Não basta ser guerreiro, tem que ser highlander
Edital estadual da Lei Aldir Blanc deixa de fora Bola Preta, Sebastiana e Zé Pereira, importantes representações do carnaval de rua carioca
A gente diz que para trabalhar com cultura nesse país tem que ser guerreiro, mas vou além: tem que ser highlander. Hoje saiu o resultado dos projetos aprovados na Secretaria Estadual de Cultura para a Lei Aldir Blanc e muita, muita gente ficou de fora de um edital que deveria ser apenas para o seu propósito inicial: caráter emergencial. Explico: enquanto projetos que já existem e que precisavam de ajuda para sua continuidade ficaram de fora, outros novos – criados para aproveitar essa falsa janela – foram contemplados. Um edital chamado de “emergencial” não deveria ser confundido com um edital de “fomento”. São duas coisas distintas, objetivos e propósitos. Edital emergencial tem com conceito principal manter o que existe, em termos de pessoas e projetos.
E acabou acontecendo em todas as chamadas, seja a da retomada cultural, seja a de festivais. Chama especialmente atenção o fato do carnaval de rua ter ficado de fora do julgamento sabe-se lá de que árbitros. Projetos inscritos como o do Bola Preta, da Sebastiana e da Zé Pereira não serem contemplados não dá para entender. Alguns dos quesitos eram justamente histórico do trabalho, relevância cultural e capacidade de realização. Existe alguma dúvida sobre a relevância e o histórico do Bola? Dos blocos da Sebastiana, como Simpatia é quase amor, Suvaco do Cristo, Barbas, entre outros? Dos blocos da Zé Pereira, como Céu na Terra e Orquestra Voadora?? Não, alguma coisa ficou fora da ordem. E, sinceramente, não foi o que dependia dos realizadores do carnaval de rua carioca.
Tem uma prerrogativa que por si só já justificaria a escolha das mais importantes representações carnavalescas da cidade: o período de realização dos projetos é nos três primeiros meses do ano, o que cobre exatamente o período carnavalesco. Além disso, desqualificar projetos que fariam uma representação simbólica do carnaval num ano em que o próprio não poderá ser realizado, em função da pandemia, é não ter nenhuma dimensão crítica do que é a cultura dessa cidade.
Estamos todos muito indignados com esse resultado! São mais de mil profissionais que fazem o carnaval de rua, entre ritmistas, músicos, produtores, pernaltas e artistas de diferentes linguagens, que não terão qualquer alternativa esse ano, pela incapacidade de análise de um corpo julgador não especializado. Pela incompetência de um edital feito sem ouvir quem entende do riscado.
Para completar, a fase de recursos de notas, que deveria ter sido conduzida minimamente por um corpo curatorial muito experiente nas diferentes linguagens, parece não ter sido sequer realizada, pois a resposta para todos foi um control c + control v dizendo que as notas haviam sido mantidas, sem qualquer justificativa.
A verdade é que, desde o início, a construção dos editais da secretaria estadual de cultura do Rio de Janeiro para a Aldir Blanc foi equivocada, apesar da sinalização de grupos setoriais que se esforçaram em ajudar. Como o foi o caso da Abrafin – Associação Brasileira de Festivais e do Fórum Carioca de Blocos, nas chamadas de Festivais e na sugestão de um edital específico que contemplasse o carnaval. Foi oferecida ajuda técnica, inclusive, mas não adiantou. Deu no que deu.
Rita Fernandes é jornalista, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.