Broadway na Sapucaí
Com um projeto inovador de marketing e captação de patrocínio, a São Clemente vai levar os musicais para a avenida
Sob o ritmo de surdos, tamborins e repiques, o protagonista de O Fantasma da Ópera, os gatos de Cats, os ripongas de Hair e a governanta de A Noviça Rebelde vão passar pela Sapucaí no próximo Carnaval. Gênero com popularidade crescente no Rio, os musicais são o enredo da escola de samba São Clemente para 2012, num desfile que promete abordar não só os clássicos da Broadway mas também os primórdios do teatro de revista e as produções nacionais mais recentes. O tema escolhido é fruto de uma parceria com a Aventura Entretenimento, responsável por levar aos palcos Um Violinista no Telhado, além de algumas das atrações já citadas. Atores, bailarinos e cenários serão transportados para a avenida com a magia do teatro. À primeira vista, trata-se de um casamento perfeito. Para a agremiação da Zona Sul, é a chance de apresentar carros alegóricos recheados de efeitos especiais e ver personalidades defendendo suas cores. A produtora, por sua vez, finca sua bandeira em um campo novo, ganhando uma exposição extraordinária em um espetáculo visto por milhões de pessoas e com transmissão para mais de 100 países. ?Será um encontro histórico entre duas linguagens que não se comunicaram até aqui, mas que têm muitas semelhanças?, diz Luiz Calainho, um dos donos da empresa e autor intelectual da novidade.
Enquanto o samba-enredo não é escolhido, o que está previsto para ocorrer somente em outubro, o empresário e sua sócia Aniela Jordan estreitam o trabalho com o carnavalesco Fábio Ricardo. Eles vêm se encontrando com frequência e querem realizar um espetáculo para ficar na história do Sambódromo. A maior parte das ideias permanece em segredo, mas sabe-se por exemplo que o cortejo terá sete alegorias, a mais impressionante delas um palco onde serão encenadas passagens de um musical. A plateia também terá participação ativa no evento. Um dos joguetes para conquistar a massa será distribuir adereços que remetam às peças, caso das flores de Hair e das máscaras do personagem principal de O Fantasma da Ópera. ?Vamos evocar trechos das produções sem necessariamente reproduzi-las?, adianta Aniela. Haverá ainda homenagens destacadas a nomes como Carmen Miranda e Grande Otelo. Sem falar de um sonho: trazer a atriz inglesa Julie Andrews, a eterna noviça rebelde.
Há tempos o Carnaval flerta com a ribalta. Em um momento memorável da Marquês de Sapucaí, protagonizado pela Beija-Flor de Joãosinho Trinta em 1989, uma ala de mendigos deixou o público estupefato e tornou-se um marco da teatralização do desfile. Em andrajos, o grupo cruzou a Avenida Sapucaí fazendo movimentos bem concatenados, resultado de uma exaustiva preparação a cargo do diretor Amir Haddad, que, por sua vez, se inspirou em Os Miseráveis, de Victor Hugo, na concepção do gestual. Desde então, as alas cênicas viraram um recurso cada vez mais utilizado pelas escolas, seja para retratar banhistas, retirantes ou escravos. A última inovação nessa área foi introduzida pelo carnavalesco Paulo Barros com as chamadas alegorias vivas, em que os componentes têm um script a cumprir, e não figuram apenas como meros enfeites.
Para transformar todos os desejos em realidade e acabar de vez com o estigma de escola ioiô que acompanha a São Clemente, do tipo que sobe em um ano para cair no seguinte, a meta é levantar dinheiro por meio de patrocínios. O modelo proposto, no entanto, difere radicalmente daquele que tem sido o convencional na hora de aumentar as receitas das agremiações. Geralmente, elas ?vendem? seu desfile. Ou seja: negociam com empresas, governos ou entidades enredos que sejam atraentes para eles. Assim, temas pouco empolgantes já embalaram o Sambódromo, como Beto Carrero, os combustíveis e a agricultura. Neste ano, uma fabricante de xampu bancou parte da apresentação da Vila Isabel, que exibiu na avenida a garota-propaganda da marca, a modelo Gisele Bündchen. Recentemente, a Porto da Pedra anunciou que vai cantar a história do leite e de seus derivados, sob as benesses de uma empresa de iogurtes.
Procurar soluções criativas, não apenas nos carros e fantasias, mas também na parte financeira, é uma necessidade primordial das agremiações. No Carnaval passado, a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) repassou de 5,5 a 6 milhões de reais a cada uma das integrantes do Grupo Especial ? uma fortuna, sim, mas o correspondente apenas à metade dos 12 milhões de reais gastos pela campeã Beija-Flor. Com o intuito de alçar a São Clemente a essa elite financeira, o projeto dos musicais contempla estratégias de marketing que incluem a criação de um megaportal na internet e a realização de ensaios temáticos com a presença dos atores e atrizes dessas produções. ?Queremos a participação de empresas que acreditem nessa proposta. Algumas delas já são nossas parceiras em outras empreitadas?, explica Calainho, que espera captar 6 milhões de reais. É difícil prever se a ousadia renderá o título inédito para a amarelo e preto de Botafogo, mas certamente proporcionará um belo espetáculo ao público.