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Drones ganham o céu do Rio e põem as autoridades em alerta

Capazes de voar alto e fazer imagens em alta definição, as navezinhas cairam no gosto dos cariocas, que investem em modelos para diversão e até como fonte de renda

Por Pedro Moraes
Atualizado em 2 jun 2017, 12h07 - Publicado em 14 Maio 2016, 01h00

Os momentos de lazer da economista Flavia Ribeiro costumam ser radicais e incluir passatempos como descer corredeiras, mergulhar entre navios naufragados ou fazer rapel em montanhas, tudo devidamente registrado em seu diário eletrônico, o blog Viagens e Outras Histórias. Para isso, entretanto, ela precisa do equipamento certo. A cada aventura, parte carregada de um arsenal de câmeras resistentes a água e impacto, lentes e mecanismos especiais de acionamento para captar as melhores imagens. Entretanto, faltava um ângulo a ser explorado: o de cima. Flavia acrescentou à lista de traquitanas um drone, robô voador capaz de filmar e fotografar em alta definição. O aparelho, cujo preço é estimado em 4 000 reais, tem autonomia para vinte minutos de voo e pode atingir 6 000 metros de altitude, voando à velocidade de 16 metros por segundo. “Procurei um instrutor para aprender a pilotá-lo, mas não foi difícil começar a usá-lo”, diz a economista. “Agora, a minha bagagem ficou maior, mas o resultado é incrível. O meu blog virou outra coisa”, comemora.

Alexandre Salem
Alexandre Salem ()

Os robôs voadores que hoje encantam cariocas como Flavia nasceram como máquinas de guerra. Pilotados a distância por radiocontrole, foram desenhados para utilização em missões arriscadas, como forma de poupar a vida de soldados em missão de reconhecimento. Com o passar dos anos e a popularização dos recursos eletrônicos, ganharam a simpatia dos fanáticos por tecnologia e começaram a ser empregados em múltiplas finalidades, das quais a produção de imagens aéreas é a mais recorrente — seja por lazer, seja para fins profissionais. Entretanto, a versatilidade desses aparelhos é tamanha que há versões capazes de pulverizar plantações e fiscalizar redes de transmissão de energia. O fato é que os drones se transformaram em um mercado em plena expansão e, apenas no Brasil, devem movimentar 200 milhões de reais em 2016. As estatísticas relativas a estes aparelhos ainda são precárias, pois muitos deles são trazidos do exterior por seu proprietário sem nenhum registro oficial. Mas é possível perceber a dimensão da expansão quando se leva em conta o volume de imagens produzido com o artefato. Um levantamento da chinesa DJI, a maior empresa do setor, mostra que a quantidade de dados transferidos pelos robozinhos para suas redes sociais no Brasil aumentou 680% no ano passado. E, do total de uploads, 83% partiram do Rio. “Os lugares favoritos são paisagens de cartão‑postal, como a orla do Arpoador, de Ipanema e de São Conrado”, detalha Manuel Martínez, diretor da companhia no país.

Thuenner Silva
Thuenner Silva ()
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A revoada dos drones pelo céu carioca, entretanto, tem preocupado as autoridades, às vésperas dos Jogos Olímpicos. Como sua origem atesta, tais aparelhos podem se transformar de brinquedos em objetos perigosos, caso caiam — ou sejam atirados — sobre pessoas ou veículos. Países como Chile e Austrália já têm suas normas específicas. Os americanos definiram o próximo ano como o limite para apresentar as regras para uso recreativo. No Brasil, espera-se que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) divulgue a regulamentação até o fim deste semestre. Em caráter emergencial, adotou-se uma determinação específica para a cidade entre 5 e 23 de agosto. No período, vigorará uma espécie de regime de exceção, em que os aparelhos estarão banidos em um raio de até 5 quilômetros das instalações olímpicas e dos aeroportos, áreas que os especialistas chamam de espaços aéreos condicionados. Com isso, apenas as engenhocas utilizadas nas transmissões oficiais de imagens e no esquema de segurança serão autorizadas. A decisão foi tomada em conjunto com os ministérios da Defesa e da Justiça. Quem descumprir as regras poderá ter o equipamento apreendido. Paralelamente, o governo brasileiro está negociando com os principais fabricantes uma abordagem ainda mais arrojada, para alterar o sistema de voo e localização dos drones no período dos Jogos Olímpicos. O objetivo é que as coordenadas das zonas de exclusão sejam bloqueadas no GPS das máquinas, o que as impediria de se aproximar dessas áreas automaticamente, independentemente da vontade do operador. “A Olimpíada será um marco para o país sobre o uso e a fiscalização desses equipamentos”, afirma Ítala Cavalli, chefe da divisão do planejamento da navegação aérea civil da secretaria de aviação civil.

