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Hambúrguer de grife

Com ingredientes sofisticados como wagyu, foie gras e trufas, o sanduíche mais famoso do mundo cai nas graças dos chefs de cozinha e vira protagonista de cardápios estrelados

Por Fabio Codeço e Bruna Talarico
Atualizado em 5 jun 2017, 14h08 - Publicado em 13 mar 2013, 16h54
foto Fernando Lemos
foto Fernando Lemos (Redação Veja rio/)
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O conceito de comida rápida tem uma interpretação muito peculiar no Rio de Janeiro. Por aqui, fast-food pode ser sinônimo de mate com biscoito Globo na praia, de açaí com granola na casa de suco da esquina, de bolinho de bacalhau com um chope gelado no botequim mais próximo. Ícone da alimentação descompromissada e barata, o hambúrguer nunca conquistou popularidade suficiente para figurar nessa lista. Chama atenção, portanto, o fato de a combinação de pão-careca, carne moída, queijo, maionese, picles e salada experimentar um súbito renascimento no menu de restaurantes de primeira linha. É verdade que não se trata do mesmo lanche simplório do passado, mas sim de elaboradas preparações concebidas e executadas com o auxílio de técnicas apuradas, misturas inusitadas de ingredientes e matérias-primas rigorosamente selecionadas, como mandam os cânones da alta gastronomia. “O hambúrguer era um prato marginal que entrou para os cardápios mais elaborados na onda das releituras”, palpita Pedro Artagão, dono do Irajá, no Humaitá. Ele inventou, por exemplo, uma versão que leva carne bovina de grife (no caso, entrecôte maturado de gado black angus australiano), compota de bacon, cebola confitada e queijo de minas padrão, tudo enfiado em um belo pão artesanal. O preço: 45 reais.

fotos Divulgação
fotos Divulgação ()

O segredo do hambúrguer gourmet está justamente nos detalhes. Em primeiro lugar, é consenso entre os cozinheiros que a carne precisa ter um bom teor de gordura, entre 20% e 30%, como é o caso da picanha, do contrafilé e da fraldinha. Variações com cordeiro e porco são aceitas desde que respeitado o ponto de cozimento ? tostado por fora e rosado no interior. Molho de sabor marcante, queijo que derreta bem e pão macio completam a receita básica. Mas, para se diferenciar da concorrência, cada chef lança mão de seu próprio truque na cozinha. Roberta Sudbrack é fiel à receita tradicional, de carne temperada com sal e pimenta-do-reino moída na hora, mas usa uma técnica francesa comum no preparo do steak tartare, o corte na ponta da faca. Já Ronaldo Canha, do Q, mistura pancetta, um bacon italiano, à carne triturada para criar variadas texturas. Os acompanhamentos usados entre as duas fatias de pão também dão margem a sabores inusitados. No Oro, o sanduíche à base de fraldinha, coberto com paleta de porquinho de leite desfiada, leva foie gras ralado. “Faz toda a diferença. É o que dá aquele sabor amanteigado ao prato”, explica o chef Felipe Bronze. Na versão do Bazzar, a carne é de gado wagyu, uma raça japonesa, temperada com alho negro. A ideia de transformar o hambúrguer em um prato sofisticado nasceu nos Estados Unidos pelas mãos de um francês. Em meados dos anos 90, ativistas antiglobalização atearam fogo a uma lanchonete do McDonald?s em Paris.

foto Fernando Lemos
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O chef Daniel Boulud, radicado em Nova York, resolveu reagir ao ataque com um protesto bem-humorado e criar a própria versão do sanduíche demonizado em seu país. Dono de três estrelas no afamado Guia Michelin, ele testou uma série de receitas até chegar à combinação de picanha moí-da recheada com carne de costela, foie gras e uma generosa colherada de creme de trufas negras. Por cima, também não economizou: dispôs um punhado de rabanete ralado, tomatinhos assados, lâminas de cebola-roxa e fatias de alface frisée, tudo isso servido em um pão de batata coberto de queijo parmesão e sementes de papoula. “Acho que os franceses têm inveja de não haverem inventado o hambúrguer. Criei então o melhor que existe, com DNA americano e sabor francês”, afirma Boulud, responsável por alardear o modismo mundo afora. Com 15?000 unidades vendidas por mês, o sanduíche custa 32 dólares, o equivalente a 70 reais, e é o carro-chefe do cardápio do DB Bistro Moderne. Sua versão mais incrementada sai a 300 reais.

