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Rafael Mattoso

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Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Um subúrbio chamado Bangu

Quando a fábrica cria o bairro e o bairro enraíza sua cultura na cidade

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 9 mar 2023, 01h55 - Publicado em 8 mar 2023, 19h08
estação ferroviária de Guilherme da Silveira, Bangu, Zona Oeste do Rio de Janeiro, julho de 1967.
 (Arquivo Nacional/Internet)
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Hoje, dia 8 de março, não podemos deixar de falar sobre o aniversário de 350 anos de Bangu. Esse bairro que mais parece uma cidade onde moram cerca de 250 mil habitantes, segundo mais populoso do país, e um importante representante da cultura suburbana da cidade. Referencia quando se fala literalmente do calor humano, assim como, da modernidade e desenvolvimento da zona oeste do Rio de Janeiro.

Bangu celebra seu aniversário conjuntamente com o Dia Internacional das Mulheres, tema que há exato um ano atrás nossa coluna abordou. https://vejario.abril.com.br/coluna/rafael-mattoso/no-dia-internacional-das-mulheres-bangu-completou-349-anos/

Para homenagear Bangu e contar mais sobre suas belas história e memórias, desde o ano passado convidamos o amigo, professor e geografo Márcio Piñon de Oliveira.
Neste ponto o mestre nos brinda com o texto abaixo.

“Meu encontro com Bangu não foi nada casual. Cheguei a Bangu por um caminho nada pessoal ou afetivo. Cheguei a Bangu pela academia, pelos estudos de Geografia Urbana e a realização do curso de mestrado, nos anos 1980. Por indicação do meu orientador – o geógrafo Maurício de Almeida Abreu, um especialista na Geografia Histórica da cidade do Rio de Janeiro – fui parar em Bangu e nos arquivos da fábrica. Fundada em fins do século XIX, em 1889, no ano de proclamação da nossa República, a fábrica daria origem ao núcleo urbano, com sua vila-operária, e doravante ao bairro industrial e sua company town, no ramal ferroviário de Santa Cruz.

Vista Panorâmica da Fábrica de Tecidos Bangu, em 1933
Vista da Fábrica Bangu, em 1933 (Escola de Aviação Militar/Internet)

No início, Bangu era só uma fábrica-fazenda em meio a uma extensa área rural, pertencente à Freguesia de Campo Grande. Seu nome teve origem na antiga Fazenda Bangu ou Banguê – local de moenda da cana-de-açúcar. Outra variante da nominata Bangu faz referência a anteparo escuro, do tupi-guarani, uma alusão ao paredão rochoso do maciço da Pedra Branca, ponto culminante da cidade do Rio de Janeiro, marcante na paisagem do lugar. Além das terras da Fazenda Bangu, onde a fábrica assentou a sua planta industrial e sua vila operária, a Companhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB), nome jurídico da Fábrica Bangu, adquiriu três outras fazendas: Retiro, Guandu do Sena e Viegas. Anos mais tarde, por ocasião da Primeira Grande Guerra (1914-1918), para assegurar recurso d’água suficiente, a Fábrica Bangu adquiriria, também, terras na bacia do Rio da Prata, para os lados de Campo Grande, totalizando uma propriedade territorial de cerca de 4.000 hectares, tendo constituído, talvez, a maior propriedade pertencente a uma companhia no antigo Distrito Federal.

Tomar contato com Bangu, em meados dos anos 1980, foi para a minha pessoa como nascer de novo na cidade. Assim, depois da Penha, bairro dos subúrbios da Leopoldina, onde nasci e vivi até meus 17 anos, considero Bangu o meu segundo chão na cidade do Rio de Janeiro. Pisar e permear o chão de Bangu, conhecer seus moradores e cotidiano, mesmo já com uma fábrica não tão pujante quanto outrora, com quase 100 anos de fundação, foi um renascimento. Ali, através da pesquisa urbana realizada, penetrei na memória de um universo social operário-fabril extremamente rico e original, quer por suas experiências comunitárias, a começar pelo futebol, praticado desde 1893, quando do início de funcionamento da fábrica, quer pela plêiade de homens culturalmente talentosos e criativos que viveram ou passaram por Bangu.

