Rafael Mattoso Por Rafael Mattoso, historiador Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Lockdown ou feriadão?

Dez dias para tentar renovar esperanças, superar medos e incertezas nesta Semana Santa

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 2 abr 2021, 13h43 - Publicado em 1 abr 2021, 14h46
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  • Na última quinta-feira, 25 de março, resolvi fazer algo que praticamente abandonei ao longo de mais de um ano de quarentena, voltar a assistir ao noticiário. Prestando atenção, procurava entender melhor como as coisas funcionariam, durante o período de aumento das medidas restritivas, quando meu filho interrompeu o repórter me surpreendendo com uma pergunta inusitada.

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    – Pai será que o Coelhinho da Páscoa vai conseguir chegar aqui em casa esse ano?

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    Essa ingênua preocupação de uma criança, que com apenas seis anos de idade está indo para a segunda Páscoa impossibilitada de brincar presencialmente com os amigos, primos e vizinhos, mexeu bastante comigo. Por um lado, pensei que, com tantas pessoas desempregadas, passando necessidades, doentes e morrendo, tal questão parecia muito pequena. Porém, logo percebi que existia algo legítimo na indagação dele – e eu não tinha o direito de trazer mais angústia para sua vida no meio de tantas frustrações.

    Independentemente de todo carinho e proteção que procuramos ofertar, ele continua sendo uma criança vivendo entre adultos, confinado há mais de 13 meses e obviamente perdendo uma parte considerável da sua infância. Assim, decidimos não revelar a verdade sobre essa fábula capitalista, mesmo ciente de toda a manipulação que envolve propagandas, brinquedos e outras surpresas ofertadas num ovo de chocolate trazido pelo maldito coelho.

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    Tudo isso passou pela minha cabeça enquanto meu pequeno continuava me olhando aguardando alguma resposta. Então disse a ele algo que eu mesmo precisava ouvir: Calma, vai dar tudo certo!

    Passageiros na estação de trem Central do Brasil. Rio de Janeiro, 19/10/2017
    (Fábio Caffé/Arquivo pessoal)

    No subúrbio em que tive o prazer de ser criança, o chocolate e a canjica, especialmente nessa época, simbolizavam muito mais a alegria dos encontros familiares do que um mero comércio. Tudo parecia brincadeira, desde a obrigação cristã de ir à missa no Domingo de Ramos até ser cobrado a cumprir com o jejum de carne rigorosamente fiscalizado pela minha vó.

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    Tanto em casa, como durante os meus primeiros anos de educação escolar, especificamente no centenário e infelizmente extinto Colégio Nossa Senhora Piedade, frequentemente eu ouvia que a coisa mais importante da Páscoa era seu simbolismo – tal como a vela acesa, a produção do trigo e da uva, os ovos e a fertilidade dos coelhos representavam a vitória da vida sobre a morte, uma espécie de compromisso em nome da verdade, doação e amor pelo próximo.

    No momento em que estamos atravessando, no país, ultrapassando a marca de 320 mil mortos pela pandemia, esses ensinamentos passam a fazer muito mais sentido. Independentemente de crença ou religião, fica a certeza de que resgatar a esperança na vida e o respeito pelo ser humano é uma tarefa imprescindível para nossa sociedade.

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    Como eu gostaria que nestes dez dias superássemos o individualismo do debate entre lockdown ou feriadão. Que as vacinas chegassem em maior quantidade e cada vez mais rápido para quem precisa. Como seria reconfortante se as cestas básicas e o auxílio emergencial fossem o suficiente para matar a fome e necessidades de todos que jejuam por obrigação e não por fé.

    Seria lindo ver muitos dos que se dizem cristãos celebrarem realmente a ressurreição de Cristo, em plena Semana Santa, ao invés de tentarem exaltar os cinquenta e sete anos de um golpe antidemocrático que perseguiu, matou e torturou milhares de brasileiros.

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    Mesmo sem poder sair às ruas e promover aglomerações, neste momento, é necessário não esquecer as nossas tradições populares. De alguma forma precisamos nos unir para uma verdadeira Malhação de Judas. Não falo de estímulo à violência e nem apenas de promover a humilhação pública de muitos governastes, mas precisamos, sim, responsabilizar os verdadeiros culpados pela crise moral, econômica e sanitária que estamos vivendo. Dar uma resposta principalmente nas urnas, cancelando todos aqueles que não exerceram devidamente nossa representatividade desde a esfera municipal, estadual e federal.

    Enquanto isso, seguimos buscando forças para lutar e continuar sobrevivendo, e esperamos o dia em que a vida volte a ser mais alegre e segura. Sem medo de encontrar e abraçar quem nos faz bem, sem preocupação com a falta de leitos, equipamentos, profissionais e sedativos.

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    Torço para que o corpo resista e se torne mais forte!

    Por fim, aproveito a antecipação dos feriados para também pedir a São Jorge e Ogum que usem sua lança e espada para nos proteger e ajudar a afastar o mal, vencendo logo os inimigos e libertando nosso povo de tanto sofrimento!

    Festa de São Jorge
    Festa de São Jorge (Fábio Caffé/Arquivo pessoal)

    Rafael Mattoso é morador, professor e pesquisador suburbano. Historiador com mestrado em História Comparada e doutorando em História da Cidade e do Urbanismo pela UFRJ. Autor e organizador do livro Diálogos Suburbanos: identidades e lugares na construção da cidade.

     

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