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Quem administra a organização do maior carnaval de rua do mundo

Organizar o Carnaval de rua carioca, com seus 456 blocos e 5 milhões de foliões, transformou-se em uma verdadeira operação de guerra que envolve cerca de 35 000 pessoas e mais de oitenta empresas

Por Lula Branco Martins e Cibele Reschke
Atualizado em 2 jun 2017, 12h45 - Publicado em 13 fev 2015, 17h03

 

A gente brinca, improvisa uma fantasia, coloca a máscara e todos se divertem muito, mas nem sempre é possível perceber a trabalheira que dá — como diz o velho bordão — botar um bloco na rua. A cada ano, uma verdadeira operação de guerra é montada para garantir a folia carioca no que ela tem de mais espontâneo e irreverente. Se na Marquês de Sapucaí a celebração é mais controlada, com público de 72 000 pessoas por noite e cada escola de samba apresentando um número fixo de cerca de 5 000 integrantes, o Carnaval de rua mobiliza uma multidão que se espalha simultaneamente por inúmeros pontos da cidade. Até 22 de fevereiro, 456 blocos terão chacoalhado a cidade, muitos deles saindo mais de uma vez, em aproximadamente 600 desfiles. Somando-se todos, estima-se um público recorde de 5 milhões de fo–liões, dos quais 950 000 são turistas. E o quebra-cabeça para acomodar toda essa gente torna-se ainda mais complicado com o Centro e as zonas Sul e Oeste tomados por obras viárias para os Jogos de 2016. “Tivemos de trocar a Avenida Rio Branco pela Presidente Antonio Carlos e pela Presidente Vargas, no Centro. Também fomos obrigados a diminuir a quantidade de saídas no Leblon e em Ipanema”, diz Alex Martins, supervisor da Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur). “Isso nos forçou a criar uma logística e um modelo de operação completamente diferentes dos adotados nos anos anteriores”, explica.

Ordenar o caos carnavalesco carioca é uma tarefa hercúlea. Há quase uma década, busca-se o formato ideal, que conjugue segurança, conforto dos foliões e o mínimo de transtorno para os vizinhos, um equilíbrio dificílimo de alcançar. Para tanto, há uma tropa de especialistas que passa invisível à folia, mas trabalha, sem exagero, de sol a sol. Desde 2009, um mesmo grupo de profissionais arregaça as mangas a cada dezembro, atravessa janeiro e segue até o domingo seguinte aos feriados cuidando de cada detalhe. Não é uma atividade livre de tropeços. No último fim de semana, por exemplo, o volume de lixo largado pelos foliões que brincaram em áreas como o Centro, Santa Teresa e Aterro do Flamengo rendeu críticas à organização. Tais percalços, entretanto, longe de intimidar, servem como estímulo à trupe que fica nos bastidores. São profissionais como o servidor público Alex Martins e também executivos de empresas privadas, a exemplo de Duda Magalhães, Daniel Tenório e Jomar Júnior. Sócios na Dream Factory, companhia do grupo Artplan, eles respondem pela instalação e pelo custeio da infraestrutura exigida pela prefeitura em troca da venda dos direitos publicitários da festa. O processo envolve ainda oitenta outras empresas que atuam como prestadoras de serviços em áreas que vão da proteção de monumentos e jardins à contratação de mão de obra temporária para a limpeza de ruas. “Trabalhamos em conjunto com a prefeitura, e posso dizer que cada edição é um aprendizado. Já melhoramos consideravelmente em relação aos primeiros anos”, analisa Magalhães, 36 anos, um ex-surfista que virou expert em Carnaval.  

Entre todas as batalhas da cruzada momesca, a mais complicada — e cara — diz respeito à infraestrutura sanitária no entorno dos desfiles. Do orçamento destinado à organização da festa, estimado em cerca de 20 milhões de reais pela Riotur, aproximadamente 55% custeiam a instalação de cabines individuais, contêineres e mictórios masculinos. Neste ano, serão utilizadas 2 500 cabines individuais de tecnologia americana produzidas por uma fábrica do interior de São Paulo. Desde o mês passado, elas estão guardadas em um depósito no Caju, de onde sairão apenas nos dias de desfile. Durante a festa, serão levadas de um lado para  outro obedecendo ao calendário de saída das agremiações. Uma frota de oitenta caminhões é usada nessa operação. Apesar da quantidade crescente de cabines, ampliada a cada ano, e da complicada logística adotada, até hoje não se conseguiu fechar a equação entre oferta de unidades e demanda de público. O resultado são filas e banheiros quase sempre em condições deploráveis, exalando mau cheiro nas regiões onde são instalados. Desde 2013, a organização tem adotado contêineres fixos, com oito cabines, conectados à rede de esgoto nos desfiles maiores. Neste ano serão 100 unidades. “Essa ainda é uma área em que precisamos evoluir”, admite Martins, da Riotur.  

