Pautas ESG são incorporadas a blocos de rua e festivais, como o CasaBloco
Questões como clima, inclusão e diversidade têm tido destaque nas ações de Carnaval, como a contratação de JP, o primeiro DJ com Síndrome de Down

Carnaval já está literalmente fervendo por aqui desde o fim de semana passado, quando centenas de blocos ocuparam as ruas da cidade. E é fervendo mesmo, pois além da animação, as altas temperaturas desse verão são um componente a mais na agitação da cidade maravilhosa. Não tem como não olhar para o tema da crise climática no contexto do carnaval de rua. Clima e carnaval vão ter que estar associados no planejamento tanto dos organizadores dos blocos, quanto no dos órgãos oficiais. Por isso, ações como a adoção de medidas de controle de emissões de carbono e de equipamentos como carros-pipa, para banhos do público – uma marca do Barbas desde a sua fundação –, deixam de ser alegóricos, para se tornarem itens de primeira necessidade.
No domingo, no Largo de São Francisco, no Centro, durante a apresentação do Fogo e Paixão, o banho de mangueira foi providencial para quem estava há horas no sol escaldante ali na praça. Ação de extrema importância também tem sido a distribuição de água potável para os foliões pela Cedae, bem como as borrifadas dos aguadeiros que a empresa disponibiliza para aliviar a quentura nesses dias de folia. Aliás, essa ação tende a ser ampliada por outras empresas agora nos dias de folia, que entenderam que podem participar dos desfiles de forma mais orgânica e não apenas com a hiper exposição de suas marcas.
Para reforçar esse compromisso, o Fogo & Paixão criou um grupo de trabalho, o GT de ESG, e decidiu adotar atitudes que contemplam cada uma das letras do ESG. Para o E, do inglês Environmental (Meio Ambiente), as ações estão voltadas para a redução da quantidade de lixo produzido, e também para a reutilização de materiais recicláveis e o consumo de forma mais responsável.
A Orquestra Voadora, bloco que desfila na terça-feira de Carnaval, é um dos que vêm adotando medidas nesse sentido. Com tema inspirado em Ailton Krenak para seu 16º desfile, “Ideias para adiar o fim do mundo – O Carnaval como ferramenta criativa e de inovação para reimaginar um futuro possível”, o bloco propõe “uma reflexão sobre como a folia pode ser, também, um ato de resistência e um chamado à ação para um futuro mais justo e sustentável, promovendo ações de inclusão, sustentabilidade e impacto social”.
Unindo-se a ativistas climáticos em prol de um futuro verde, adotou ações como gestão de resíduos, cálculo de emissões e compensação de carbono e reciclagem de fantasias, entre outras, para a realização de um desfile com o menor impacto ambiental possível. A pauta da inclusão também tem sido destaque nos blocos. Na Voadora, há seis anos há uma ala totalmente voltada para pessoas com deficiência.
ESG NA CASABLOCO
A pauta da sustentabilidade e da inclusão também foi totalmente incorporada na recente edição da CasaBloco, que aconteceu no Jockey Club, no pré Carnaval. Apaixonado por música desde a infância, João Pedro Rocha, o DJ JP, estreou na abertura do festival, no dia dedicado ao samba. Além de um ouvido atento, JP tem Síndrome de Down e vem aprendendo muito através da música. “Sempre gostei de ouvir música, e me inspirei em nomes como Lala K, Cyro, Doni, Pepe Jordão… No ano passado, eu me matriculei na Academia Internacional de Música Eletrônica (Aimec), para estudar e aprender a usar a mesa controladora e agora estou aqui”, conta o DJ de 22 anos, que fez sua estreia profissional ao lado de nomes como Tropicals, Pepe Jordão e Lala K, que além de ídolos, são seus amigos.
Professor e diretor da Aimec, Rafael Nazareth conheceu JP através da ONG Sorrindo RJ, programa socioeducativo voltado para adolescentes e adultos com Síndrome de Down e Autismo em processo de inclusão. “João Pedro vem de uma família muito musical. Ele faz aula há 8 meses comigo, e tem uma trajetória muito divertida e lúdica. Criamos a aula com base nas músicas que ele já curte, o que funciona muito bem. Meu trabalho tem sido ensinar como é ser DJ, a usar os equipamentos e aumentar a biblioteca dele. Hoje ele está apto para conduzir a pista para um grande número de pessoas, ele tem todas as ferramentas e possibilidades”, afirma Rafael.
“A arte educa, transforma, modifica realidades, é movimento. Mas quando a gente vê tudo isso se materializar como com a participação de João Pedro, com síndrome de Down, como DJ num projeto importante como a CasaBloco, vemos como a arte tem essa obrigação de ser inclusiva. A presença de João, como de outras pessoas com síndrome no backstage, começa a mostrar a importância da inclusão dos jovens e que eles têm que viver essa realidade da cultura. Precisamos normalizar o que é para ser normal há muito tempo. Isso é um feito muito importante. Ter o DJ JP na programação aponta para um futuro inclusivo através da arte”, destaca André Brasileiro, diretor artístico do projeto.

No conjunto de ações de inclusão, a CasaBloco, ampliou a parceria com a ONG Sorrindo RJ, pelo segundo ano, fundamental na contratação de mais nove pessoas com Síndrome de Down para atividades de apoio ao receptivo e aos artistas. Para a realização do trabalho, foi proposto um treinamento anterior ao evento, em que todo o projeto pudesse ser apresentado às pessoas contratadas. Também foi realizada uma visita técnica ao local, para que pudessem se ambientar, entender os fluxos e se conectar com as demais equipes do projeto.
“Sermos contratadas pela CasaBloco foi de uma importância imensa e abriu novos caminhos inclusivos. Os participantes tiveram, de fato, funções, e foram tratados como todos os outros profissionais envolvidos. Isso é fundamental para a confiança e autoestima deles. E carnaval é uma festa da diversidade, inclusiva na sua natureza”, diz Flavia Fabres, psicopedagoga e idealizadora da Sorrindo RJ. Voltada para adolescentes e adultos autistas e T21 (Síndrome de Down) que visam entrar no mercado de trabalho, a ONG legitima o processo de inclusão na medida em que estimula e desenvolve da melhor forma abordagens culturais, entretenimento, empregabilidade, sensibilização e bem-estar das pessoas com deficiência.
Também foram adotadas práticas relacionadas às questões climáticas, como compensação de créditos de carbono e obtenção do selo Carbono Neutro. Houve aproveitamento de materiais reciclados para a construção do cenário, idealizado pela Cenografia.net, com execução das artistas da ONG Escola de Divines, que recebe pessoas trans em situação de vulnerabilidade. Todos os materiais – antigos e novos – ao final do evento retornaram para nova reciclagem.
Realizar projetos dentro do ecossistema do Carnaval, seja um festival ou mesmo os desfiles dos blocos de rua, é ir além do que oferecer shows e entretenimento ao público. Temos tido, tantos nos blocos quanto em atividades como a CasaBloco, oportunidades reais de oferecer contribuições ao meio ambiente, à inclusão e à promoção de condições que diminuam as desigualdades. Esse debate precisa ser ampliado para além dos dias de Momo. Bom Carnaval!
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana, pesquisadora de cultura e carnaval.