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Rita Fernandes

Por Rita Fernandes, jornalista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Um olhar sobre a cultura e o carnaval carioca

Arlindo Cruz: a força poética e percussiva do samba que moldou gerações

Com mais de 500 músicas gravadas, o maior partideiro carioca deixa como legado a transformação do pagode nacional.

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Atualizado em 15 ago 2025, 21h55 - Publicado em 15 ago 2025, 21h32
Arlindo Cruz
 (Divulgação/Divulgação)
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Arlindo Cruz é mais do que um sambista consagrado: ele é um capítulo inteiro da história da música brasileira. E não tem como falar de Arlindo Cruz sem passar pelo partido alto, pelo pagode, pelo Fundo de Quintal e pelo Cacique de Ramos. Por que Arlindo esteve e está em todas as partes da mitologia carioca do samba, como um deus único que rege, ao mesmo tempo, a composição, o lirismo e a generosidade.

Compositor e partideiro de primeira grandeza, cantor de voz melódica e exímio tocador de cavaquinho e de banjo – instrumento que introduziu nas rodas de samba na década de 1990 –, Arlindo construiu uma obra que atravessa décadas, reverenciada tanto nas rodas de samba mais tradicionais quanto nos palcos de grandes festivais. Sua trajetória revela não apenas talento, mas também um compromisso profundo com a preservação e a renovação do samba, em um tempo em que o mundo musical se valia de outros passaportes. Por tudo isso, é uma difícil tarefa dimensionar o legado de Arlindo Cruz, o maior partideiro carioca.

Nascido em 14 de setembro de 1958, Arlindo cresceu cercado pela atmosfera dos subúrbios, que ele tão bem cantava como na música “Meu Lugar”, descrevendo os encantos do bairro de Madureira, com a Portela e o Império Serrano, escola do seu coração. Caminho de Ogum e Yansã, onde tem samba até de manhã e cerveja pra comemorar, como foi em seu velório que durou uma noite de sábado para domingo.

Desde cedo, Arlindo mergulhou nas rodas de samba e absorveu a linguagem musical que marcaria seu estilo: uma combinação de lirismo, malícia e consciência social. Sua habilidade no cavaquinho o destacou rapidamente, tornando-o um dos músicos mais requisitados do gênero. Aprendeu a tocar com apenas 7 anos e aos 12  já acompanhava Candeia nos shows e gravações. Mas foi aos 17 anos, no disco “Roda de Samba”, do mestre, que começou sua carreira profissional.

As referências vinham de casa, com o pai, Arlindo Domingos da Cruz, que era da ala dos compositores da Portela e que juntava gente em casa para cantar. E com sua mãe, Aracy Marques da Cruz, que desfilava na ala das baianas da escola. Dali, o menino do bairro da Piedade ia ganhar o mundo com seu jeito de compor, cantar e fazer amigos.

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Do Cacique pro mundo

Foi no Cacique de Ramos que Arlindo Cruz se formou artisticamente e encontrou o caminho que o levaria ao Fundo de Quintal. Bloco carnavalesco fundado em 1961, na Zona Norte do Rio, o Cacique transformou-se em um verdadeiro celeiro de talentos. Nos anos 1970 e 1980, suas rodas de samba ficaram famosas por reunir músicos que iriam mudar a cara do gênero.

Arlindo começou a frequentar o Cacique de Ramos ainda jovem, atraído pelo clima de irmandade e pela música que tomava conta da quadra nas tardes de domingo. Lá, teve contato direto com figuras como Bira Presidente, Almir Guineto, Ubirany, Jorge Aragão, Sombrinha e Neoci, além de conviver com a madrinha Beth Carvalho, que ajudava a projetar aqueles novos talentos.

Foi nesse espaço que aperfeiçoou seu cavaquinho e sua composição, absorvendo a liberdade criativa que o Cacique estimulava. As rodas não eram apenas encontros musicais — eram laboratórios de experimentação, onde novas batidas, harmonias e formas de cantar samba nasciam naturalmente.

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E seria o Cacique de Ramos o ponto de encontro que daria origem ao grupo Fundo de Quintal, que redefiniria a sonoridade do pagode ao incorporar instrumentos como o tantã, o repique de mão e o banjo. Arlindo entraria oficialmente para o grupo em 1981, substituindo Jorge Aragão.

Parceria com Sombrinha

Os anos 1980 e 1990 foram decisivos na carreira de Arlindo, principalmente a partir do encontro com Sombrinha, seu grande parceiro com quem formou uma das duplas mais importantes do samba moderno.

Na época, o Fundo de Quintal já despontava como um dos mais inovadores do samba. E, com seu cavaquinho afiado e um talento nato para compor, Arlindo ajudou a consolidar o som característico que unia instrumentos tradicionais (como o pandeiro e o surdo) a outros que eram novidade naquele meio, tocados de forma percussiva e próxima do público, numa estética de roda de quintal.

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Durante mais de uma década, Arlindo viveu o auge criativo com o grupo. Com Sombrinha, ele criou sucessos que marcaram a fase de ouro do grupo, como Além do Espelho, Do Fundo do Nosso Quintal, Ainda É Tempo de Ser Feliz e Seja Sambista Também. O Fundo de Quintal acabou influenciando diretamente toda uma geração de sambistas que surgiriam nos anos 1980 e 1990, da qual fazem parte Zeca Pagodinho, Xande de Pilares, Dudu Nobre, entre outros.

Arlindo deixou o grupo no início de 1993, para se dedicar a carreira solo, com a gravação do disco “Arlindinho”. Em seguida, retomou a parceria com Sombrinha com quem lançou os álbuns “Da música” (1996), “O samba é a nossa cara” (1997) e “Pra ser feliz” (1998).

Com mais de 500 canções gravadas e tantas outras ainda inéditas, Arlindo também brilhou como compositor para grandes intérpretes. Suas músicas foram gravadas por Zeca Pagodinho, Beth Carvalho, Maria Rita, Jorge Aragão, entre tantos outros. Obras como Meu Lugar e O Show Tem Que Continuar não apenas encantaram o público, mas também traduziram a resistência cultural de comunidades que fazem do samba um instrumento de identidade e dignidade.

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Seu legado vai além da música. Arlindo é símbolo de generosidade artística, sempre abrindo espaço para novos talentos e mantendo viva a tradição das rodas de samba de quintal. Seu repertório mistura sambas românticos, canções de exaltação ao bairro e à escola de samba, e letras que abordam o cotidiano com sensibilidade e humor.

Mesmo após o AVC sofrido em 2017, que o afastou dos palcos, seu nome seguiu presente na cena cultural. Projetos e homenagens continuam a celebrar sua contribuição, reafirmando que a obra de Arlindo Cruz é patrimônio imaterial do Brasil.

No mosaico da música popular brasileira, Arlindo é peça fundamental: um artista que transformou vivências em poesia, harmonias em afeto e o cavaquinho em bandeira. Sua arte é memória, resistência e inspiração — prova de que, como ele próprio cantou, o show tem que continuar.

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