foto Editora Lamonica
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Como todo prato popular cujas origens se perdem no tempo, o sanduíche de carne moída é cercado de mitos e lendas sobre sua criação. Em uma delas, vincula-se seu surgimento à industrialização americana no fim do século XIX, quando mudanças de hábitos sociais e alimentares vieram a reboque das exaustivas jornadas de trabalho longe de casa. Para que a refeição ficasse mais rápida, os bifes de Hamburgo ? bolinhos de carne vendidos pelas ruas e nos restaurantes alemães de Nova York ? passaram a rechear fatias de pão, dispensando assim o uso de talheres. “Em 1890, já tinham virado um clássico americano. Eram fáceis de fazer, na frigideira ou no forno. Tornaram-se básicos em piqueniques, sendo preparados em churrasqueiras ao ar livre”, conta Andrew F. Smith, professor de história da culinária na New School, em Nova York, e autor de Hambúrguer ? Uma História Global. Não por acaso, foi um americano o responsável por trazer a receita para o Brasil. Campeão de tênis em Wimbledon em 1948 e 1949, Robert Falkenburg decidiu vender aqui o lanche popularíssimo em seu país e abriu no Rio, em 1952, a matriz do Bob?s, hoje uma rede com quase 1?000 pontos de venda em todo o país. “Copacabana era um enclave cosmopolita e o coração cultural do Brasil, daí a escolha”, explica Carlos Pollhuber, diretor de marketing da empresa. Entre os habitués da loja, que existe até hoje na Rua Domingos Ferreira, figuravam nomes como o compositor Heitor Villa-Lobos e o clarinetista Booker Pittman. O McDonald?s, a rede que mais vende sanduíches no mundo, aportaria aqui apenas 27 anos mais tarde, também em Copacabana.

fotos Divulgação
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Embora seja incensado pela praticidade e versatilidade, podendo ser adaptado a diferentes paladares por meio da adição de outros ingredientes, o hambúrguer tornou-se, nos últimos anos, a antítese da alimentação saudável. De fato, não é uma opção que poderia ser rotulada como light. As versões mais bombásticas, abarrotadas de bacon, queijo cremoso, maionese e várias camadas de carne, batem nas 1?500 calorias e são um trampolim para a obesidade. Mas sanduíches mais simples, sem exageros nos complementos, ficam bem abaixo desse valor. Um Big Mac, por exemplo, possui cerca de 500 calorias. Para efeito de comparação, uma porção individual de feijoada (com carne-seca, paio e linguiça mais arroz, farofa e couve) alcança o dobro disso, sem incluir o torresmo. E a salada de frango ao pesto com quiche de queijo do Gula Gula, rede de comida rápida com apelo saudável, passa facilmente das 600 calorias. “Um hambúrguer feito com carne moída fresca, com poucos condimentos, em pão integral e com quantidade maior de alface e tomate pode substituir tranquilamente uma refeição”, atesta a nutricionista Ana Luisa Faller. “O problema são os sanduíches que levam carne industrializada, conservantes, molhos calóricos e queijos gordurosos.”

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Se no passado o estilo de vida dos cariocas tornava o hambúrguer praticamente um pária na dieta local, hoje já é possível perceber mudanças nesse comportamento. “Sou da geração fast-food e comeria lanche todos os dias se não precisasse manter a forma. Mesmo assim, é um prazer de que não abro mão pelo menos uma vez por semana”, confessa a atriz Lavínia Vlasak, que circula tanto por lanchonetes quanto por endereços mais chiques, como Chez L?Ami Martin, Irajá e Zuka, em busca de diferentes interpretações da receita. Em um movimento paralelo ao de sua reencarnação gourmet, o sanduíche tradicional também vem ganhando espaço na cidade. Uma amostra são os pesados investimentos que redes especializadas têm feito por aqui. A americana Burger King, que se diferencia por preparar seus discos de carne em grelhas sobre carvão, o mesmo método usado em churrascos, mais que quadruplicou o número de filiais em dois anos. Em 2011, eram oito unidades. Hoje, são quarenta. “O Rio tornou-se uma prioridade para nós tanto por sediar os próximos grandes eventos quanto pela sua capacidade de ditar moda. Sempre que decidimos testar um novo produto no Brasil, fazemos seu lançamento aqui, para que o carioca aprove antes”, revela o diretor de marketing da rede, Ariel Grunkraut. De fato, somos clientes exigentes. A paulistana The Fifties, que tem três casas na cidade (uma delas no luxuoso Village Mall) e se prepara para inaugurar mais duas (em Botafogo e Niterói), precisou adequar seu estoque de produtos ao gosto local. Se a maionese é o molho mais popular em São Paulo, por aqui o campeão é o barbecue. Enquanto lá a batata frita lidera a lista de acompanhamentos, as saladas são mais consumidas à beira-mar. As filas que se formam na porta das lanchonetes atestam que os cuidados em agradar à clientela carioca surtiram efeito.

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Gourmet ou tradicional, artesanal ou saído de uma rede de fast-food, não importa. O hambúrguer é um dos raríssimos sanduíches que alcançaram relevância global. Já na década de 30, era o alimento de devoção do personagem Dudu, o melhor amigo do marinheiro Popeye. Em uma cena antológica de Pulp Fiction, de Quentin Tarantino, Samuel L. Jackson e John Travolta travam uma discussão em torno de um dos produtos do McDonald?s. Símbolo da cultura pop americana, está retratado em obras de Andy Warhol (Dual Hamburger), Claes Oldenburg (Floor Burger) e, mais recentemente, do fotógrafo David LaChapelle (Death by Hamburger). Sua força é tão grande que os presidenciáveis americanos em campanha têm por hábito deixar-se fotografar com um sanduíche nas mãos. Não à toa, os chefs badalados do Rio criaram versões autorais desse ícone, justamente no momento em que a cidade se torna mais cosmopolita e ensaia uma nova projeção internacional.

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