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O gigantismo do Carnaval de rua carioca reverbera em toda a cidade, mas afeta especialmente a Zona Sul. A região não comporta mais desfiles — 30% dos blocos da cidade são de lá, e por lá querem continuar saindo. A prefeitura tem sido draconiana na concessão de novas autorizações, por causa do impacto que os desfiles provocam nos arredores. Ao mesmo tempo, tem alterado os locais de algumas agremiações de grande porte para reduzir a confusão. Nem sempre as mudanças são bem aceitas. Transferido para o Centro no ano passado, o AfroReggae, bloco que até 2013 desfilava em Ipanema, decidiu não sair neste Carnaval. Com o fechamento da Avenida Rio Branco, a agremiação que atrai cerca de 150 000 foliões teria de se mudar novamente, desta vez para Copacabana, e desfilar no dia 8, fora da festa principal. “Ficamos chateados com esse constante vaivém de opções oferecidas. E a verdade é que os patrocinadores preferem a vitrine da Zona Sul”, explica José Júnior, coordenador do grupo. 

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Os registros históricos são precários, mas é consenso entre os especialistas em Carnaval que a origem dos blocos remonta à primeira metade do século XIX. Naquela época, havia uma percepção negativa sobre a folia de rua, vista como uma brincadeira bárbara, selvagem. Nesses blocos primitivos, por exemplo, os participantes atiravam baldes de água suja (e não raro outras coisas) uns nos outros, e também nos desavisados que lhes cruzassem o caminho. A elite comemorava a data bem longe dessas manifestações, nos grandes bailes e nas chamadas sociedades, que desfilavam nas ruas com fantasias luxuosas, seguindo a tradição dos carnavais de Paris e Veneza. No início do século XX, o cenário começou a mudar com o surgimento das agremiações organizadas e das escolas de samba, que com o tempo se tornaram símbolo do Carnaval carioca. Nos últimos dez anos, a cidade assistiu a uma espécie de renascimento dos blocos, em que organizações como o Bola Preta, a Banda de Ipanema e o Simpatia É Quase Amor, com centenas de milhares de seguidores, convivem com grupos menores, restritos aos bairros onde nasceram. “No Rio, a folia está ancorada em duas lógicas: a do espetáculo das escolas e a da espontaneidade dos blocos”, observa o sociólogo Bruno Filippo, professor de cursos de extensão sobre o assunto nas Faculdades Hélio Alonso (Facha). 

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A existência de um evento com as dimensões do Carnaval de rua em uma metrópole complexa como o Rio seria impossível se não fosse a gestão centralizada. São mobilizadas cerca de 35 000 pessoas para o trabalho. Durante toda a temporada de farra, 1 500 agentes de trânsito se dedicam à orientação do tráfego e ao bloqueio e desbloqueio de vias; e são 25 os reboques destinados a remover veículos estacionados em lugares indevidos. Ao mesmo tempo, 7 500 guardas municipais zelam para que os foliões mais exaltados, que bebem demais, brigam e urinam nos muros, não atrapalhem a brincadeira — coisa que nem sempre conseguem. “Até pouco tempo atrás, era comum achar que esse tipo de manifestação popular não deveria estar sujeito a um controle rigoroso, pois isso poderia comprometer seu caráter festivo”, afirma Rita Fernandes, da Liga Sebastiana, que congrega dezenas de blocos da cidade. “A verdade é que somos tantos e atraímos tanta gente que se tornou fundamental ter uma organização rigorosa”, diz. Com  isso, quem ganha é o folião. Se no passado os blocos decidiam quando, onde e como iriam sair, sem trajeto predeterminado e sem nenhuma infraestrutura de apoio, hoje a situação é outra. “Como há acordos que são cumpridos e as informações são amplamente divulgadas, a vizinhança consegue se preparar com antecedência, e o folião pode escolher onde quer se divertir com tranquilidade”, observa Antônio Pedro Figueira de Melo, secretário especial de Turismo da cidade. É bom lembrar que, por melhores que sejam a estrutura e o ordenamento, é essencial que cariocas e turistas que brincam nas ruas colaborem, cada um no bloco favorito e com a fantasia que melhor lhe convier. Mas sempre mantendo o bom-senso e respeitando os moradores e a cidade, nessa festa que é a cara do Rio. 

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