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Por Rita Fernandes, jornalista
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca
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Cardosão: a praça, a quadra e o armazém que viraram point cultural

Escondidos numa rua bucólica de Laranjeiras, o Armazém e a Quadra se tornaram reduto de várias gerações, com jazz, rodas de samba e MPB.

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Atualizado em 22 jul 2023, 18h36 - Publicado em 21 jul 2023, 17h25

Uma praça, uma quadra e um armazém resumem o famoso Cardosão. O lugar bucólico e escondidinho, em Laranjeiras, caiu no gosto e nas graças de cariocas de diferentes gerações, que descobriram seus encantos. Todos os dias da semana, de terça a domingo, lota com um público em busca de boa música, boa gastronomia, cerveja gelada e, acima de tudo, gente animada e bonita que enche o espaço. Tem ofertas musicais e de tribos que variam noite a noite, principalmente em função do ritmo.

O armazém no alto da Rua Cardoso Junior, fundado em 1954, ganhou ares de bar e até bem pouco tempo atendia apenas à vizinhança ali de Laranjeiras. Mas passou por uma reforma depois da pandemia, quando foi comprado por novos donos, que deram uma repaginada no local. Escondido lá alto da ladeira Cardoso Junior, o Cardosão tem ar de quintal. A própria rua já tem cara de cidade de interior, com suas casinhas. Completa o conjunto o bequinho sem saída que fica ao lado do Armazém, chamado Aparício Borges, onde tem também a pracinha e a quadra de futebol.

De repente, o bar começou a encher e tudo tem explicação. Além da delícia do lugar, a música de altíssima qualidade acabou levando até lá diferentes gerações. Primeiro foi o jazz, nas terças-feiras, com o baixista Ney Conceição, o baterista Erivelton Silva e Leo Amoedo, na guitarra.  O jazz começou em 2014, quando o Cardosão ainda era um armazém. Nas quartas, o grupo de músicos e outros amigos se reuniam para assistir o jogo do Flamengo com o antigo dono do bar, o Dudu. E aí surgiu a ideia de tocar nas terças, no formato de trio.

“Começamos a fazer uma música instrumental. O Dudu dizia que não tinha dinheiro para pagar, mas nós dissemos que tocaríamos pelo couvert. E aí começamos a fazer ali, só nós três”, conta Ney Conceição.

Em 2020, o Armazém foi comprado e passou por uma reforma. Os novos donos mantiveram o jazz e acabaram trazendo as rodas de samba das quintas-feiras, comandadas por Pedrinho Holanda e convidados, e a MPB das sextas, com Marcelo Ceará, fazendo um alvoroço naquele endereço que antes era pura calmaria.

Estive lá numa noite de junho em que chegou ninguém menos que Toninho Horta e deu uma canja que foi um verdadeiro show. Claro que teve “Manoel, O Audaz”, música conhecidíssima do compositor com o parceiro Lô Borges, que ainda contou com um timaço de músicos ali presentes: Carlos Malta (flauta), Erivelton Silva (bateria), Bernardo Bosisio (guitarra), Ney Conceição (baixo), Adaury Mothé (teclados), Jesse Sadoc (trompetes), Rafael Rocha (trombone), Gil Lima (sax alto), Baltha (sax tenor), e Tunico (sax soprano). Uma noite de ases do jazz e da música instrumental, coisa rara em todos os sentidos.

Nos sábados, o que prevalece é a gastronomia, com destaque para a tradicional feijoada, sempre servida fartamente para duas pessoas. Alguns projetos de músicos do bairro também ocupam a quadra, geralmente com rodas de samba, uma tradição do local. Muito conhecidas são as rodas do bloco carnavalesco Cardosão, que tem ali sua sede. Mas depois vieram outros grupos, como o Cozinha Arrumada, que no último sábado (16), lotou o lugar.

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Para dar vazão ao movimento que aumentou muito, o Armazém Cardosão contrata, por conta própria, operadores para controlar o trânsito nos dias de música, e tentar minimizar os transtornos com o excesso de carros.

A origem das coisas

Eu conheço o Cardosão há muito tempo, porque sou moradora de Laranjeiras desde a minha infância. Lembro das empadas divinas que a gente comia por lá. E da cerveja muito gelada, guardada naqueles antigos freezers de madeira, com portinha e tudo. Não havia muitas opções gastronômicas como as de hoje, em que podemos escolher entre bolinhos de cogumelos, pasteis chilenos de carne, croquetes de rabada e moelas ao molho, só para citar alguns. Mas sempre foi uma delícia estar ali.

Muitas rodas de samba também já foram realizadas no Cardosão, inclusive do bloco Imprensa que eu gamo, do qual faço parte, realizadas antes de o armazém ser repaginado. Mas quem deu o nome àquele local e que é a matriz de tudo ali é o bloco carnavalesco Cardosão de Laranjeiras, cuja sede e ponto concentração é aquela quadra. É de lá que eles descem no desfile que acontece toda terça-feira de Carnaval.

Muita gente pensa que o que deu nome ao local, hoje famoso, foi o nome da rua – Cardoso Júnior –, uma homenagem ao tenente-coronel Francisco José Cardoso Júnior, membro da mais alta cúpula militar do imperador Pedro II (que ninguém obviamente conhece). Quem batizou o local foi mesmo o bloco de carnaval. Como tudo Rio, o carnaval está nas entradas da cidade, nos bares e botequins, nas vielas e praças, nos locais onde se encontram os que gostam de folia e diversão.

“O armazém é uma das melhores recordações que eu tenho da minha infância. Nas sextas-feiras, a galera já começava a se juntar ali. Tinha o bar do Seu Zé, que ficava em frente ao Armazém do Cardosão, que era uma venda. A criançada ocupava aquele lugar e os mais velhos se juntavam para assistir aos jogos de tênis e Fórmula 1 pela TV. Tinha um senhor que sempre comprava doces e balas pra gente”, conta Douglas Wallace, que é descendente de D. Nadyr do Amaral, uma das fundadoras do bloco do Cardosão, do qual Wallace é presidente e mestre de bateria desde 2011.

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O Cardosão de Laranjeiras foi o primeiro bloco da Zona Sul a desfilar na Marquês de Sapucaí. Em 1978, antes mesmo da construção do Sambódromo, o mais antigo bloco de Laranjeiras em atividade se consagrou como campeão dos Blocos de Embalo, na rua onde depois veio a existir o Sambódromo. Os blocos de embalo desfilam ali.

A origem da agremiação, segundo Wallace, fica por conta das histórias passadas entre gerações, e o mais provável é que tenha sido criado no início da década de 1970. A herança veio de família: a mãe, Shirley Wallace, era Rainha da Bateria, e o pai, Jose Carlos do Amaral, era ritmista.

Qualquer dia da semana, o Cardosão é uma delícia de programa para quem busca boa música, boa gastronomia, ares de quintal e o melhor do Rio de Janeiro: a descontração da cultura de rua e gente muito animada.

Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de música, cultura e carnaval.

 

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