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Autor da obra O Poder do Hábito fala sobre suas teorias

O jornalista americano Charles Duhigg, vencedor do Prêmio Pulitzer em 2013, é presença confirmada na Bienal do Livro, em agosto, no Riocentro

Por Fernanda Thedim
Atualizado em 8 Maio 2017, 15h25 - Publicado em 6 Maio 2017, 08h00

Por mais de vinte semanas, O Poder do Hábito ficou na lista dos livros mais vendidos do The New York Times. Na obra, o jornalista americano Charles Duhigg, vencedor do Prêmio Pulitzer em 2013, ressalta a importância de entender como funcionam os hábitos  — e como é possível beneficiar-se deles. Presença confirmada na Bienal do Livro, que acontece a partir de 31 de agosto no Riocentro, o autor falou sobre suas teorias.

O que é um hábito de fato?

É um comportamento que começa como uma escolha e se torna um padrão quase inconsciente. Exemplo: quando você está aprendendo a dirigir, é preciso muita concentração. Depois, você faz tudo automaticamente, certo? O comportamento, de tão repetido, torna-se um hábito.

Quantas atividades diárias são influenciadas pelos hábitos?

Um estudo da Universidade Duke mostrou que mais de 40% das nossas ações diárias não eram decisões reais, mas hábitos. Embora cada hábito tenha pouco impacto no dia a dia, ao longo do tempo eles têm muita influência na nossa saúde, produtividade e felicidade.

Como fazer para transformar um hábito ruim?

Para alterar um padrão ruim, você deve mudar a rotina, buscando uma recompensa semelhante à que vinha tendo antes. Um fumante só vai largar o vício quando encontrar alguma atividade para substituir o cigarro que proporcione um “prêmio” parecido com o de antes.

Existem hábitos que são mais importantes do que outros?
Na verdade, alguns hábitos podem causar uma reação em cadeia. É o caso do exercício, que leva à mudança de outros padrões.
Ao se movimentar, você come melhor, acorda mais cedo, fica menos estressado, mais paciente… O exercício é um hábito-chave que desencadeia uma mudança generalizada.

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Leia a entrevista completa: 

O que é um hábito exatamente? Essa é uma daquelas palavras que nós ouvimos constantemente mas nunca paramos para pensar no que ela significa.

Um hábito é, simplesmente, um comportamento que se inicia como uma opção e depois vira um padrão inconsciente. Por exemplo, quando você estava aprendendo a dirigir e pretendia deixar o seu carro longe da calçada, você precisava de muita concentração: você tinha que checar os retrovisores e a traseira do carro, remover o seu pé da embreagem, mentalmente estimar a distancia entre a garagem e a rua (enquanto deixava as rodas alinhadas), monitorava o tráfico e ainda calculava a realidade das distancias refletidas através dos espelhos.

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Agora, obviamente, você faz isso tudo automaticamente. O comportamento se tornou um hábito.

Todo hábito – independentemente da simplicidade – tem a mesma estrutura, o que nós chamamos de “ciclo do hábito”. Há um gatilho que fala ao seu cérebro a funcionar no modo automático. Então, aí está a rotina, que pode ser física, mental ou um comportamento emocional. Finalmente, há uma recompensa. Uma vez que você entende como o círculo do hábito funciona, você pode começar a modificá-los.

Quanto nossas atividades diárias são influenciadas pelos hábitos?

A maioria das decisões que fazemos diariamente podem parecer que são produtos de uma decisão bem ponderada, mas não são. São hábitos. Um jornal publicado em 2006 pela Universidade de Duke, nos Estados Unidos, descobriu que mais de 40 % das ações cotidianas das pessoas não eram realmente decisões, mas hábitos. Embora cada hábito tenha relativamente pouco impacto por conta própria, ao longo do tempo, as comidas que pedimos, o que dizemos aos nossos filhos toda noite, quanto gastamos ou economizamos, quanto nos exercitamos têm uma enorme influencia na nossa saúde, produtividade, segurança financeira e felicidade.

Pense em quando você acordou essa manhã. O que você fez primeiro? Você pulou para o chuveiro, checou seu e-mail ou pegou uma guloseima da cozinha? Você escovou seus dentes antes ou depois de comer? Qual rota você faz para chegar ao trabalho? Salada ou hambúrguer para o almoço? Quando você chega em casa, você coloca seus tênis e sai para um corrida ou aproveita bebidas e bebidas enquanto assiste TV?

Todas essas decisões não são realmente decisões. São hábitos.

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Se hábitos prevalecem tanto, como você faz para modificá-los?

Essa é uma ótima questão. Há um tipo de lei de ouro para mudar hábitos que estudo após estudo tem mostrando ser a mais poderosa ferramenta para modificar comportamentos. Sua base é a ideia que que você não pode nunca confiar em extinguir hábitos ruins. Em vez disso, para mudar comportamentos negativos, você deve inserir uma nova rotina no círculo do hábito.

