Tecnologia terá papel decisivo nas competições da Rio 2016
Um gigantesco aparato digital, em fase de instalação e testes, terá a complexa missão de garantir o funcionamento das provas e a lisura dos resultados
Nas mais acirradas disputas do esporte em tempos modernos, muitas vezes a imagem definitiva — aquela que consagra o campeão — é feia. Escura, desfocada, atende pelo nome de photo finish e, com precisão total, decretou, por exemplo, a última conquista de Usain Bolt. Em 23 de agosto, na final dos 100 metros rasos do Mundial de Atletismo realizado em Pequim, o sorridente corredor jamaicano cruzou a linha de chegada 1 centésimo de segundo antes do americano Justin Gatlin. Só uma câmera de última geração, capaz de registrar até 600 000 fotos por minuto, poderia flagrar a cena. Esse e outros equipamentos de ponta estão desembarcando no Rio antes dos atletas e, como os competidores, passam por severos preparativos para chegar tinindo ao início dos Jogos, no dia 5 de agosto de 2016. O photo finish, que garantiu mais um ouro para Bolt, fez sua grande estreia na primeira Olimpíada de Londres, em 1948, e, aperfeiçoado, hoje divide espaço com invenções mais recentes. Uma delas é a rede inteligente de vôlei, com sensores que entregam para o juiz quando algum jogador a toca. O dedo-duro eletrônico entrou em quadra nas partidas da Liga Mundial, em julho deste ano.
Cerca de 20% do orçamento olímpico, de 7,4 bilhões de reais, é destinado à tecnologia. Trata-se de uma dinheirama proporcional à trabalheira. Esse setor no comitê organizador é encarregado de providenciar de equipamentos de escritório a rede de internet para os jornalistas que vão cobrir as competições. São de responsabilidade da área 12 000 computadores e 15 000 celulares, entre outros itens contados aos milhares. Até maio do ano que vem, estão previstas 200 000 horas de testes, somados os tempos dedicados a 1 200 peças de TI (tecnologia da informação), para prevenir qualquer imprevisto. Programas e máquinas que serão usados durante os Jogos vêm sendo submetidos a intermináveis simulações, nas quais são reproduzidas situações que podem acontecer durante as disputas. “O equipamento avaliado aqui vai para os eventos-teste, para evitar incompatibilidade e outros problemas”, explica Elly Resende, diretor de tecnologia da Rio 2016. Quando as provas começarem, o executivo de jeito tranquilo vai comandar um exército de 6 000 profissionais.
Empresas variadas compõem a tropa que tem a missão de conectar a Rio 2016. Coube à Embratel tocar a parte de telecomunicações, enquanto a multinacional Atos foi convocada para cuidar de TI. Telões levam a marca Panasonic, e a Omega é responsável pelas áreas de cronometragem e pontuação, como acontece desde os Jogos de Los Angeles, em 1932. Foram funcionários da tradicional fábrica suíça de relógios que criaram o photo finish, entre diversos inventos adotados até hoje. Outro exemplo: a placa de contato, acoplada às bordas das piscinas para marcar o tempo dos nadadores, estreou nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, no Canadá, em 1967. Cinco anos depois, na Olimpíada de Munique, o sueco Gunnar Larsson terminou suas braçadas nos 400 metros medley 2 milésimos de segundo à frente do americano Tim McKee e teve o ouro assegurado pelo equipamento. Para se ter uma ideia, um piscar de olhos dura mais do que essa fração de tempo. Passadas mais de quatro décadas, sensores usados atualmente nas piscinas permitem até calcular se um atleta pulou antes de escutar o disparo de partida, mesmo que ele caia na água depois do tiro. É um caso muito específico de queima de largada que só as máquinas detectam.
Essa sofisticada rede de programas, profissionais e equipamentos garante vitórias esportivas e evita derrotas longe das arenas. Nos últimos Jogos, em Londres, foram rechaçados mais de 250 milhões de tentativas de ataque de hackers ligadas ao evento. A preocupação com a sabotagem digital não é só do comitê. Para proteger sites públicos e privados, o Exército brasileiro vai mobilizar cerca de 200 especialistas enquanto as provas durarem. Trata-se do dobro do efetivo convocado para a mesma função na Copa do Mundo de 2014. Há outras estratégias mais singelas para assegurar que tudo dê certo no grande evento do ano que vem. São cuidados mínimos, como o estoque de peças de reserva, para substituir imediatamente as que apresentarem problemas, e a proibição do uso de equipamentos que não tenham sido testados antes de entrar em operação. A meta do diretor de tecnologia Elly Resende é manter-se discreto em 2016. “Tecnologia só é lembrada quando há problema. Nosso objetivo é o anonimato”, diz. A função de brilhar, todos sabem, caberá a máquinas de carne e osso como Usain Bolt, entre os aguardados 10 500 atletas de 206 países, protagonistas da festa.