Manoel Carlos Por Blog Blog do novelista Manoel Carlos
Continua após publicidade

Carnaval

Estávamos no Severino. Como um bando de velhos moleques, jogávamos conversa fora. — Todo mundo sabe que a nossa memória musical está ligada a lembranças que ficaram para sempre. — Por experiência, posso garantir: a razão é sempre uma mulher que perdemos! Para o bem ou para o mal! — Ou que ganhamos — bradou […]

Por fernanda
Atualizado em 25 fev 2017, 17h39 - Publicado em 4 fev 2016, 18h19
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Ilustracao

    Publicidade

    Estávamos no Severino. Como um bando de velhos moleques, jogávamos conversa fora.

    Publicidade

    — Todo mundo sabe que a nossa memória musical está ligada a lembranças que ficaram para sempre.

    — Por experiência, posso garantir: a razão é sempre uma mulher que perdemos! Para o bem ou para o mal!

    Publicidade

    — Ou que ganhamos — bradou o Oscar, um novo companheiro do Severino. — Conheci a Elvira num Carnaval e estamos casados até hoje.

    — É sempre saudade que sentimos de nós mesmos. De quando éramos mais felizes!

    Publicidade
    Continua após a publicidade

    — Achamos que o que passou era melhor!

    — Melhor era a juventude! O vigor, a disposição para a vida! A disposição para o Carnaval.

    Publicidade

    — Falam que o Natal é triste. Triste é o Carnaval, com suas marchinhas que só fazem lembrar.

    — Vamos testar a memória. Que marchinha marcou a sua vida de alguma maneira?

    Publicidade

    E o Antonio, beirando os 80, agora assíduo nas nossas reuniões, cantarolou o primeiro verso:

    Continua após a publicidade

    “Daqui não saio, daqui
    ninguém me tira.”

    — Ah, dessa quem é que não lembra?

    — Até quem não era nascido!

    E todos nós, sem exceção:

    “Daqui não saio, daqui ninguém me tira.
    Onde é que eu vou morar?
    O senhor tenha paciência de esperar!
    Inda mais com quatro filhos
    Onde é que vou parar?

    Continua após a publicidade

    — Em que ano foi?

    — Ah, não, nada de datas e idades. Que aí a saudade aumenta e começamos a chorar.

    — Diga o século então! — provocou Gabriel, o mais novo do grupo.

    — Engraçadinho! Século XX!

    E aí rimos muito. Como era de esperar, houve um brusco e emocionado silêncio. Na hora me veio à cabeça um verso de Fernando Pessoa: “E ri como quem tem chorado muito”. Já notaram essa transformação? Quando rimos muito, acabamos sempre com lágrimas nos olhos.

    Continua após a publicidade

    Aproveitamos o momento para pedir a garrafa de vinho e as costumeiras lascas de grana padano.

    — Só uma garrafa não vai dar — palpitou alguém.

    — Pedimos outra depois.

    E mais outra e mais outra…

    — Ei — interrompi eu. —

    Continua após a publicidade

    Viemos conversar ou beber?

    — As duas coisas.

    — Esse negócio de marchinhas de Carnaval, essas lembranças de velhos Carnavais, tudo isso são provocações pra judiar da gente!

    Só aí demos conta da presença do nosso querido amigo Raul, mergulhado no silêncio de quem pensa… e, mais do que isso, de quem sofre com o que lembra.

    — E aí, Raul — aticei eu —, lembrando com saudade de algum Carnaval especial?

    — Estava pensando se ela também, como eu, sofre quando escuta Dama das Camélias.

    — Ela quem?

    — O nome não interessa. Ela. — E cantarolou baixinho, mas para todos ouvirem, os belíssimos versos, melancólicos como o próprio Carnaval:

    “A sorrir você me apareceu
    E as flores que você me deu
    Guardei no cofre da recordação.
    Porém depois você partiu
    Pra muito longe e não voltou
    E a saudade que ficou
    Não quis abandonar meu coração.
    A minha vida se resume,
    Ó Dama das Camélias,
    Em duas flores sem perfume,
    Ó Dama das Camélias!”

    Percebemos então, em meio ao silêncio que se formou, que não era só ele que tinha duas lágrimas nos olhos, ensaiando rolar pelo rosto. Não, não era só ele.

    ***

    O espaço é curto para tantas lembranças. Que elas venham, mesmo as melancólicas. E bom Carnaval para todos.

    Publicidade
    Publicidade

    Essa é uma matéria fechada para assinantes.
    Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

    Domine o fato. Confie na fonte.
    10 grandes marcas em uma única assinatura digital
    Impressa + Digital no App
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital no App

    Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

    Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
    *Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

    a partir de R$ 39,90/mês

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.