Uma análise das indicações ao Prêmio Shell no segundo semestre carioca
Divulgada na última segunda-feira (2), a lista de indicados ao Prêmio Shell do segundo semestre carioca não foi diferente de qualquer outra seleção do gênero: por trás de nomeações indiscutíveis, ouviu-se, como de hábito, o burburinho de gente chiando contra os eventuais esquecimentos e injustiças. Como todo mundo ligado em teatro, eu também tenho minhas […]
Divulgada na última segunda-feira (2), a lista de indicados ao Prêmio Shell do segundo semestre carioca não foi diferente de qualquer outra seleção do gênero: por trás de nomeações indiscutíveis, ouviu-se, como de hábito, o burburinho de gente chiando contra os eventuais esquecimentos e injustiças. Como todo mundo ligado em teatro, eu também tenho minhas opiniões, palpites e reclamações. Vamos por categoria:
AUTOR:
Jô Bilac, por Conselho de Classe
Julia Spadaccini, por A Porta da Frente
Rodrigo Portella, por Antes da Chuva
Em Conselho de Classe, Bilac acertou em cheio com um texto hilário, como se espera de uma comédia, e ao mesmo tempo prenhe de reflexões políticas, mas sem, felizmente, ser panfletário. Adotando uma postura semelhante, Julia pôs em A Porta da Frente um crossdresser não a serviço de uma apologia ao travestismo, mas de uma dramaturgia sólida. Por fim, em Antes da Chuva, Portella veio com um texto ao mesmo tempo simples e potente, fruto da pesquisa de sua Cia Cortejo sobre O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Gárcia Márquez. Não se discute o mérito dos três indicados, mas fiquei com a sensação de que Diogo Liberano merecia um lugar na lista por Maravilhoso, uma das melhores peças que vi neste ano, ousada e exitosa mistura de Fausto, de Goethe, com o carnaval carioca e Nelson Rodrigues. Entre os indicados, Conselho de Classe é o meu favorito.
DIREÇÃO:
Aderbal Freire-Filho, por Incêndios
Bel Garcia e Susana Ribeiro, por Conselho de Classe
Outra categoria em que senti falta de Maravilhoso, em que a direção de Inez Viana flertou com o clima dionisíaco do carnaval. Um exemplo de direção presente, marcante, mas a serviço do espetáculo. Da mesma forma, Inez também acertou em Nem Mesmo Todo o Oceano, montagem baseada no livro homônimo de Alcione Araújo. Amigas de longa data, Bel Garcia e Susana Ribeiro mostraram sintonia na condução de Conselho de Classe — gosto especialmente da ideia de colocar homens para interpretar as personagens mulheres, dando múltiplas possibilidades de interpretação. Ainda assim, fico com o impecável trabalho de Aderbal Freire-Filho à frente de Incêndios, sensível porém austero, emocionante sem ser melodramático, presente mas não vaidoso.
ATOR:
Daniel Dantas, por Quem Tem Medo de Virginia Woolf?
Enrique Diaz, por Cine_Monstro
Daniel Dantas é um colosso como o marido humilhado de Virginia Woolf, mas fico com o minucioso trabalho de Enrique Diaz, interpretando treze personagens em Cine_Monstro, mais um acerto do canadense Daniel MacIvor. Emilio Dantas não merecia entrar na lista, por Cazuza — Pro Dia Nascer Feliz, o Musical?
ATRIZ:
Bárbara Paz, por Venus em Visom
Laila Garin, por Elis, a Musical
Zezé Polessa, por Quem Tem Medo de Virginia Woolf?
Aqui, para mim, houve a injustiça mais gritante da lista. Onde está Marieta Severo, por sua atuação em Incêndios? As três escolhidas são ótimas, e louvo especialmente a indicação de Laila Garin por sua interpretação em um musical, gênero normalmente relegado por júris de prêmios teatrais. Mas a ausência de Marieta é chocante. De todo modo, entre as três, fico com Zezé Polessa.
CENÁRIO:
Aurora dos Campos, por Conselho de Classe
Joelson Gusson, por As Horas entre Nós
Não me lembro se Ah, a Humanidade! E Outra Boas Intenções, montagem de Murilo Hauser para o texto de Will Eno, estreou neste ano ou no fim do ano passado. Se a peça estiver entre as elegíveis, lamento a ausência do cenário de Valdy Lopes Jn e Rafael Faustini, algo como uma paisagem pós-devastação, com vários objetos espalhados e um até um poste tombado. O maravilhoso cenário de Vermelho Amargo, adaptação de Diogo Liberano e Dominique Arantes a partir da obra de Bartolomeu Campos de Queirós, imagino, não podia ser votado por ser de Bia Junqueira, uma das juradas do Shell. Outro que ficou de fora (não sei se a peça estreou fora do prazo) é o cenário de Fluxorama, de Jô Bilac, idealizado pelo estúdio Radiográfico — lindo, muito mais evocativo do que literal. Entre os dois indicados, minha aposta é para Aurora dos Campos.
FIGURINO:
Marília Carneiro, por Elis, a Musical
Tanara Schönardie, por A Importância de Ser Perfeito
Acho incrível o trabalho de Tanara em A Importância de Ser Perfeito, perfeitamente integrado ao espírito meio galhofeiro da montagem, mas o que Marília conseguiu em Elis é deslumbrante. Meu voto vai para ela.
ILUMINAÇÃO:
Maneco Quinderé, por Jim
Paulo Cesar Medeiros, por Venus em Visom
Voto no esfuziante trabalho de Maneco Quinderé, que valorizou tremendamente esse musical de bolso protagonizado por Eriberto Leão. Também dele é a iluminação de Elis, a Musical, que poderia tranquilamente estar na lista.
MÚSICA:
Delia Fischer, por Elis, a Musical
Ricco Vianna, por Jim
O trabalho de Ricco Vianna é ótimo e engrandece Jim, mas fico com Delia Fischer em Elis.
INOVAÇÃO:
Aderbal Freire-Filho, pela mobilização da classe teatral em busca da recuperação da Sociedade Brasileira de Autores (SBAT).
Movimento Reage Artista, por ampliar a participação dos artistas cariocas no planejamento cultural da cidade do Rio de Janeiro.
Sede das Companhias, pela dinamização do espaço com uma proposta inovadora de ocupação, promovida pelo encontro da Cia dos Atores, Os Dezequilibrados e Pangeia Cia de Teatro.
Dá pra ter empate?