Clássico do cineasta mexicano Iñárritu é relançado no Festival do Rio
"As gerações que assistiram ao longa em vídeo viram algo diferente do que pretendíamos", afirma Rodrigo Prieto, diretor de fotografia de Amores Brutos

Em sua estreia no Festival de Cannes há 25 anos atrás, no dia 14 de maio de 2000, o filme mexicano Amores Brutos surgia como uma aposta na Semana da Crítica, que exibe somente o primeiro ou segundo lançamento de diretores.
Ao fim daquele mês, o longa havia se tornado não somente o destaque da mostra paralela, faturando três prêmios, como uma das obras mais marcantes daquela edição, disputando atenção com obras na Competição Oficial.
Celebrado pela abordagem crua da Cidade do México, o filme marcou a estreia do premiado diretor Alejandro Iñárritu e do astro Gabriel Gárcia Bernal nas telonas. O sucesso levaria os dois a Hollywood, além de render uma indicação a Melhor Filme Internacional no Oscar — inclusive, Iñárritu já faturou quatro estatuetas.
Hoje, um clássico, a obra — que narra a trajetória de uma atriz ferida, um jovem envolvido em brigas de cães e um mercenário ligados por um acidente em comum — marcou presença no Festival do Rio em uma versão restaurada que corrigiu erros da digitalização anterior. “As gerações que assistiram ao longa em vídeo viram algo diferente do que pretendíamos“, explica o diretor de fotografia do filme Rodrigo Prieto.
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Junto Iñárrito e Bernal, Prieto foi mais um dos nomes catapultados pela obra. Consolidado na indústria mexicana, a partir de Amores Brutos ele começou a trabalhar nos Estados Unidos. Com quatro indicações ao Oscar, o cineasta e diretor de fotografia é o nome a quem o lendário diretor Martin Scorsese e a titã do pop Taylor Swift recorrem quando vão produzir uma nova obras. Seu catálogo inclui sucessos como Barbie, O Segredo de Broakback Mountain e O Lobo de Wall Street.
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Em uma conversa com VEJA RIO, Rodrigo Prieto contou como foi o processo de restaurar o longa, além de refletir como é, para ele, trabalhar em um set.
A restauração de um filme é um processo muito delicado, houve apreensão com qual seria o resultado obtido? Você participou deste processo? Sim, eu estive envolvido no processo de trazer Amores Brutos novamente às telas grandes. Não tínhamos certeza se o negativo ainda estava em boas condições. Também não estávamos satisfeitos com a aparência do filme na versão de vídeo.
Produzimos para o cinema, mas a edição doméstica não teve nossa supervisão. Então, as gerações que assistiram ao longa em vídeo viram algo diferente do que pretendíamos, principalmente no que diz respeito à cor e à gradação.
Essa foi uma oportunidade para corrigir isso. Trabalhei com o colorista Ivan Luca. Analisamos uma cópia em filme e discutimos, pois cada cópia varia e algumas partes desta em específico não estavam muito boas. Ivan fez um ótimo trabalho, e tanto eu como Alejandro supervisionamos, e sentimos que ficou muito próximo do que queríamos na época. Não tentamos modernizar.
Poderíamos ter feito ajustes que fariam hoje com a tecnologia digital, mas optamos por manter o filme como um registro de quem éramos naquela época. Eu incentivo as pessoas a assistirem na tela grande, pois é uma ótima oportunidade.
É um filme difícil, não só em termos de conteúdo, mas também estéticamente. Parece pesado, sujo, com um aspecto improvisado. Como vocês definiram esta estética? O processo de criação do filme foi longo. Alejandro disse desde o início que queria toda a filmagem com câmera na mão. Assistimos a alguns filmes assim, mas não gostamos do visual, achamos meio sem graça.
Também sentimos que a Cidade do México tem uma energia muito própria, uma vibração que só usar a câmera na mão não seria suficiente para transmitir. Então começamos a experimentar com cor e processos fotográficos porque, na época, tudo era feito quimicamente, nada digital.
Testamos vários métodos de revelação do negativo, usando positivo, inversão é um processo chamado bleach bypass no negativo, que provou refletir bem a energia e os contrastes da cidade, cheia de extremos.
Quanto à câmera na mão, embora pareça improvisada, foi tudo muito planejado. Planejamos cada cena antes, muitas com storyboards e todas tiveram shotlists. Imaginávamos os movimentos da câmera e os enquadramentos.
No set, havia liberdade para improvisar com a câmera e os atores, mas a maior parte foi planejada. Eu, como operador, às vezes movia a câmera para mostrar o que o ator via, o que não estava planejado, mas a maior parte sabíamos exatamente como seria. Também já havíamos definido como o filme seria editado, pois mesmo que as três histórias fossem filmadas separadamente, já sabíamos como seriam intercaladas. Isso foi essencial para o resultado final.
Este é um longa muito importante, tanto para sua carreira quanto a do Alejandro. Como é se reencontrar depois de anos de parceria e revisitar o filme? Está sendo muito bom. É ótimo vermos nosso trabalho juntos, quem éramos e quem somos hoje. Mantivemos a amizade ao longo dos anos, o que torna tudo mais especial.
Rever o filme me traz nostalgia. Quando assisto, lembro dos takes, das atuações, mas também da sensação de estar filmando, o peso da câmera no ombro, tudo que está acontecendo por trás das gravações. Para mim, é mais que um filme, é uma viagem nostálgica.
A versatilidade é uma de suas marcas. Ao longo da sua carreira, você trabalhou em filmes muito diversos, de Barbie a Silêncio a Amores Brutos. Existe algum estilo específico que você considera mais confortável ou desafiador? Eu me torno um diretor de fotografia diferente a cada filme, e eu gosto disso. Gosto de encontrar o estilo junto dos diretores, criando algo específico para aquela história, como se fosse meu primeiro filme.
Claro que a minha experiência ajuda a resolver problemas no set, às vezes encontro soluções rápidas graças ao que já vivi, mas artisticamente me aproximo como iniciante.
Cada projeto é empolgante, mesmo que tenha algo parecido com um filme anterior. Quero sentir que é a primeira vez que estou filmando, sempre aprendendo e perguntando, tentando descobrir o que funciona.
Gosto da sensação de incerteza, do risco que existe no meu trabalho. Em Amores Brutos isso aconteceu o tempo todo, muita coisa poderia dar errado, mas deu certo. E por isso sigo buscando projetos assim.