É claro, essa é a maneira mais simples de fazer. Hábitos não mudam sem a ajuda de uma pequena luta. Então, para inserir uma nova rotina, ela deve ser acionada pela antiga deixa e entregar a antiga recompensa. Essa é a regra: se você usa a mesma deixa e recebe a mesma recompensa, você pode mudar a rotina. Quase todo comportamento pode ser transformado se a deixa e a recompensa continuarem as mesmas.

Veja, por exemplo, fumar. Um fumante normalmente não consegue parar de fumar a não ser que ele encontre alguma atividade para entrar no lugar dos cigarros. Se você quer parar de fumar, pergunte a si mesmo, você fuma porque você ama nicotina ou porque te estimula, estrutura seu dia ou te ajuda a socializar? Se você fuma porque precisa de estímulo, cafeína no período da tarde, durante os estudos, pode te dar o que você precisa. Mais de três dúzias de estudos identificaram que deixas e recompensas estão associadas a cigarros, assim como a escolha de novas rotinas com recompensas semelhantes. No caso do cigarro, um pedaço de Nicorette, uma série de abdominais, alguns minutos para de alongamentos, podem ajudar a acabar com o antigo hábito.

Alguns hábitos são mais graves do que outros?

Sim. Alguns hábitos podem causar reações em cadeia sobre a vida de alguém ou sobre uma organização. Um ótimo exemplo é o exercício. Quando uma pessoa se habitua a se exercitar, mesmo que apenas uma vez por semana, ela começa a mudar outros comportamentos de sua vida automaticamente. Tipicamente, pessoas que fazem exercício começam a comer melhor e a trabalhar mais cedo. Também fumam menos e mostram mais paciência. Elas usam o cartão de crédito com menos frequência e falam que se sentem menos estressados. Não é muito claro o porquê, mas para muitas pessoas, o exercício é um hábito que engatilha uma grande mudança.

Eu tenho dois filhos e um deles rói as unhas. Isso é um hábito? E como eu posso mudar isso?

Sim, isso é um hábito. De fato, esse é um dos hábitos mais comuns entre crianças e adultos, e um dos mais estudados. Em uma das pesquisas, feita em 2006, é analisado o caso de uma estudante de graduação chamada Mandy. Pela maior parte de sua vida, Mandy foi uma terrível roedora de unhas. Ela estava tão envergonhada entre seus amigos que colocava suas mãos nos bolsos. O caso ficou tão grave, que ela visitou um terapeuta comportamental.

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“O que você sente antes de colocar a mão na boca?” O terapeuta perguntou a Mandy. “Há uma certa tensão em minhas unhas”, disse ela. “Dói um pouco na ponta. As vezes eu percorro meu polegar procurando por um pedaço sol de cutícula, e quando eu encontro algo, eu trago até a minha boca. Uma vez que eu começo eu tenho que fazer em todos os dedos”. Pedir para pacientes descreverem as deixas de seus comportamentos é chamado de treinamento de conscientização e é uma maneira de fazer as pessoas reconhece-las. A tensão que Mandy sente em suas unhas é a deixa para que ela roa as unhas.

Depois, o terapeuta pediu a Mandy para descrever o motivo do seu hábito. Primeiro, ela teve dificuldade para achar motivos. No decorrer da conversa, ficou claro que ela rói as unhas quando está entediada. O terapeuta colocou ela em situações típicas, como assistir televisão, e ela começou a mordiscar. Quando ela terminou de roer todas as unhas, ela sentiu um alívio e uma sensação de plenitude, revelou. Essa é a recompensa do hábito: uma estimulação mental que se deseja.

Então o terapeuta pediu para que sempre que Mandy sentisse tensão em seus dedos, que ela colocasse as mãos imediatamente nos bolsos, segurasse um lápis ou algo que a impedisse de levar os dedos para a boca. Então Mandy procurou algo que pudesse proporcionar uma rápida estimulação física – como esfregar o braço bruscamente ou bater os dedos na mesa – qualquer coisa que produzisse uma resposta semelhante. As deixas e as recompensas continuaram as mesmas. Apenas a rotina mudou.

Uma semana depois, Mandy só havia roído suas unhas três vezes e usado a estimulação física de resposta semelhante sete vezes. Depois de um mês, o hábito havia ido embora. Um hábito havia sido substituído por outro.

Eu suponho que pessoas de várias companhias estão bem cientes de como os hábitos funcionam, certo?

