Votos por mais representatividade suburbana
Analisando as eleições e suas candidaturas a partir das nossas experiências
Este domingo será um importante dia, momento de exercer uma das nossas conquistas democráticas mais significativas – o direito ao voto popular. As eleições municipais de 2020, neste dia 15, ocorrem coincidentemente no mesmo dia em que se completam 131 anos da proclamação que deu início a nossa história republicana, marcada por tantos golpes.
Sabemos que o ato de ir às urnas neste ano será diferente, certamente singular, não apenas pelas datas comemorativas tão importantes de novembro, tal como o Dia Nacional da Cultura e da Consciência Negra, mas sobretudo por estarmos atravessando uma pandemia onde cuidados preventivos devem ser rigorosamente cumpridos. Portanto, além do título eleitoral, do comprovante de identidade, caneta e da confirmação do endereço da seção, não podemos esquecer o uso da máscara, do álcool, de manter o distanciamento e outros procedimentos básicos de higiene e combate à Covid-19.
O momento requer total atenção, não apenas com os cuidados individuais: também precisamos nos conscientizar coletivamente. Nestas eleições, nós “contratamos” as representações, de prefeitos e vereadores, que passarão a atuar nos cargos por quatro anos. Logo, as escolhas devem estar alinhadas às necessidades de cada localidade em que vivemos.
No caso dos subúrbios, concentrados entre as zonas Norte e Oeste, vive a maior parte da população da cidade, compartilhando muitas queixas comuns. Problemas com transporte, segurança pública e saúde vigoram entres as mais graves, seguidas pela falta de saneamento básico, lazer, educação de qualidade e acessibilidade.
Tais questões são complexas e necessitam de um combate efetivo, de reformas, da abertura de postos de saúde, escolas e creches, obras de saneamento, distribuição de aparelhos de cultura e lazer, implementação de parques e medidas ecológicas, acompanhadas de muita fiscalização e transparência em meio a gestões participativas. É importante lembrar que, ao elegermos alguém para um cargo público, temos o direito de nos organizar para cobrar o cumprimento de seus deveres.
É fundamental, no nosso caso suburbano, que as candidatas e os candidatos saibam das nossas necessidades, ou mesmo sejam oriundos dessas realidades.
Na cidade do Rio de Janeiro, de acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral, há 14 candidaturas em disputa à Prefeitura, e 1.811 para a vereança – concorrendo a 51 vagas legislativas. Saber votar passa obrigatoriamente por procurar a melhor escolha, estudando as candidaturas, as trajetórias, projetos e relações partidárias. Desse jogo resulta o projeto de cidade que queremos e esse projeto está diretamente relacionado aos bairros e regiões que a constituem.
Percebendo a urgência em falar sobre a representatividade suburbana com toda sua pluralidade característica, convidamos a cientista social Monique Lima para pensar e escrever juntos esta coluna. Monique publicou em suas redes sociais, na semana passada, um texto muito impactante. Seguem alguns trechos abaixo:
“Eu cresci no subúrbio da Zona Norte carioca – me refiro ao subúrbio fatiado pelo caminho de ferro Japeri x Central, caminho das grandes serpentes metálicas – futuristas e antiquadas – que conduzem filhas e filhos da desigualdade social ao pão nosso de cada dia.(…)
Ontem eu assisti a uma contação de histórias do livro “Da Minha Janela”, de Otávio Júnior, narrado por uma joia rara que é a Mariane Del Carmen (@olubayoeducacao). Essa história me revirou nos escombros da minha memória, da minha infância e adolescência longe dos centros culturais da cidade. Por sorte, um pai leitor de clássicos e apreciador de arte, e um tio que, em algum momento, foi um jovem “rebelde” e legal que ouvia a rádio Fluminense Maldita. E o sabor da cultura me apetece pela leitura, música e artes em geral. Fui contemplada por políticas públicas para expandir esse acesso também!
Ricardo de Albuquerque sempre foi um nome estranho à maioria das pessoas que conheci fora dos subúrbios (e continua sendo). Um bairro cortado ao meio por uma linha férrea, como um disco de vinil (lado a e lado b), o cemitério, o campo de treinamento do Exército, a Avenida Brasil, uma borda do Rio e da Baixada Fluminense.
Da minha janela, eu via o Parque Estadual da Pedra Branca, a Serra de Madureira e o grande amontoado de casas cheias de gente em busca de suas dignidades, às 4h40 da matina se posicionando na fila do 386 (Mariópolis x Passeio), para passar uma hora no engarrafamento das obras abandonadas por governantes incompetentes em pensar a máquina pública como gestora para todas as pessoas e não somente para os seus.(…)
Logo, as minhas candidatas devem saber (ou ser) dessas realidades, olhar para as populações periféricas e marginalizadas, buscar compreendê-las e representá-las em suas necessidades básicas de sobrevivência.(…)
Por favor, pessoal, pensem em coletivo, pensemos nas nossas reais necessidades. Sim, devemos olhar para os partidos que apresentam candidatas ficha-limpa e que estão construindo suas histórias a partir da base popular e lutam pelos nossos interesses. Precisamos aprender a escolher quem vai nos representar conscientemente.”
Os grupos denominados “minorias sociais” recebem essa nomenclatura por terem a menor parcela de representatividade, mesmo que em número populacional constitua a maior parte de um território, ou seja, são grupos marginalizados e até excluídos em termos de representação política, o que ocorre por questões de classes sociais, gênero, raça e etnia, necessidades especiais entre outros fatores.
Para ampliar e promover a diversidade das demandas populares, deve-se levar em consideração o quesito representatividade, ou seja, pensar em candidaturas, por exemplo, do gênero feminino que pautem em seus argumentos a luta pelas demandas dos movimentos de mulheres da cidade – o mesmo vale para outros movimentos sociais, como os movimentos negros e da população LGBTQ+, entre outros.
Votar é pensar para além das nossas individualidades. É pensar coletivamente a partir dos grupos que fazemos parte, mesmo que não saibamos, não estejamos organizadas, ou sequer tenhamos parado para pensar nisso.
O texto dessa coluna foi escrito por Rafael Mattoso, professor e historiador suburbano, em parceria com Monique Lima, filha da classe popular, artista de rua, educadora, letrista da banda verver e doutoranda pela Unicamp, tendo a revisão final da Jornalista Sandra Crespo.