Emanuelle Araújo dá vida à Clara Nunes em musical que estreia no Rio
Espetáculo que chega à Cidade das Artes retrata a vida de uma das maiores cantoras do Brasil, que defendeu como poucos o samba e a cultura afro-brasileira

O cheiro do carpete da sala na época em que assistia com a família aos clipes de Clara Nunes (1942-1983) no Fantástico ainda é vivo na memória de infância de Emanuelle Araújo. A mineira radicada no Rio, que defendeu com garbo e coragem o samba e a cultura afro-brasileira, era uma espécie de entidade cultuada na casa da cantora e atriz baiana. E é com os pés descalços, fincados às raízes da eterna Morena de Angola, que Emanuelle subirá ao palco da Cidade das Artes, a partir da próxima sexta (8), para encarnar o ícone da MPB na temporada carioca do musical Clara Nunes – A Tal Guerreira.
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No dia 12, a voz de Conto de Areia, morta aos 40 anos, vítima de um choque anafilático durante uma cirurgia de varizes, completaria 83 anos. “Busquei em mim essa mulher que, em plena ditadura, cantava sua fé num momento em que nem se falava sobre religiões de matrizes africanas. Com muito carisma, ela transformou o samba em unanimidade”, diz Emanuelle, que teve quatro semanas intensas de preparação. Nas sessões paulistanas, o papel foi de Vanessa da Mata, uma das idealizadoras do espetáculo.
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Assim como em Gota d’Água, marco do teatro criado por Chico Buarque e Paulo Pontes (19401976) e protagonizado por Bibi Ferreira (19222019) nos anos 1970, as falas da montagem são todas em versos. Essa foi uma exigência do diretor, Jorge Farjalla, que assina o texto ao lado de André Magalhães. Bibi, aliás, é peça-chave na trama. “Quem melhor poderia acompanhá-la do que a melhor amiga e confidente?”, indaga Farjalla. A obra narra a trajetória da menina natural da cidadezinha de Cedro (hoje, Caetanópolis), com pouco mais de 11 000 habitantes, que se mudou para Belo Horizonte na adolescência e chegou ao Rio em 1965, aos 23 anos, para tentar a sorte na música.
Deu certo, e ela foi a primeira mulher a vender mais de 100 000 cópias de um disco. “Clara se tornou uma carioca quase da gema e é uma das maiores cantoras do país”, destaca Martinho da Vila, seu grande amigo. Apesar de ter morado na Zona Sul, foi no subúrbio e nos morros cariocas que deixou sua maior marca. “Clara legitimou a importância de compositores marginalizados pela indústria fonográfica, como Nelson Cavaquinho e Cartola”, explica o jornalista Vagner Fernandes, que escreveu a biografia Clara Nunes – Guerreira da Utopia, uma das fontes de pesquisa da peça.

A imagem da guerreira continua pulsante. O Teatro Clara Nunes, inaugurado pela artista em 1977 para apresentar o show do disco Canto das Três Raças, é referência no Shopping da Gávea. O musical Deixa Clarear, capitaneado pela atriz, cantora e produtora Clara Santhana, já foi visto por mais de 500 000 espectadores em 33 temporadas no Rio e em outros estados, desde sua estreia, em 2013. “Ela era uma mulher muito simples, que se apresentava de maneira honesta, e isso encantava profundamente”, observa a artista.

A sambista Branka também vai homenagear a mineira no show Branka Canta Clara convida Velha Guarda da Portela, agendado para 27 de agosto, no Teatro Riachuelo, no Centro. E a baiana Ivete Sangalo anunciou que a turnê Ivete Clareou, que passará pela Marina da Glória em 22 de novembro, foi inspirada na cantora mineira. “Lembro de vê-la pela televisão, linda, forte. Hoje tenho plena consciência de que ela estava construindo uma ideia para outras mulheres”, ressaltou Ivete, durante uma entrevista coletiva. Através dos tempos, a obra e o legado de Clara Nunes mostram-se indispensáveis para entender a cultura brasileira.
