Ovos com alta concentração de cacau são a grande aposta da Páscoa
Nesta Páscoa, prepare-se para ovos, barras e bombons à base de muito chocolate amargo, que os peritos consideram “o melhor”
Chocolate é, em sua forma mais elementar, o produto resultante da fermentação do cacau. Depois de colhida a fruta do pé, extraem-se suas sementes, que, colocadas para secar ao sol, desenvolvem aromas e sabores naturais. São então torradas, descascadas e moídas até formar uma pasta que dá origem ao alimento puro, com as características da região onde brotou — o tão valorizado terroir, termo amplamente empregado no mundo dos vinhos. Assim como vários produtos vendidos nos supermercados, a matéria-prima muitas vezes é dissolvida em grandes quantidades de gordura, açúcares e outros complementos para ganhar escala — realidade, porém, que parece começar a mudar. Com base no que já se avista nas prateleiras, a Páscoa deste ano promete ser mais amarga — no bom sentido. Nunca se viram tantos ovos, coelhinhos e tabletes com alta concentração de cacau. “Um caminho que deve continuar a ser trilhado pelo setor nos próximos anos”, avalia Waldeck Araújo Júnior, diretor da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira.
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Feito com fartas dosagens de cacau de origem — aquele proveniente de uma determinada região —, esse tipo de chocolate (“fino”, “premium”, “grand cru”, as nomenclaturas são muitas) não apenas proporciona sensações prazerosas ao paladar, como também é benéfico à saúde e contém uma bem-vinda dose de responsabilidade social. Nesse apetitoso universo, há um movimento hoje em alta conhecido como bean-to-bar, ou do grão ao tablete, quando o mestre chocolatier compra suas amêndoas direto dos agricultores e fica à frente de todas as demais etapas da produção. “Enquanto o setor cresce 2% ao ano, o segmento de bean-to-bar aumenta acima de 10%”, afirma Estevan Sartorelli, CEO da Dengo, marca paulistana dona de três boutiques no Rio, duas na Barra e uma no Leblon. Para a Páscoa, puseram em linha duas versões mais intensas do ovo clássico: uma com 65% de cacau e sem adição de açúcares, a outra com 70% e recheada de trufas… amargas.
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Chocolates com alto teor de cacau estão avançando mundo afora — e isso também tem a ver com as vantagens para a saúde. “É um ingrediente com concentração de flavonoide, substância que comprovadamente auxilia no controle da pressão arterial e da glicemia, além de fazer bem ao sistema cardiovascular”, enumera Ana Luisa Faller, do Instituto de Nutrição da UFRJ. Para maximizar esses efeitos no corpo, a proporção da fruta no tablete precisa ser elevada, a partir de 70%, e complementos como gordura e açúcar devem se ater ao mínimo. Atenta à demanda, a Cacau Show já vinha enveredando por essa linha desde 2017, com exemplares entre 52% e 85% de cacau. “De lá para cá, notamos um crescimento de quase 70% nas vendas desses chocolates”, conta a gerente de produtos Ana Luiza Costa.
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Subindo um degrau na busca pelo chocolate mais puro possível, a Cacau Show ainda deposita as fichas em barras feitas integralmente com o cacau plantado e extraído na fazenda Dedo de Deus, de sua propriedade, em Linhares, Espírito Santo (aliás, uma das três indicações geográficas para o cultivo da fruta no Brasil, junto com a região do sul da Bahia e Tomé-Açu, no nordeste do Pará). Além de generosas doses da matéria-prima, não levam nada de leite e são produzidas do começo ao fim por eles, em um curioso processo que pode ser acompanhado pelo visitante. Aí aterrissamos em outros daqueles conceitos modernos — o chamado tree-to-bar —, que indica o controle sobre o preparo, do plantio da árvore à fabricação do bombom. “Notícias sobre exploração infantil em lavouras da Costa do Marfim, o maior produtor do mundo, expuseram o lado cruel da grande indústria e acabaram impulsionando um movimento pela rastreabilidade do insumo. Tanto assim que multinacionais passaram a buscar certificação”, lembra Adriana Wiltgen, da carioca Cacau Noir, dona, desde o ano passado, de uma fazenda no município de Gandu, interior da Bahia. Lá funciona um centro de pesquisa onde estão plantadas 61 variedades, submetidas a estudos que envolvem caracterização de sabor e aroma, produtividade e resistência a doenças, além de testes de fermentação controlada.
Todo chocolate com volume superior a 50% de massa de cacau na receita pode ser classificado como amargo, definição que vai até os 75%. A partir daí, se encontram os “extra-amargos”. Já é possível achar no Brasil tabletes com até 100% de cacau em sua composição — esses são os mais puros e também os menos palatáveis para a turma sequiosa de um docinho. Criada em agosto de 2020, a carioca Maré Chocolates produz barras de elevado teor de cacau e zero de açúcar refinado, somente à base de adoçantes naturais. Da engrenagem na fábrica de Bonsucesso, participam apenas cinco pessoas, incluindo o proprietário, Roberto Maciel, que compra as amêndoas orgânicas diretamente de pequenos agricultores em Ibirapitanga, sul da Bahia. Os campeões de venda são os exemplares com 72% e 81%, mas até a opção 100% tem se saído bem. “Hoje ela já representa 10% do nosso faturamento. Foi uma surpresa”, reconhece Maciel, que identifica um público majoritariamente feminino (80%), entre 20 e 50 anos.
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A marca pioneira na fabricação de barras e bombons “de origem” no Rio foi a Q Chocolate, da família Aquim, em 2008. O ponto de partida foi a visita da chef Samantha Aquim à Fazenda Leolinda, a 50 quilômetros de Ilhéus. “Ela voltou com uma visão completamente diferente do que era o verdadeiro mundo do chocolate”, conta Rodrigo Aquim, irmão e sócio na empreitada. Lançada em 2009, a receita carioca ganhou o mundo e já foi até degustada pela rainha Elizabeth II e pelo papa Francisco. Para não deixar tão deliciosa saga desaparecer com o tempo, eles acabam de lançar o livro A Invenção do Sabor. No prefácio, o estreladíssimo francês Alain Ducasse escreve: “Decididamente, o chocolate é uma história de amor. E, quanto mais se aprende acerca dessa maravilha da natureza, que precisa de um longo trabalho humano para se exprimir, mais ela faz jus a nossa paixão”. Palavra de chef.
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