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Camarotes com convite pago conquistam seu espaço na Sapucaí

Com ingressos a preços altos, shows de funk e bufês de chefs premiados, espaços viram programa insólito no templo sagrado do samba

Por Daniela Pessoa e Saulo Pereira Guimarães
Atualizado em 26 jan 2018, 14h44 - Publicado em 25 jan 2018, 07h00
(Camarotte Allegria/Divulgação)

Desde que a promoter Carol Sampaio pisou pela primeira vez na Marquês de Sapucaí, há 23 Carnavais, muita coisa mudou na passarela do samba. Naquele longínquo 1995, quando ela ainda era uma meninota de 12 anos e já defendia as cores da Grande Rio no asfalto, a passarela tinha como ícone da ostentação momesca o camarote da cervejaria Brahma, espaço criado por Ricardo Amaral e pelo empresário paulistano José Victor Oliva, com cerca de 200 metros quadrados. Anos depois, já como promoter reconhecida, Carol trabalhou no poderoso complexo, um mamute que chegou a ter 4 000 metros quadrados lotados de celebridades nacionais e internacionais que se esbaldavam em meio a shows, muita comida e bebida e abasteciam o anedotário mundano da cidade por semanas. Hoje, aos 35 anos, a flamenguista fanática é dona do próprio cercadinho vip (ou melhor, cercadão). Batizado de Nosso Camarote, o espaço tem como sócios Ronaldo Fenômeno e Gabriel David, promotor de eventos ligado ao empresário Thiago Magalhães, marido da cantora Anitta. E marca uma espécie de divórcio com Oliva, o antigo parceiro de Carol. Juntos, estiveram em 2017 à frente do Camarote N1, um sucessor do falecido Camarote da Brahma, encerrado em 2014 e transformado em Camarote da Boa entre 2015 e 2016. “Respeito muito o Oliva, mas ele tem o mesmo formato de camarote há vinte anos. Nunca teria a minha cara”, diz Carol. O ex-parceiro, que mantém o N1, encara o movimento como algo natural.

Das grandes cervejarias, apenas a Itaipava resiste no Sambódromo com o modelo de espaço restrito a convidados. A grande maioria dos camarotes, à exceção daqueles das escolas de samba e de um ou outro mantido por marcas e empresas para relacionamento com clientes e fornecedores, adotou o modelo de negócio escorado na venda de ingresso associada às cotas de patrocínio. No caso do Nosso Camarote, foram investidos pelos sócios cerca de 8 milhões de reais, que sustentarão o espaço, localizado em uma área nobre no setor 10 da avenida, em frente ao segundo recuo da bateria e logo abaixo da última cabine dos jurados. Nos intervalos, os convivas balançarão no embalo de estrelas como Luan Santana, Ludmilla, Iza, Preta Gil e Aviões, dentro de uma tenda especialmente montada no lugar, com um pé-direito de 6 metros. O bufê ficará a cargo do restaurante Capim Santo, premiado na categoria melhor brasileiro pelo especial VEJA RIO COMER & BEBER 2017.

Confira lista de camarotes da Sapucaí com convites à venda

Obviamente, tanta mordomia não custa pouco. Os 1 800 ingressos disponíveis a cada noite custam entre 800 e 1 950 reais, dependendo do dia da folia. E os retardatários ainda têm boas chances de conseguir entrar na festa, pois ainda há muitos tíquetes disponíveis (40% segundo os organizadores). “O Carnaval no começo de fevereiro é sempre assim. As pessoas viajam no réveillon e só compram na última hora”, analisa Carol. Amigos e conhecidos dos sócios têm atuado como agentes informais de venda, mesmo aqueles que ninguém gosta de assumir como sendo parte do seu círculo mais íntimo. É o caso de Bárbara Cunha. A filha de Eduardo Cunha vem divulgando em suas páginas nas redes sociais um código promocional para a compra de entradas do Nosso. “Eu soube disso, mas não sei como ela veio parar entre nós”, desvencilha-se a promoter.

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Com a caça acirrada por vips e foliões endinheirados dispostos a pagar pela farra, não há limite na agressividade para atrair convivas. Ao todo são dez empreendimentos semelhantes e entradas que podem chegar a 5 990 reais. O que não faltam são futricas que dão conta de que esse ou aquele camarote não se sustenta até a Terça-Feira Gorda ou que os sócios estão em pé de guerra. “Já inventaram muita fofoca para tentar minar a nossa estreia. Pelo que falaram, o Ronaldo já teria saído da sociedade umas cinco vezes. Isso só mostra como tem gente pequena preocupada em queimar o outro em vez de fazer o próprio trabalho”, alfineta Carol.

