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Museu do Amanhã abre após cinco anos de obras

Construído com um investimento de 215 milhões de reais em frente à revitalizada Praça Mauá, o centro cultural reúne atrações tecnológicas e interativas

Por Rafael Teixeira
Atualizado em 2 jun 2017, 12h19 - Publicado em 12 dez 2015, 00h00
Museu do Amanhã
 (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)
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Em Atlas, seu último livro publicado em vida, o argentino Jorge Luis Borges escreveu, a respeito de um dos maiores desertos do mundo: “Ao pé das pirâmides, tomei um punhado de areia, caminhei alguns passos, despejei-o um pouco à frente e disse para mim mesmo: eu modifiquei o Saara”. O trecho, simbolicamente, adorna uma parede do Museu do Amanhã, o mais novo centro cultural da cidade, construído em uma área de 34 000 metros quadrados na Zona Portuária, defronte à renovada Praça Mauá e às margens da Baía de Guanabara. Com linhas arrojadas projetadas pelo estrelado arquiteto espanhol Santiago Calatrava, o espaço abre finalmente suas portas ao público no próximo sábado (19), após cinco anos de obras que consumiram 215 milhões de reais. Dentro do edifício estão reunidas atrações de alta tecnologia que convidam o visitante a refletir sobre a construção do futuro com base no impacto das ações humanas no planeta. “Queremos que as pessoas sejam inspiradas por aquela ideia do Borges”, diz o físico e doutor em cosmologia Luiz Alberto Oliveira, curador do museu, referindo-se ao conceito evocado no texto do escritor, de que profundas transformações coletivas começam com pequenos gestos individuais.

O coração do museu é uma exposição de longa duração instalada no 2º piso, em uma galeria com 300 metros de comprimento. Cinco perguntas fundamentais, que acompanham a humanidade desde os seus primórdios, norteiam a visita: de onde viemos, quem somos, onde estamos, para onde vamos e como queremos ir? Cada questão é associada a uma área da mostra, e, ao longo do percurso (confira no quadro à direita), o visitante trava contato com um gigantesco conteúdo científico. Temas como crescimento populacional, padrões de consumo, mudanças climáticas, alterações da biodiversidade, manipulação genética e distribuição de renda são abordados não por meio de uma exibição estática de objetos, como seria de esperar em um museu, mas de experiências interativas. “O objetivo era criar uma visita poética, lúdica e envolvente, combinando instalações, filmes, imagens e jogos elaborados com base em dados e análises científicas”, diz o curador. Responsável pela instituição de centros culturais com a mesma proposta, como o Museu do Holocausto, em Washington, e o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, o americano Ralph Appelbaum assina a concepção museográfica com base na qual trabalharam mais de trinta consultores brasileiros e estrangeiros. “Essa é uma tarefa que ainda não acabou. Mesmo depois da abertura, estaremos em constante produção, atualizando o nosso conteúdo”, diz Hugo Barreto, diretor-geral da Fundação Roberto Marinho, instituição que idealizou o projeto e o desenvolveu em conjunto com a prefeitura.

Museu do Amanhã
Museu do Amanhã ()

Colocar de pé esse conjunto de experiências não foi fácil. O primeiro trabalho, antes mesmo do plano de como seriam as atrações na prática, passava pelo entendimento de conceitos científicos relacionados a elas. A equipe da produtora Conspiração, por exemplo, precisou investigar a fundo o significado da palavra antropoceno, que dá nome à instalação que desenvolveu para o museu — resumidamente, o termo se refere ao período mais recente da história do planeta, a partir do fim do século XVIII, no qual a atividade humana passou a ter um impacto global significativo. “Foi um mergulho intelectual dos produtores, diretores, editores, pesquisadores e roteiristas para a construção de uma narrativa”, lembra Renata Brandão, diretora executiva da produtora. Superado esse estágio, invariavelmente surgiam os desafios tecnológicos. Um exemplo é o Portal Cósmico, um gigantesco ovo negro dentro do qual os visitantes são envolvidos por um filme criado pela produtora O2, do cineasta Fernando Meirelles, projetado em uma tela de 360 graus. Ao longo de oito minutos, a história do universo é contada ao redor do visitante. “A grande encrenca é que ainda não existe uma linguagem estabelecida para a narrativa imersiva, como aquela que vem sendo construída há mais de 100 anos na tela plana. As regras do cinema não cabem mais ali. Tivemos praticamente de jogar fora o que sabíamos e aprender o que funciona dentro de um espaço daqueles, na base da tentativa e erro”, explica Ricardo Lagarano, diretor do curta.