Marcelo Fortes
Marcelo Fortes ()

Como todo produto de alta tecnologia, os drones oferecem possibilidades quase ilimitadas de utilização — e também de controle, caso haja vontade política para tanto. Em meio às discussões sobre como será feita a regulação dos voos desses robozinhos, os especialistas em aviação civil avaliam a criação de sistemas sofisticados de registro dos aparelhos, como um aplicativo para smartphones pelo qual o operador cadastraria a máquina e as informações seriam repassadas automaticamente aos centros de controle de voos regionais. Tudo muito tecnológico e eficiente. A questão é se tais planos sairão do papel. A regulamentação prometida para julho, por exemplo, é aguardada há pelo menos três anos e ainda encontra-se enroscada na burocracia federal. Por enquanto, as regras que vigoram são as mesmas aplicadas aos aeromodelos de fim de semana, aparelhos infinitamente mais rudimentares. “É importante que tenhamos quanto antes as normas, mesmo porque elas ajudam a proteger quem usa os drones de forma consciente”, afirma o jornalista Flávio Fachel, apresentador do Bom Dia Rio da TV Globo e presidente da Associação Brasileira de Multirotores, entidade que reúne operadores dessas máquinas e defende a legalização da utilização dos aparelhos.

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Flávio Fachel
Flávio Fachel ()

Entre os cariocas, ganha expressão um grupo de aficionados das traquitanas voadoras que transformou o hobby em meio de vida. O engenheiro Alexandre Salem abandonou o cargo em um banco de investimentos em outubro do ano passado para viver exclusivamente do trabalho com os robozinhos. Seu primeiro contato com o aparelho foi há dois anos. Desde então, ele fotografou o Rio de tantos ângulos que até publicou o livro Um Drone pelo Rio com suas imagens. Algumas de suas fotos já foram premiadas, como a de uma igreja afetada pelo rompimento da barragem em Mariana (MG), exibida em mostra na Conferência do Clima, no ano passado, em Paris. Ele produz, também, imagens sob encomenda para incorporadoras imobiliárias e empresas de construção civil. No mercado, a diária dos aparelhos para fotografia fica entre 1 000 e 1 500 reais. Para vídeos, o valor dobra. “Como eu me tornei pai, queria uma profissão que me permitisse passar mais tempo com minha família. Sem contar que a atividade com drone me oferece o privilégio de trabalhar ao ar livre”, afirma. O biólogo Marcelo Fortes juntou seu conhecimento de botânica ao uso das mininaves. A ideia é utilizar a tecnologia para acompanhar o desenvolvimento de projetos em áreas de replantio. “Já estou conversando com grupos da UFRJ para que eu possa ajudar como voluntário. Consigo fotografar o mesmo local, graças ao uso do GPS, e assim é mais fácil acompanhar o crescimento da mata em regiões degradadas”, explica Fortes, que já usa os aparelhos há mais de três anos.

Cezar Bialowas
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Assim como aconteceu com os computadores, a popularização dos drones é consequência direta da expansão da indústria de componentes eletrônicos, particularmente na China, o que gerou dois fenômenos. O primeiro é a proliferação de oficinas como a do engenheiro Cezar Bialowas, que passou a reparar os aparelhos voadores em um dos quartos de sua casa, em Jacarepaguá. “Minha diversão sempre foi desmontar e ver como funcionava. Hoje, vivo disso e recebo modelos de todo o país para consertar”, afirma. O segundo são as chamadas fábricas de garagem, que montam do zero os próprios aparelhos. Doutor em informática, Thuener Silva produz os robôs em uma espécie de laboratório compartilhado no Jardim Botânico, o que os americanos chamam de maker space, onde já desenvolveu três protótipos. “O que me atrai não é o voo, mas sim a capacidade de criar e testar soluções”, explica. Como se vê, os aparelhinhos que cruzam os ares com seus zumbidos inconfundíveis ganharam definitivamente o céu do Rio.

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