogada Juliana Giordano, então uma adolescente que havia enganado os pais para poder ir ao estádio. “O medo de ser descoberta foi proporcional ao prazer de ver a Madonna de perto. Quando cheguei em casa, nem precisei falar nada, fui direto para o castigo”, recorda, aos risos. Quinze anos depois, em 2008, o Rio foi incluído na turnê Sticky & Sweet Tour, também no Maracanã, e, em 2012, a cidade foi brindada com a bem-sucedida MDNA, no Parque dos Atletas. “Em 2008, caiu um temporal e ela levou um tombo no meio da performance, mas não perdeu o rebolado”, recorda o empresário carioca Wagner Oliveira, assíduo em todas as apresentações de Madonna nestas bandas. Graças a um amigo que trabalha em uma companhia aérea, ele conseguiu embarcar no voo para São Paulo em que estavam três filhos da cantora. “Causei um alvoroço no avião, mas os seguranças não me deixaram pedir uma foto”, lamenta o superfã, que cultiva o hábito de bater ponto em cada nova turnê, não importa em que canto do globo.

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O Rio guarda boas histórias de Madonna, um repertório que ajuda a remontar curiosos trechos de sua biografia. Foi durante uma sessão de fotos, na passagem por estas praias, no mesmo 2008, que conheceu o modelo carioca Jesus Luz, 28 anos mais jovem. Recém-separada do cineasta britânico Guy Ritchie, ela manteve discrição sobre o romance, que durou uns dois anos. Não passou muito tempo e aportou mais uma vez na cidade. Queria arrecadar doações para a ONG Success for Kids. Durante um jantar com empresários no restaurante do Fasano, foi surpreendida pelo apagão que deixou milhões de brasileiros às escuras. “Educadíssima, nem se abalou e terminou a refeição à luz de velas”, relata o colunista de VEJA RIO Bruno Chateaubriand, que, por coincidência, também jantava por lá. Passados alguns dias, Madonna chegou a verter lágrimas quando Eike Batista, nos bons tempos de todo-poderoso, sacou do bolso 7 milhões de dólares, canalizados à ONG.

Nascida Madonna Louise Veronica Ciccone, em Bay City, no estado americano de Michigan, e mãe de uma prole de seis filhos — dois biológicos, Lourdes Maria, 27, e Rocco, 23, e quatro adotados no Malaui, David Banda e Mercy James, 18, e as gêmeas Stella e Estere, 11 —, a artista segue sem travas na língua e parece desdenhar das vigilantes patrulhas, como a que a fuzilou, em fevereiro do ano passado, após aparecer com o semblante inchado no Grammy, resultado de um dos vários procedimentos estéticos a que já se submeteu. A lista elencada por especialistas que se detiveram sobre sua imagem inclui liftings e preenchimentos, rinoplastia, cirurgia para arquear as sobrancelhas, lipoaspiração para afinar o queixo — e provavelmente mais. “Vivemos num mundo que se recusa a celebrar mulheres com mais de 45 e que precisa castigá-las caso continuem a ser fortes de espírito, trabalhadoras e aventureiras”, postou na ocasião do Grammy.

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Três vezes excomungada pela Igreja Católica por suas performances iconoclastas, ela afirmou, no documentário Na Cama com Madonna, de 1991, que sua maior ambição não era ser a melhor cantora ou dançarina, mas “a mais provocadora e política”. “Ela sempre esteve atenta às transformações da sociedade e adiantou temas em voga hoje, como o orgulho LGBT e a emancipação feminina”, pontua a socióloga Dani Ribas, consultora de carreiras artísticas. “Madonna soube construir a própria história de forma revolucionária. Quando já era cantora consagrada, quis arriscar e virou atriz. Hoje em dia, esse movimento é comum, mas há trinta anos, não”, diz a pesquisadora musical e biógrafa Chris Fuscaldo, enfatizando que a estrela descortinou uma rota que viria a ser percorrida por celebridades como Lady Gaga e Beyoncé. Dona de fortuna estimada em 850 milhões de dólares, Madonna poderia desacelerar, mas por nada freia o ritmo, nem nas performances movidas a adrenalina, nem tampouco nas manifestações de natureza política. Em 2020, no início da pandemia, chegou a postar um vídeo de panelaço contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Publicado no Diário Oficial, o aporte da prefeitura para o show de Copacabana será de 10 milhões de reais — um alto investimento, que, a julgar pela quantidade de turistas que prometem afluir por aqui no primeiro fim de semana de maio, deverá trazer retorno bem maior. “A cidade vai atrair um fluxo de dinheiro jamais visto fora das temporadas de Carnaval e réveillon”, ressalta João Figueiredo, coordenador do mestrado em economia criativa da ESPM. A exibição de Madonna se insere em uma efervescente agenda carioca, recheada de concorridos eventos nos próximos tempos. Em setembro, a edição comemorativa de 40 anos do Rock in Rio tem tudo para reunir 100 000 pessoas a cada dia na Cidade do Rock. Pesos-pesados do pop, como Mariah Carey, Katy Perry, Ed Sheeran e Cyndi Lauper, contemporânea de Madonna, já estão dentro. No mesmo mês, o músico britânico Eric Clapton aterrissa na Farmasi Arena, na Barra, para celebrar seis décadas nos palcos. “O Rio está de volta ao mapa internacional das grandes apresentações, mas ainda pode tornar isso uma política pública, com a ideia de desenvolver um calendário fixo”, diz Figueiredo. Cidades que habitam o tão almejado topo do ranking do turismo, circuito que engloba Nova York, Paris, Londres e Amsterdã, entre outras, contam com uma figura que, em tradução livre, seria o “prefeito da vida noturna”, com a função de fazer girar a profícua roda da economia do entretenimento. Fica a dica, Rio de Janeiro. E bom show.

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Metamorfose ambulante

Provocadora, Madonna sempre esteve atenta aos dilemas modernos e se posicionou

Rebelde com causa
(./Reprodução)

Anos 80
Rebelde com causa

Em cena, um estilo sem medo da polêmica, mesclando itens de adolescentes, a exemplo da coleção de pulseiras, colar com crucifixo e o icônico corpete branco de Like a Virgin

Bem-comportada
(./Divulgação)

Anos 90
Bem-comportada

Na época em que interpretou a primeira-dama argentina Eva Perón, passou por uma fase mais sóbria, optando por figurinos clássicos, inspirados nos áureos tempos de Hollywood

Rainha da festa
(./Divulgação)

Anos 2000
Rainha da festa

Ao lançar o disco Confessions on the Dance Floor, em 2005, evocou a nostalgia da era em que as pistas de dança brilhavam. Collants de cores vibrantes formavam um trio imbatível com cabelos esvoaçantes tipo As Panteras e saltos altíssimos

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Dona do cetro
(itaú/Divulgação)

Anos 2020
Dona do cetro

Ela revisita o passado e promove uma mistura de adereços e estilos, visual que inclui corpetes sensuais, muitas joias e longos fios cacheados

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