Faxina urgente na Baía de Guanabara
Às vésperas da regata que é o primeiro evento-teste da Olimpíada, uma força-tarefa tenta limpar as águas da Baía
Com apenas uma folga semanal, a velejadora Martine Grael percorre diariamente 25 quilômetros na Baía de Guanabara entre a costa de Niterói e a do Rio. Tinha tudo para ser um privilégio o fato de treinar em um local enaltecido por sua beleza. A realidade, porém, é outra. Dentro d?água, ela depara com toda sorte de detritos. Desde garrafas PET e sacos plásticos até objetos de grande porte arrastados pelas correntes. Mesmo com a banalização da imundície, Martine ainda se surpreende: em janeiro, postou nas redes sociais a foto de um televisor que encontrou boiando no meio da baía. “Com essa quantidade absurda de resíduos, fico sempre com um olho no vento e outro no lixo. Não me descuido nem por um segundo”, diz a moça de 23 anos, filha de Torben Grael, o maior medalhista do país.
Todo anfitrião sabe que deixar a casa arrumada é prerrogativa básica para receber bem as visitas. Daí que limpar minimamente a Baía de Guanabara é medida fundamental para uma cidade que daqui a dois anos vai sediar uma Olimpíada, com as provas de vela programadas para esse local. Uma ocasião oportuna para tomar o pulso da situação ocorrerá em breve. Entre os dias 3 e 9 de agosto será realizado na Marina da Glória o primeiro evento-teste dos Jogos de 2016, que contará com a participação de 320 velejadores de 34 nacionalidades. À medida que a disputa se aproxima, as autoridades correm contra o tempo para causar boa impressão. Ações de curto prazo vêm sendo tomadas para não passarmos vergonha. Uma das principais apostas do governo estadual são os ecobarcos, utilizados para o recolhimento do lixo flutuante. Na próxima semana, sete novas embarcações do gênero se juntarão às três em atividade desde janeiro (veja o quadro na pág. ao lado). É um começo, ainda que tímido se comparado com as 1?000 embarcações utilizadas na limpeza da baía onde foram disputadas as regatas na Olimpíada de Pequim, em 2008. “Sei que a quantidade atual de ecobarcos é insignificante e não espero resolver o problema do lixo só com esse recurso”, reconhece o secretário estadual do Ambiente, Carlos Portinho. “Mas, com a ajuda das barreiras nos rios e córregos que desembocam na baía, vamos melhorar muito o padrão de qualidade até os Jogos”, diz ele, referindo-se às estruturas instaladas para reter o lixo. Já existem onze delas em uso, e a previsão é de que outras oito estejam em funcionamento até 2016.
Um dos símbolos patentes da cidade, a Baía de Guanabara teve sua degradação acentuada nas últimas quatro décadas. Dado o período, o problema é bem mais profundo que os detritos visíveis na superfície ou o odor predominante que tanto afligem os envolvidos com os Jogos. Cercada por quinze municípios, a baía tornou-se vítima contumaz do despejo de esgoto in natura e substâncias tóxicas. A primeira força-tarefa para faxinar o ecossistema data de 1994. Batizada de Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) e com investimento previsto de 800 milhões de dólares, a iniciativa contemplava diversas medidas de saneamento. Uma das principais metas era elevar para mais da metade o índice de esgoto em tratamento lançado na baía. O tempo passou e hoje não vai além de 40%.
Em competições de alto rendimento, como as regatas olímpicas, qualquer pequeno obstáculo é capaz de influir no resultado de uma prova. Um saco plástico enroscado na quilha pode acabar com o sonho de uma medalha. Para que situações assim não aconteçam, é preciso agir ? e rápido. Por ora, o panorama ainda é turvo. Recentemente, o velejador austríaco Nico Delle Karth declarou que o cartão-postal foi o pior lugar em que já treinou. “Acho até que está melhor que no Pan de 2007, mas, para um europeu, a Baía de Guanabara é imunda”, diz o carioca Ricardo Winicki, o Bimba, ex-campeão mundial de prancha a vela. “Conheço quase quarenta países e nunca velejei em um lugar tão sujo.” A questão é se haverá tempo de mudar tal cenário.