A importância dos projetos sociais nas Olimpíadas de Tóquio
A importância de projetos sociais como o instituto reação, criado pelo ex judoca Flávio Canto e outras iniciativas mais uma vez fazem a diferença.
A Olimpíada de 2016 no Rio de Janeiro fez surgir uma discussão no momento em que o país já vivia uma divisão político-social: a importância dos projetos sociais na formação de atletas olímpicos. E muito desse debate baseou-se em duas medalhas de ouro, a de Robson Conceição no boxe e a de Rafaela Silva no judô, ambos primeiros medalhistas de ouro em suas categorias. Tanto Rafaela quanto Robson são frutos de projetos sociais.
Robson Conceição, da Bahia, é um exemplo de como os projetos sociais podem transformar a vida de muitos jovens. Após a final olímpica no Rio, o atleta afirmou que, não fosse o projeto social do qual participou, talvez nem estivesse vivo, pois cresceu em um lugar de grande violência onde ele próprio se envolvia em muitas brigas. Na ocasião, Robson posicionou-se contra a redução da maioridade penal e pediu mais apoio aos jovens que crescem em meio a desigualdades sociais.
Rafaela Silva, primeira medalhista de ouro no judô, é fruto de um dos projetos sociais mais respeitados do Rio de Janeiro, o Instituto Reação, liderado pelo ex-judoca Flavio Canto. O projeto existe desde 2003 em algumas favelas cariocas, entre elas a Rocinha, uma das comunidades que registram as maiores desigualdades no Rio. Foi lá que ocorreu o maior surto de tuberculose da cidade e de lá vem um grande número das frequentes notícias de violência que acometem o Rio. O projeto tem como objetivo formar faixas pretas dentro e fora do tatame. Rafaela, cria da Cidade de Deus, ressaltou a importância e o impacto do projeto Reação em sua vida. Em meio à violência e à falta de acesso a necessidades básicas, o projeto transformou Rafaela em medalhista olímpica e uma das maiores atletas olímpicas do Brasil.
O que Robson e Rafaela têm em comum? Ambos vieram de periferias tomadas pela violência e conseguiram sobreviver através das artes marciais, tornando-se campeões olímpicos. Muitas pessoas ainda consideram o boxe, o judô, o jiu-jitsu e outras artes marciais como uma forma de violência, mas esquecem que as artes marciais incorporam um senso de disciplina que poucas modalidades têm, transformando violência e agressividade em autocontrole, qualidade de vida e respeito ao próximo. Essas artes marciais, quando ministradas por grandes professores, têm um potencial de transformação incrível para quem cresce em meio à violência. Rafaela e Robson são dois casos de sucesso.
Quando a Olimpíada do Rio acabou, esperávamos que grandes empresas e governos aportassem recursos a esses projetos sociais, que os clubes do Brasil apoiassem os atletas desde a sua preparação para os jogos olímpicos. Entretanto, esses clubes, em lugar de desempenhar o papel de formação de base, recebem os atletas já prontos dos projetos sociais, que não contam com o suporte necessário para seguir lutando contra as desigualdades sociais.
Quando se fala de políticas públicas direcionadas à juventude, o Brasil ainda deixa muito a desejar. Vivemos em um país onde, a cada 23 minutos, um jovem negro morre vítima da violência. As investigações não conseguem encontrar os culpados para grande parte dessas mortes, que são resultado do racismo institucional que existe no país. No Rio de Janeiro, mais de 25% dos jovens não estudam nem trabalham.
São mais de 800 mil jovens largados à própria sorte e a grande maioria deles vem das favelas, onde falta acesso ao esporte. Se houvesse acesso ao esporte nessas comunidades, muitos desses jovens teriam a oportunidade de trilhar caminhos diferentes em suas vidas, uma vez que o intuito de projetos sociais voltados para as artes marciais é criar cidadãos que enxerguem a vida além de sua realidade diária.
Em Tóquio, ficou ainda mais nítido o abandono aos nossos atletas olímpicos. Um breve levantamento sobre os atletas que disputaram a Olimpíada mostrou que dos 309 atletas olímpicos, 131 não contaram com patrocínio, 41 fizeram vaquinha para ir ao Japão e 33 não conseguem viver do esporte. Esses números demonstram a falta de compromisso com esses atletas e com o esporte e mostram mais uma vez que, não fossem os projetos sociais, não teríamos conquistado as medalhas que conquistamos. Um dos maiores exemplos é a ginasta Rebeca Andrade, que começou no esporte aos quatro anos de idade em um projeto social em São Paulo.
Isaquias Queiroz da canoagem foi descoberto em um projeto social já extinto. No boxe, mantendo a tradição, Hebert Conceição e Abner Teixeira são crias de projetos sociais da Bahia e de São Paulo. Alisson Piu, medalha de bronze no atletismo, também vem de um projeto social em São Paulo. A maioria dos projetos dedicados ao skate, que conquistou três medalhas de prata no Japão, são projetos sociais.
O sucesso dos atletas brasileiros demonstra mais uma vez a necessidade de apoio aos projetos sociais, em especial de grandes empresas. Enquanto esse apoio não vem, devemos continuar a exaltar a importância dos projetos sociais que trabalham todos os dias na formação de medalhistas olímpicos, fortalecendo a cidadania desses jovens que só são lembrados pela sociedade quando cometem erros. O que nos dá esperança é que os jovens atendidos por esses projetos reconhecem o esforço e o valor dos projetos sociais, contrariando um discurso descabido de meritocracia que muitos insistem em exaltar em um país tão desigual quanto o Brasil.