Uma conversa com Ivan Sugahara sobre Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir, espetáculo do grupo Os Dezequilibrados laureado no Prêmio Cesgranrio
Encenada no ano passado, a montagem do grupo Os Dezequilibrados para o drama Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir, de Tennessee Williams, consagrou-se como a grande vencedor da última edição do Prêmio Cesgranrio, cujos troféus foram entregues no último dia 27. Além da láurea mais importante, de melhor espetáculo do ano, […]
Encenada no ano passado, a montagem do grupo Os Dezequilibrados para o drama Fala Comigo como a Chuva e me Deixa Ouvir, de Tennessee Williams, consagrou-se como a grande vencedor da última edição do Prêmio Cesgranrio, cujos troféus foram entregues no último dia 27. Além da láurea mais importante, de melhor espetáculo do ano, a produção também levou o prêmio de melhor iluminação, para Renato Machado. Dirigido por Ivan Sugahara, o espetáculo ocupou todo um casarão na Ladeira da Glória, por cujos cômodos os dois únicos atores em cena, Ângela Câmara e Saulo Rodrigues, transitavam na companhia dos espectadores.
O blog conversou com Sugahara sobre o espetáculo, que, por enquanto, não tem previsão de retorno. Confira.
Como surgiu a ideia de montar essa peça?
Há muito tempo eu tinha vontade de montar algo do Tennessee Williams. Lendo textos dele, reli essa peça que eu conhecera tempos atrás e ficara encantado. Trata-se de um texto curto, conciso e potente a respeito de um relacionamento em crise. Aliado a isso, Saulo e Ângela são meus parceiros há mais de dez anos na companhia Os Dezequilibrados, e nutríamos essa vontade de realizar um espetáculo com eles fazendo um casal. Na verdade, eles já foram casados, tiveram um filho juntos e após a separação, transformaram a relação deles em uma linda amizade. Eram, portanto, os atores ideais pra fazer esse texto. Porque possuem uma intimidade profunda, o que contribuiu em muito para dar conta da complexidade do casal da peça.
A ideia, desde o início, era de montar a peça nesse esquema atípico, itinerante, em uma casa? Ou chegou a se pensar em montar em um palco normal?
Desde o início a ideia era essa. Há uma continuidade e um aprofundamento de uma pesquisa que desenvolvemos na companhia desde os nossos primeiros trabalhos, há dezenove anos. Trata-se de buscar uma espécie de recolocação espacial da cena, com peças em espaços não convencionais ou que subvertem a ocupação do edifício teatral. Utilizando procedimentos como a itinerância, a interatividade e a proximidade com o espectador, a companhia vem buscando deslocá-lo de uma posição basicamente observadora, exterior ao espetáculo, para outra em que ele se integra à cena, estando dentro do espetáculo e, em alguma medida, fazendo parte dele.
Como foi a busca pelo local que receberia a peça?
Na verdade, o local veio antes da peça. Faz parte da nossa pesquisa a procura de lugares interessantes para a encenação de espetáculos. Eu já conhecia a Casa da Glória há muito tempo. Ensaiei diversas peças lá e fiz uma montagem de formatura da CAL, que itinerava por toda a casa. Sou apaixonado por aquele local, é um casarão do século XVIII. Eu tinha muita vontade de usá-lo para um espetáculo da companhia. Quando decidimos montar Fala Comigo, imediatamente a Casa da Glória me pareceu o lugar ideal. A começar por sua piscina. O elemento da água é extremamente presente em Fala Comigo, e ter a possibilidade de usar uma piscina como elemento cênico era incrível. Fora isso, a casa possui também um pátio e um jardim lindos que em muito contribuíram para a beleza plástica que queríamos que o espetáculo tivesse.
Uma vez fechado com a casa, como foi o processo de ensaios? Em que sentido ele foi diferente dos ensaios em um teatro convencional?
Ensaiamos na casa desde o primeiro dia de ensaios e isso fez toda a diferença. Trata-se de uma criação a partir do espaço, pensando como aproveitar a espacialidade para potencializar o texto. Aos poucos fomos definindo exatamente quais cantos da casa e do seu exterior iríamos utilizar, o trajeto do público e, um dado muito importante, de onde queríamos que ele assistisse cada cena. O deslocamento do espectador pelo espaço permitiu que ele tivesse acesso a diversos pontos de vista das cenas, aproximando a vivência teatral da experiência cinematográfica.
Falando especificamente sobre a iluminação da peça, que foi premiada no Cesgranrio: o que você pode dizer sobre os desafios enfrentados ali?
Foram muitos os desafios. A começar pelo horário das apresentações. No processo de construção do espetáculo, definimos que a peça seria diurna. Isso porque nos ensaios pudemos conferir como a luz do sol contribuía pra embelezar a casa, criando reflexos na piscina, invadindo os cômodos e criando uma linda contraluz quando observávamos o pátio do segundo andar da casa. Deste modo, o Renato Machado, iluminador do espetáculo e antigo parceiro da companhia, teve que criar uma iluminação artificial que dialogasse com a luz do sol. Em diversos momentos, a busca foi justamente a de mimetizar os raios de sol penetrando dentro dos quartos da casa, numa clara referência aos quadros do pintor americano Edward Hopper. Mas também houve a busca de uma luz cenográfica em consonância com a direção de arte, com lustres e luminárias. Um outro desafio foi o fato de que, diferentemente de um teatro, não havia nenhuma estrutura de iluminação a ser aproveitada, portanto todo o suporte para a luz, a fiação, etc, absolutamente tudo teve que ser criado.
Você esperava receber o prêmio de melhor espetáculo do ano por essa peça? O que passou pela sua cabeça na hora do anúncio?
Já tínhamos concorrido a vários prêmios, mas esse foi o primeiro que ganhamos. Não esperava mesmo. Pelo contrário, tinha praticamente certeza de que não seríamos premiados. Sei da qualidade do trabalho, tivemos um retorno da crítica e do público muito positivos, mas havia outros trabalhos concorrendo que tiveram muito mais repercussão. A emoção e a surpresa no momento foram enormes. Passa um filme na cabeça. Lembrei-me de toda a nossa trajetória. Nós, que somos um grupo pequeno, apresentando espetáculos para plateias pequenas em espaços não convencionais, fomos reconhecidos. Trata-se, portanto, da confirmação e da celebração de uma história, de uma escolha de vida. Naturalmente ficamos todos muito nervosos na hora do agradecimento, lembro de muito pouco do que eu disse, mas lembro-me de dizer: “Os Dezequilibrados são a minha família, os meus maiores parceiros de trabalho e os meus melhores amigos.” Acho que isso dá conta de tudo.
O que essa peça representa na trajetória dos Dezequilibrados?
Penso que é o nosso melhor trabalho. O que me dá ainda mais alegria por justamente ter sido esse o espetáculo vencedor do prêmio. É o 18º espetáculo do grupo. De modo que ele carrega um traço de maturidade, seja dos integrantes do grupo, como pessoas e como artistas, afinal, tínhamos cerca de vinte anos no início da companhia e agora estamos nos aproximando dos quarenta!, seja da pesquisa de linguagem desenvolvida pela companhia. Há, portanto, uma depuração de uma série de linhas de trabalho. Mas não é um ponto de chegada, ainda temos muito o que fazer e o que avançar. Já estamos, por exemplo, ensaiando um novo espetáculo que estreia em junho deste ano. É um momento especial, de alegria pelo que conquistamos, da certeza de estar percorrendo um bom caminho, de olhar pra trás com orgulho e olhar pra frente com tesão.
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