Com certeza. No Target (rede de varejo americana), executivos construíram programas de computador sofisticados para analisar os hábitos dos compradores e então, usam as informações para descobrir o que eles querem comprar. Se você usa um cartão de crédito da Target, e encomenda uma caixa de picolés uma vez por semana, geralmente , por volta das 18h30 em um dia útil. O Target irá determinar que você tem filhos em casa e tende a parar para comprar guloseimas no caminho de volta do trabalho. Ele vai olhar para os outros padrões de compra e vai perceber que você normalmente compra cereal, mas nunca leite, o que significa que você deve estar comprando ele em outro lugar. Então, Target vai te enviar cupons de 2% de desconto em leite, assim como para chocolates e material escolar. Quase todas as empresas de vendas, incluindo Amazon.com e Best Buy, usam esse tipo de estratégia.

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Existem muitos cientistas estudando isso, no momento?

Existem pesquisadores em diversas universidades, incluindo Harvard, Yale e Princeton, assim como escolas no Reino Unido, Alemanha e Holanda. Sem mencionar os cientistas que trabalham para a Microsoft e Google, por exemplo. Eles estão focados em entender a neurologia e psicologia dos hábitos, suas forças e fraquezas e como ele podem ser modificados.

E o que eles estão aprendendo é que mudar como crianças – e funcionários – é modificável. Por exemplo, escolas públicas da Philadelphia, Seattle e New York começaram a incorporar o treinamento de auto-disciplina de hábitos no cronograma. Starbucks gastou milhões de dólares desenvolvendo treinamentos para ajudar seus funcionários a construírem hábitos que eles precisavam para ter sucesso na empresa.

Pesquisas afirmam que essa descoberta pode transformar vidas. “É por isso que matricular crianças em aulas de piano ou em esportes é tão importante. Não tem nada haver com criar boa música ou um superstar do futebol”, me disse uma vez um psicólogo chamado Todd Heatherton. “Quando você aprende a forçar você mesmo a praticar exercícios por 1h ou correr 15 voltas no quarteirão, você começa a construir uma força que você controla. Uma criança de cinco anos que consegue seguir uma bola por 10 minutos se torna aquele que faz o dever de casa na hora certa”.

Quando você se voltou para este assunto?

Oito anos atrás, eu era um jornalista em Baghdad. Alguns meses após a minha chegada, eu ouvi a respeito de um major do exército que estava conduzindo uma experiência improvisada em Kufa, uma pequena cidade próxima à capital.

Ele analisou fitas de diversas situações de protestos/manifestações e identificou um padrão: a violência era geralmente precedida por uma multidão de iraquianos reunidos em uma praça ou outro espaço aberto e, ao longo de várias horas, ela crescia de tamanho. Vendedores de alimentos apareciam, assim como espectadores. Então, alguém jogaria uma rocha ou uma garrafada e assim começaria todo o inferno.

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Quando o Major se encontrou com o prefeito de Kufa, ele fez um estranho pedido: se ele poderia manter os vendedores de alimentos fora das praças. Claro, o prefeito respondeu. Algumas semanas depois, uma pequena multidão se reuniu perto de uma grande mesquita. Ao longo da tarde, cresceu mais. Algumas pessoas começaram a protestar e a cantar slogans. A polícia iraquiana, sentindo problemas, telefonou para a base e pediu às tropas americanas para ficarem atentas. Ao anoitecer, a multidão começou a ficar inquieta e com fome. Eles estavam acostumados com os vendedores de kebab enchendo a praça, mas não havia nenhum ali. Então, às 8 da noite, todo mundo já havia ido embora.

Quando visitei a base próxima de Kufa, me encontrei com o major. Você não pensaria necessariamente na dinâmica de uma multidão em termos de hábitos, me falou. Mas ele havia passado toda a sua carreira no exército sendo perfurado na psicologia da formação de hábitos. No acampamento, ele tinha absorvido os hábitos de carregar sua arma, adormecer em uma zona de guerra, manter o foco no meio do caos da batalha e tomar decisões estratégicas enquanto esgotado e oprimido. Ele havia assistido a aulas que lhe ensinavam hábitos de poupar dinheiro, exercitar-se a cada dia e comunicar-se. À medida que avançava nas fileiras, aprendia a importância dos hábitos organizacionais para assegurar que os subordinados pudessem tomar decisões sem pedir permissão constantemente e de como as rotinas certas tornavam mais fácil trabalhar ao lado de pessoas que ele não suportava.

E agora, como um construtor de nação improvisado, ele estava vendo como multidões e culturas respeitaram muitas das mesmas regras. Em certo sentido, disse ele, uma comunidade era uma gigantesca coleção de hábitos que ocorrem entre milhares de pessoas que, dependendo de como são influenciados, podem resultar em violência ou paz. “Compreender os hábitos é a coisa mais importante que aprendi no exército”, ele me disse. “Eu digo aos meus soldados o tempo todo, não há nada que você não pode fazer se você conseguir os hábitos certos.”

 

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