À margem do diz que diz há muita gente disposta a ousar no palco mais cintilante do samba. Recém-chegada ao Rio, a badalada casa noturna curitibana Wood’s, especializada em sertanejo, estreia na Sapucaí com um camarote para 800 pessoas por noite. Localizada no setor 8, a área vip recebeu o aporte de 4 milhões de reais e, por mais paradoxal que pareça, terá, entre os desfiles, shows das duplas Thaeme & Thiago, João Bosco & Vinicius e Fernando & Sorocaba. Haverá ainda espaço para o funk (paulistano) com a apresentação de MC Livinho. Os ingressos começam em 680 reais nas noites menos concorridas e dão direito a bufê e open bar, bem como serviços de corte de cabelo e de barba e maquiagem. “A Sapucaí vem passando por uma renovação muito interessante, o público está mais jovem e antenado. Estamos plantando a semente para permanecer por muitos e muitos anos na avenida”, afirma José Carvalho, um dos sócios da filial carioca da boate.

Outra novidade é o Camarote Rio Exxperience (com dois “x” mesmo), no setor 7, aberto ao público pela primeira vez. Antes, os ingressos eram vendidos apenas a empresas. “Estamos trabalhando com um público com média de 40 anos e um atendimento mais exclusivo. Não teremos festas com DJs, por exemplo”, explica Marco Antônio Barizon. “Não queremos camarote cheio, apertado como os outros, com aquela garotada que só quer saber de beber e ficar muito louca”, completa. Entre as atrações do lugar estão o sambista Pretinho da Serrinha, o pianista Cristelo, sucesso no camarote vip do último Rock in Rio, e o bufê do chef Pedro de Artagão, com harmonização de espumantes. O mestre-cuca ainda assina o menu do Camarote Lounge Rio, no mesmo setor, que segue o modelo do concorrente. “Neste ano, vamos abrir também na Quarta-Feira de Cinzas para acompanhar a apuração. Teremos a festa Feijuca, que já tem quase 3 000 interessados. Detalhe: só podemos vender 800 tíquetes”, comemora Tiago Viegas, um dos sócios.

O desfile das escolas de samba ainda acontecia na Avenida Presidente Vargas quando surgiu o Rio Samba e Carnaval, em 1976. O camarote foi pioneiro em oferecer um local privilegiado para que endinheirados assistissem à folia com o máximo de conforto possível. “Uma vez tive de adaptar nossas camisetas às pressas, porque éramos patrocinados por uma montadora e recebemos executivos de outras três, que não queriam vestir a marca da concorrente”, conta Maurício Mattos, criador do espaço. Em 1990, o Camarote da Brahma instituiu o início da era de ouro desse tipo de área patrocinada. Logo em seu primeiro ano, o cercado da cervejaria teve Silvio Santos e Xuxa entre seus 800 convidados. A partir de então, era dali que jogadores de futebol, artistas e personalidades em geral curtiam a folia, protagonizando episódios que renderam histórias memoráveis (veja o quadro acima). “Os camarotes se tornaram espaços de relacionamento, lugares para ver e ser visto”, explica Heron Schneider, gerente de vendas da Liesa há 25 anos. Segundo ele, era comum que muitas empreiteiras alugassem salas para receber políticos e outras autoridades.

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Em 2011, a reforma do Sambódromo para sediar as provas de tiro com arco e servia como ponto de chegada da maratona na Rio 2016 acrescentou quatro módulos ao lado par da passarela e transformou o perfil da avenida. A profundidade das novas salas no lado par dobrou: foi de 6 para 12 metros. Elas, no entanto, apesar de maiores, mantêm distante da pista parte dos ocupantes e são caras demais para os antigos frequentadores, aficionados que só querem ver o show de perto. O resultado é verificável em números. “Hoje, 70% dos camarotes são alugados por produtores ligados ao ramo de entretenimento”, afirma Schneider. Isso equivale a cerca de 250 dos 354 ambientes disponíveis para a montagem de áreas vips na Sapucaí. Com lugar de sobra na passarela e dinheiro em falta nas empresas, a solução encontrada pelos promoters foi a venda de ingressos a um público interessado em desfrutar o desfile como parte de uma experiência mais rica, estratégia que se tornou cada vez mais comum a partir de 2013. Desde o ano passado o N1 (antigo Camarote da Brahma) adota a prática, que dedica menos esforço à caça de celebridades, contratadas por cachês polpudos para enfeitar o local, e mais atenção a outros detalhes. “O camarote hoje tem de ser como um quiosque de praia, com boa música, clima de azaração e atrações que façam as pessoas ter vontade de voltar”, explica Oliva, o dono do espaço.

Se o modelo de um único patrocinador pagando todas as contas é ultrapassado, o estilo camarote-business ainda enfrenta ajustes. Enquanto pioneiros da fórmula de venda de ingressos, como o Folia Tropical, já seguem a trilha do lucro, os recém-chegados ainda buscam o equilíbrio entre o custo e a receita. Há seis anos no formato, o Folia tem seis apoiadores em 2018 e costuma faturar entre 2,8 e 3,8 milhões por ano, ganho bastante animador. O Camarote N1, porém, fechou sua primeira versão com renda de tímidos 600 000 reais. Mas seus organizadores estão otimistas para este e os próximos Carnavais. Não à toa, investiram mais de 10 milhões de reais na folia de 2018, uma vez que luxo, bebida boa e comida de primeira são itens obrigatórios em um camarote digno desse nome.

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