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Rita Fernandes

Por Rita Fernandes, jornalista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca

Pautas ESG são incorporadas a blocos de rua e festivais, como o CasaBloco

Questões como clima, inclusão e diversidade têm tido destaque nas ações de Carnaval, como a contratação de JP, o primeiro DJ com Síndrome de Down

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Atualizado em 26 fev 2025, 19h10 - Publicado em 26 fev 2025, 17h37
Com 22 anos, João Pedro, síndrome de Down, fez sua estreia no line up oficial da CasaBloco.
Com 22 anos, João Pedro, síndrome de Down, fez sua estreia no line up oficial da CasaBloco. (Reginaldo Teixeira/RT Fotografia/Divulgação)
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Carnaval já está literalmente fervendo por aqui desde o fim de semana passado, quando centenas de blocos ocuparam as ruas da cidade. E é fervendo mesmo, pois além da animação, as altas temperaturas desse verão são um componente a mais na agitação da cidade maravilhosa. Não tem como não olhar para o tema da crise climática no contexto do carnaval de rua. Clima e carnaval vão ter que estar associados no planejamento tanto dos organizadores dos blocos, quanto no dos órgãos oficiais. Por isso, ações como a adoção de medidas de controle de emissões de carbono e de equipamentos como carros-pipa, para banhos do público – uma marca do Barbas desde a sua fundação –, deixam de ser alegóricos, para se tornarem itens de primeira necessidade.

No domingo, no Largo de São Francisco, no Centro, durante a apresentação do Fogo e Paixão, o banho de mangueira foi providencial para quem estava há horas no sol escaldante ali na praça. Ação de extrema importância também tem sido a distribuição de água potável para os foliões pela Cedae, bem como as borrifadas dos aguadeiros que a empresa disponibiliza para aliviar a quentura nesses dias de folia. Aliás, essa ação tende a ser ampliada por outras empresas agora nos dias de folia, que entenderam que podem participar dos desfiles de forma mais orgânica e não apenas com a hiper exposição de suas marcas.

Para reforçar esse compromisso, o Fogo & Paixão criou um grupo de trabalho, o GT de ESG, e decidiu adotar atitudes que contemplam cada uma das letras do ESG. Para o E, do inglês Environmental (Meio Ambiente), as ações estão voltadas para a redução da quantidade de lixo produzido, e também para a reutilização de materiais recicláveis e o consumo de forma mais responsável.

O bloco Fogo & Paixão criou um GT de ESG e decidiu adotar atitudes que contemplam cada uma das letras da sigla para ações sustentáveis e de inclusão.
O bloco Fogo & Paixão criou um GT de ESG e decidiu adotar atitudes que contemplam cada uma das letras da sigla para ações sustentáveis e de inclusão. (Ana Carvalho/Divulgação)
De alguma maneira, a mudança no formato do carnaval para as fanfarras também acabou ajudando nessa questão climática, já que esses blocos não fazem uso de trios elétricos – na sua maioria movidos a diesel e com uso de geradores por horas. Essa migração de formato não aconteceu exatamente por essa perspectiva da proteção ao clima, mas o impacto acabou sendo positivo.

A Orquestra Voadora, bloco que desfila na terça-feira de Carnaval, é um dos que vêm adotando medidas nesse sentido. Com tema inspirado em Ailton Krenak para seu 16º desfile, “Ideias para adiar o fim do mundo – O Carnaval como ferramenta criativa e de inovação para reimaginar um futuro possível”, o bloco propõe “uma reflexão sobre como a folia pode ser, também, um ato de resistência e um chamado à ação para um futuro mais justo e sustentável, promovendo ações de inclusão, sustentabilidade e impacto social”.

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Unindo-se a ativistas climáticos em prol de um futuro verde, adotou ações como gestão de resíduos, cálculo de emissões e compensação de carbono e reciclagem de fantasias, entre outras, para a realização de um desfile com o menor impacto ambiental possível. A pauta da inclusão também tem sido destaque nos blocos.  Na Voadora, há seis anos há uma ala totalmente voltada para pessoas com deficiência.

