Ilha Grande: um paraíso que luta para não seguir às escuras
Moradores se mobilizam para cobrar do poder público a devida salvaguarda deste patrimônio mundial cultural e natural
Acredita-se que quando a expedição marítima portuguesa comandada por Gonçalo Coelho, entre 1502 e 1503, aproximou-se da Baía de Angra dos Reis, o famoso navegador Américo Vespúcio teria dito: “Se existe um paraíso, o paraíso é aqui!”. Atualmente, esse cenário paradisíaco requer toda nossa atenção e cuidado.
Cerca de cinco anos após ser elevada à categoria de Patrimônio Mundial pela Unesco, em 2019, uma das mais famosas ilhas de Angra dos Reis sofre com o descaso de órgãos públicos e privados que deveriam ser responsáveis pela sua manutenção e preservação.
Moradores, comerciantes e turistas relatam graves e frequentes problemas estruturais que ameaçam a sustentabilidade desse atrativo paradisíaco, principalmente durante o período de alta temporada.
Nem mesmo em meio à festa de São Sebastião, no último sábado, dia 20, o padroeiro da cidade do Rio de Janeiro e da própria Ilha Grande, contou com a compaixão da distribuidora de energia Enel Brasil. A empresa não foi capaz de evitar a falta de luz, assim como diminuir a demora no seu religamento, algo que infelizmente interferiu e quase ofuscou o tradicional brilho da celebração caiçara.
São Sebastião é considerado, no catolicismo, como o protetor da humanidade contra a fome, a peste e a guerra. Nas religiões de matriz africana é muitas vezes representado como o orixá guardião e caçador Oxóssi, entidade guerreira associada ao conhecimento e às florestas. Rogando a proteção da força ancestral e do espírito comunitário, moradores da Vila do Abraão convocam todos para uma manifestação “exigindo fornecimento de energia de qualidade para a Ilha Grande (…) nesta terça-feira dia 23/01 às 17h30, na praça do Abraão”, como informado pela moradora Marcia Lucena.
Além de causar grandes prejuízos e desconforto a moradores e frequentadores de toda a Ilha Grande, a constante falta de luz ainda gera um grave risco ambiental e sanitário. A interrupção do abastecimento elétrico, associada a um crescimento urbano desordenado e ao subdimensionamento da estação de tratamento de resíduos da Vila do Abraão, maior comunidade da Ilha, compromete ainda mais o tratamento já precário oferecido pelo Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Angra dos Reis.
Inaugurada em 1996, a estação de esgoto opera insatisfatoriamente e, segundo moradores, serve apenas para bombear os resíduos da rede através em um lançador submarino mal dimensionado. Porém, cada vez que acontece um apagão a situação piora, pois o sistema para de funcionar e transborda nos córregos e praias deste santuário natural da Costa Verde.
O risco de incêndios nas edificações, e até mesmo na importante reserva de Mata Atlântica local, também não pode ser descartado. Os inúmeros episódios de curto-circuito nos transformadores e rede elétrica, a má conservação dos postes, assim como a falta de fiscalização das ligações clandestinas são riscos eminentes.
Como frequentador e historiador apaixonado pela Ilha Grande, esperava que em pleno mês de aniversário do seu município, que acabou de completar 522 anos no último dia 6 de janeiro, a realidade fosse mais amena.
Só para constar, no exato momento em que finalizamos essa coluna, novamente acabamos de ficar sem luz e em meio a uma chuva torrencial, que tende a transbordar novamente os esgotos.
No entanto, é fundamental deixar claro que os problemas em questão são passíveis de solução, mas necessitam urgentemente da devida atenção do poder público e das empresas responsáveis. Como afirma a moradora Paula Nunes, “Aqui na Vila do Abraão nós vivemos a sensação de abandono, nós somos uma Área de Proteção Ambiental, a APA de Tamoios, aqui nós temos o Parque Estadual da Ilha Grande, nós somos reconhecidos como patrimônio mundial da Unesco e você não vê iniciativas no sentido de melhorar o sistema e abastecimento de água, o sistema de tratamento de esgoto, o sistema de energia elétrica. Então eu acho que os problemas não são difíceis de serem resolvidos, são problemas de estrutura básica de qualquer município e falta esse olhar respeitoso para Ilha Grande, sobre um lugar que é um destino turístico muito visitado por brasileiros e estrangeiros”.
A riqueza sociocultural, antropológica, religiosa e a singular biodiversidade da Ilha Grande não podem seguir sendo violentadas. Estamos falando do primeiro patrimônio misto, natural e cultural, do Brasil, da maior ilha do estado do Rio e uma das maiores e mais bem preservadas da costa marítima do país.