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Museu do Amanhã/Museu de História Natural de Nova York
Museu do Amanhã/Museu de História Natural de Nova York ()

Além da exposição principal, o Museu do Amanhã terá um espaço para mostras temporárias no térreo. A primeira, também caracterizada pela imersão do espectador no conteúdo, é uma instalação criada com imagens das implosões do Elevado da Perimetral, que passava por cima da Praça Mauá, exatamente em frente ao museu. A obra é assinada pelo artista plástico Vik Muniz, pelo diretor da Conspiração, Andrucha Waddington, e pelos sócios do estúdio de criação SuperUber, Liana Brazil e Russ Rive. Quem não quiser ver as exposições (serão cobrados 10 reais de entrada) poderá frequentar apenas os belos jardins que circundam o edifício, criados pelo Burle Marx Escritório de Paisagismo. Ali, foram privilegiadas espécies nativas e de restinga, para ressaltar as características da zona costeira do Rio e facilitar a adaptação da vegetação, criando, assim, um novo parque para a cidade. A concepção de toda a estrutura, como é de esperar de um museu que aborda questões ligadas ao futuro do planeta, foi submetida a um rigoroso crivo ecológico. Entre as ações sustentáveis previstas estão o aproveitamento das águas da Baía de Guanabara na climatização do museu e sua reutilização nos espelhos-d’água da área externa, além do uso de painéis solares móveis para a captação de energia, instalados na cobertura do prédio.

A própria edificação, mesmo à distância, é em si digna de contemplação e já nasce com o status de marco na paisagem da cidade. Segundo os idealizadores do museu, a escolha de Santiago Calatrava partiu da premissa de que o projeto demandava uma arquitetura icônica. Com mais de 100 trabalhos espalhados pelo mundo, o espanhol levanta prédios que lembram imensas obras de arte. Ao contrário do que acontece muitas vezes com arquitetos de mesmo renome, porém, todo o desenho externo do museu foi elaborado em sinergia com o seu conteúdo e definido com base em diversas reuniões de Calatrava com a curadoria. Inspirado nas bromélias do Jardim Botânico e do Sítio Burle Marx, na Barra de Guaratiba, o inusitado prédio começou a tomar forma nos Alpes suíços, no chalé onde o arquiteto costuma passar as férias. Lá foram feitos os primeiros rascunhos, antes mesmo que o espanhol viesse ao Rio para conhecer o local da obra. Para sua estreia carioca, ele produziu mais de 400 esboços coloridos com aquarela até chegar à forma final. Em entrevista a VEJA RIO, publicada em junho passado, Calatrava se disse honrado com o convite: “Não se trata apenas de erguer um prédio, e sim de criar um marco da revitalização de uma região importante da cidade. Ele será uma âncora cultural na Praça Mauá”.

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Santiago Calatrava
Santiago Calatrava ()

De fato, há a expectativa de repetir aqui o fenômeno ocorrido em Valência, cidade natal de Calatrava, onde, entre 1996 e 2009, foi erguida a Cidade das Artes e da Ciência, um gigantesco complexo cultural e de entretenimento que reúne museu, planetário, aquário e teatro, entre outras atrações, inteiramente desenhado por ele. A partir da abertura do conjunto, a cidade ganhou relevância inaudita no mapa turístico e cultural espanhol. Na região portuária carioca a inauguração do Museu do Amanhã se soma aos esforços pela revitalização do entorno da Praça Mauá, cuja remodelação foi concluída em setembro passado, após quatro anos em que ela esteve fechada, e ao projeto Porto Maravilha. Em 2013, a praça já havia ganhado o Museu de Arte do Rio, instalado em dois prédios totalmente restaurados, de perfil heterogêneo: o Palacete Dom João VI, eclético, e o edifício vizinho, modernista. “São construções de grande força estética, que pontuam o espaço e reforçam a identidade coletiva do carioca. É mais uma peça no resgate da importância do Centro da cidade, perdida ao longo de décadas, desde que o Rio deixou de ser a capital do país”, analisa Sérgio Menezes, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil. O amanhã, pelo visto, tem tudo para ser brilhante.

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