Uma conversa com Domingos Montagner, que estreia Mistero Buffo no Rio
Estrela da próxima novela da Globo, Sete Vidas, Domingos Montagner estreia no Rio a comédia Mistero Buffo, na terça (10), no Teatro Poeira. A peça do italiano Dario Fo, de 1969, é originalmente uma antologia de mais de vinte monólogos. Nesta montagem do Grupo La Mínima, formado por Domingos e Fernando Sampaio, quatro deles foram […]
Estrela da próxima novela da Globo, Sete Vidas, Domingos Montagner estreia no Rio a comédia Mistero Buffo, na terça (10), no Teatro Poeira. A peça do italiano Dario Fo, de 1969, é originalmente uma antologia de mais de vinte monólogos. Nesta montagem do Grupo La Mínima, formado por Domingos e Fernando Sampaio, quatro deles foram escolhidos e adaptados para a encenação a dois: A Ressurreição de Lázaro, O Cego e o Paralítico, O Louco e a Morte e O Jogo do Louco aos Pés da Cruz. Todos os textos representam histórias bíblicas recriadas pela visão popular.
Conversei com Domingos para o blog. Confiram:
Você pode contar como foi a gênese desta montagem de Mistero Buffo?
Dario Fo é um ícone, para mim pelo menos, desde que conheci sua obra, isto foi quando assisti a Morte Acidental de um Anarquista, nos anos 80, direção de Antonio Abujamra. Quando saiu no Brasil Manual Mínimo do Ator, já começávamos a ter acesso pela internet às suas atuações. Seus conceitos, sua obra foram se tornando algo meio obsessivo. À parte que Dario é um grande admirador do circo e dos palhaços. Portanto, para mim, montar Mistero Buffo com o La Mínima tornou-se um objetivo muito claro porém que carecia de maturidade da dupla. Quando decidimos encená-lom convidamos Neyde Veneziano, profunda conhecedora de sua obra e de seus conceitos, tendo trabalhado diretamente com ele e com Franca em Milão, por ocasião da construção de sua tese de mestrado. Os quadros foram escolhidos de acordo com nossa visão, de seu impacto no público brasileiro. Sendo todos de temática religiosa, com quadros sobre papas, passagens bíblicas, santos, poemas medievais, escolhemos quatro que falam sobre a trajetória de Jesus Cristo, assunto mais próximo de uma interpretação para nosso público.
Para quem só conhece o seu trabalho na televisão, normalmente é uma surpresa saber que você tem longa experiência com a arte da palhaçaria. Como isso começou na sua vida e o que a arte do clown o ensinou como artista?
Comecei no circo nos anos 80, quando já estava no teatro e tínhamos em São Paulo uma das primeiras escolas de circo do país, o Circo Escola Picadeiro, com meu grande mestre Roger Avanzi, o palhaço Picolino. Vivíamos no teatro uma busca pela retomada da importância do ator, o circo e o chamado “teatro físico” eram vertentes estéticas fascinantes para as novas linguagens. Lembrando que estamos falando de anos 80! Quem quisesse aprender circo nesta época tinha que ser de família ou fugir com o circo. Não havia a realidade de escolas de circo como hoje. Além disto, também fui para o teatro de bonecos, onde aprendi a importância do lúdico na construção da linguagem teatral. A arte do palhaço é muito exigente. É necessária uma grande disciplina e uma prática intensa para se atingir uma excelência. A generosidade, a precisão e a comunicação com o público, são exigências desta arte que carrego sempre como referência em todo trabalho que realizo.
Muitas montagens de peças de Dario Fo (no Brasil, A Descoberta das Américas, com Julio Adrião, e Il Primo Mirácolo, com Roberto Birindelli, por exemplo) são feitas com os atores em figurinos neutros, sem caracterização visual, desdobrando-se em vários personagens. Como é esse desafio pra você em Mistero Buffo?
A obra de Dario Fo é muito variada e há espetáculos que possuem figurinos e cenários deslumbrantes, inclusive desenhados por ele. Sua obra é voltada para a cena, para o ator, o “fabulattore”, o contador de histórias. Na sua concepção, o ator precisa dominar e utilizar os próprios recursos para encantar o público: a voz, o corpo, a máscara. Em Mistero Buffo, procuramos manter este princípio que está no jogral medieval, origem desta obra. Para nós foi um grande desafio transformar estes monólogos em cenas para três palhaços, sem perder a essência original. E é um grande prazer ver a força do teatro ao comprovar que esta é a arte de reunir pessoas para contar histórias.
O que esses monólogos de 1969, baseados em história bíblicas, têm a nos dizer hoje em dia?
Uma das características dos clássicos é atemporalidade. Mistero Buffo é um clássico contemporâneo. Em qualquer de seus quadros podemos identificar uma fato, um comportamento, uma classe social representada. Nos quadros escolhidos para nosso espetáculo, a exploração da fé, o culto desmedido às celebridades e a ganância exacerbada pelo dinheiro são exemplos da força desta obra que já atravessa décadas. Não sei se isso é bom ou ruim, pois constatamos que pouca coisa mudou.
Mudando de seara, o que você pode nos dizer sobre Sete Vidas, sua próxima novela, e o personagem que você interpreta? Como foram as gravações na Patagônia?
É uma novela que aborda uma temática bastante realista, atual, a formação da nova família, e meu personagem é o agente dos conflitos oriundos de situações que envolvem este tema. Um personagem introspectivo e aventureiro, calado e carismático, avesso à família e casamentos e tem sete filhos. Portanto um personagem pra lá de complexo, um grande e prazeroso desafio. As gravações foram maravilhosas, trinta dias que deram início ao reconhecimento da novela em todos os aspectos: estéticos, técnicos e de relação humana. Temos uma equipe incrível e comprometida e estamos buscando contar uma história. Acreditamos que isto vá envolver o público, o prazer de escutar uma história. E nesta viagem maravilhosa, foram muitos momentos impactantes, porém o mergulho nas águas geladas da Patagônia na cena do resgate, realmente ficará no meu álbum de memórias.
Como você lida com o rótulo de galã, que às vezes é colado à sua imagem? É algo que o incomoda?
Tenho uma larga história, me formei longe deste rótulo e não acredito sinceramente que estou aqui por causa dele. São comportamentos típicamente cultuados na TV e no cinema. Se estou trabalhando nestes suportes, estou suscetível a estas classificações. Não me incomoda porque não penso nisto quando começo um trabalho. Cabe ao ator, quando constroi seu personagem, acreditar nesta fantasia ou no seu ofício para conduzir sua criação.