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Como era bom ouvir as histórias dos seus velhos e memoráveis moradores, como o seu Manoel de Moura – o Sr. Vivi –, ponta direita do time do Bangu, em 1933, ano da conquista do seu primeiro campeonato de futebol e eterno vice-presidente de patrimônio do clube. Como contar a história do futebol sem mencionar o Bangu e sua primeira partida de futebol, em 1894, no campo criado em frente à fábrica de tecidos, com bola trazida por operários ingleses ou escoceses? Como não lembrar de Domingos da Guia, Mestre Ziza, Paulo Borges, Dé (o Aranha) e muitos outros talentosos jogadores?

Campo da Fábrica de Tecidos de Bangu, em1920
Campo da Fábrica Bangu, em 1920 (Internet/Arquivo pessoal)

Na música, poderíamos citar também alguns nomes icônicos, a começar por Anacleto de Medeiros, fundador da Banda de Música da Fábrica Bangu, em 1896, e criador de uma importante tradição na formação de músicos, bailes e carnavais. Bebeu nessa tradição o sambista Zé Keti, que em 1924, aos 4 anos, foi morar na casa do avô, em Bangu. Seu avô, João Dionísio Santana, flautista e pianista, costumava promover reuniões musicais em sua casa, das quais participavam nomes famosos da música popular brasileira como Pixinguinha, Cândido (Índio) das Neves, entre outros. Outras gerações de músicos viriam. Para citar alguns com destaque internacional, temos Raul de Souza (João José Pereira de Souza), saxofonista e trombonista, filho de família operária, que tocava tuba, na banda da Fábrica de Tecidos Bangu, aos 16 anos (1950). Outro músico de destaque é o baterista e percussionista Robertinho Silva, nascido e criado em Realengo, que iniciou a carreira aos 17 anos (1958), tocando em bailes do Cassino Bangu e se notabilizou no icônico álbum “Clube da Esquina”, em 1972. Isso para não falar em Hermeto Pascoal, multi-instrumentista incomum, morador do Jabour, bairro que se originou a partir de Bangu, em 1967.

Na literatura, Bangu se destaca com José Mauro de Vasconcelos, ilustre morador de Bangu, cujo romance infanto-juvenil “O Meu Pé de Laranja Lima” (1968), numa alusão aos tempos áureos de produção de laranja em Bangu (e toda a Zona Oeste carioca) foi traduzido para 52 línguas e publicado em mais de 19 países, e adaptado para o cinema, o teatro e a televisão.

Isto é Bangu, bairro nascido da Fábrica de Tecidos, de renome internacional, que nos anos 40 e 50 promovia com pioneirismo desfiles de modas e concursos de Miss no Brasil, mas, também, de muita vida operária e não operária, de futebol, de música, de literatura, de festas e cultura. Assim, como dizia Ataulfo Alves, em composição de 1956: “É prá lá que eu vou. Adeus Grajaú. Vou sambar lá em Bangu.”

SAMBA DE BANGU (1956)
Composição: Ataulfo Alves

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Bangu cidade do progresso
Orgulho na moda nacional
O samba já tem o seu ingresso
Teu nome hoje é universal
É pra lá que eu vou
Adeus Grajaú
Vou sambar lá em Bangu

No velho esporte
Tua fama não desliza
Teve um Domingos da Guia
Sem falar no mestre Ziza

É pra lá que eu vou
Adeus Grajaú
Vou sambar
Lá em Bangu.

A história é tão densa que no último dia 4 o Museu de Bangu organizou um caminhada histórica pelas ruas do bairro, uma espécie de aula pública, onde dezenas de pessoas puderam acompanhar e se encantar mais pelo bairro.
A Rio TV Câmara também lançou um episódio especial sobre Bangu, onde o amigo e historiador Vitor Almeida participa.
Ainda há muito por falar sobre Bangu, podemos apontar seus patrimônios, seus atrativos naturais, comerciais, gastronômicos, entre outras. Porém, para isso precisaríamos de mais tempo e muito mais páginas.
https://www.youtube.com/watch?v=_7f6nIxXdvA&feature=youtu.be

Igreja de São Sebastião e Santa Cecília. Bangu, Rio de Janeiro, 30 de junho de 1971. Arquivo Nacional. Fundo Correio da Manhã.
(Arquivo Nacional/Arquivo pessoal)
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