ESG NA CASABLOCO

A pauta da sustentabilidade e da inclusão também foi totalmente incorporada na recente edição da CasaBloco, que aconteceu no Jockey Club, no pré Carnaval. Apaixonado por música desde a infância, João Pedro Rocha, o DJ JP, estreou na abertura do festival, no dia dedicado ao samba.  Além de um ouvido atento, JP tem Síndrome de Down e vem aprendendo muito através da música. “Sempre gostei de ouvir música, e me inspirei em nomes como Lala K, Cyro, Doni, Pepe Jordão… No ano passado, eu me matriculei na Academia Internacional de Música Eletrônica (Aimec), para estudar e aprender a usar a mesa controladora e agora estou aqui”, conta o DJ de 22 anos, que fez sua estreia profissional ao lado de nomes como Tropicals, Pepe Jordão e Lala K, que além de ídolos, são seus amigos.

Professor e diretor da Aimec, Rafael Nazareth conheceu JP através da ONG Sorrindo RJ, programa socioeducativo voltado para adolescentes e adultos com Síndrome de Down e Autismo em processo de inclusão. “João Pedro vem de uma família muito musical. Ele faz aula há 8 meses comigo, e tem uma trajetória muito divertida e lúdica. Criamos a aula com base nas músicas que ele já curte, o que funciona muito bem. Meu trabalho tem sido ensinar como é ser DJ, a usar os equipamentos e aumentar a biblioteca dele. Hoje ele está apto para conduzir a pista para um grande número de pessoas, ele tem todas as ferramentas e possibilidades”, afirma Rafael.

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“A arte educa, transforma, modifica realidades, é movimento. Mas quando a gente vê tudo isso se materializar como com a participação de João Pedro, com síndrome de Down, como DJ num projeto importante como a CasaBloco, vemos como a arte tem essa obrigação de ser inclusiva. A presença de João, como de outras pessoas com síndrome no backstage, começa a mostrar a importância da inclusão dos jovens e que eles têm que viver essa realidade da cultura. Precisamos normalizar o que é para ser normal há muito tempo. Isso é um feito muito importante. Ter o DJ JP na programação aponta para um futuro inclusivo através da arte”, destaca André Brasileiro, diretor artístico do projeto.

As meninas com Síndrome de Down da equipe Sorrindo RJ trabalharam no receptivo e no apoio a artistas.
As meninas da equipe Sorrindo RJ trabalharam no receptivo e no apoio a artistas. (Divulgação/Divulgação)

No conjunto de ações de inclusão, a CasaBloco, ampliou a parceria com a ONG Sorrindo RJ, pelo segundo ano, fundamental na contratação de mais nove pessoas com Síndrome de Down para atividades de apoio ao receptivo e aos artistas. Para a realização do trabalho, foi proposto um treinamento anterior ao evento, em que todo o projeto pudesse ser apresentado às pessoas contratadas. Também foi realizada uma visita técnica ao local, para que pudessem se ambientar, entender os fluxos e se conectar com as demais equipes do projeto.

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“Sermos contratadas pela CasaBloco foi de uma importância imensa e abriu novos caminhos inclusivos. Os participantes tiveram, de fato, funções, e foram tratados como todos os outros profissionais envolvidos. Isso é fundamental para a confiança e autoestima deles. E carnaval é uma festa da diversidade, inclusiva na sua natureza”, diz Flavia Fabres, psicopedagoga e idealizadora da Sorrindo RJ. Voltada para adolescentes e adultos autistas e T21 (Síndrome de Down) que visam entrar no mercado de trabalho, a ONG legitima o processo de inclusão na medida em que estimula e desenvolve da melhor forma abordagens culturais, entretenimento, empregabilidade, sensibilização e bem-estar das pessoas com deficiência.

Também foram adotadas práticas relacionadas às questões climáticas, como compensação de créditos de carbono e obtenção do selo Carbono Neutro. Houve aproveitamento de materiais reciclados para a construção do cenário, idealizado pela Cenografia.net, com execução das artistas da ONG Escola de Divines, que recebe pessoas trans em situação de vulnerabilidade. Todos os materiais – antigos e novos – ao final do evento retornaram para nova reciclagem.

Realizar projetos dentro do ecossistema do Carnaval, seja um festival ou mesmo os desfiles dos blocos de rua, é ir além do que oferecer shows e entretenimento ao público. Temos tido, tantos nos blocos quanto em atividades como a CasaBloco, oportunidades reais de oferecer contribuições  ao meio ambiente, à inclusão e à promoção de condições que diminuam as desigualdades. Esse debate precisa ser ampliado para além dos dias de Momo. Bom Carnaval!

Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana, pesquisadora de cultura e carnaval.

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