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Por Rafael Mattoso, historiador
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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Guia ajuda a reconhecer os patrimônios dos subúrbios cariocas

A luta contra o racismo espacial passa obrigatoriamente pelo conhecimento das nossas heranças ancestrais suburbanas

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Atualizado em 18 set 2023, 02h33 - Publicado em 15 set 2023, 19h50

Reivindicar cotidianamente nossa suburbaniodade torna-se um poderoso exercício na luta pelo devido reconhecimento das múltiplas potencialidades históricas, culturais, turísticas e patrimoniais de parte significativa da população do Rio de Janeiro.

Setembro sem dúvida traz muitos exemplos importantes para exaltar o orgulho suburbano. Vale lembrar que temos vários locais e personalidades importantes comemorando seus aniversários nesse mês.

Logo no dia 2, começamos rememorando o nascimento do grande Aldir Blanc. Aproveitando a data para tocar, cantar e ocupar as ruas da sua suburbaníssima “Tijuca Profunda”. Uma merecida homenagem à intensidade de sua poesia, que reflete a vida, os amores, a solidariedade característica dos seus botequins, das rodas de sambas, dos jogos de porrinha, e das boas conversas e amizades.

Dia 7 foi a vez da Vila Isabel festejar o aniversário da maravilhosa Mart’nália, e dia 14 saudamos o mestre Arlindo Cruz, nascido em Piedade, mas que conquistou o mundo cantando do Império Serrano ao Cacique de Ramos.

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Não podemos esquecer que setembro também nos reserva as celebrações dos aniversários de 456 anos da Ilha do Governador (dia 5), de 429 anos de Jacarepaguá, (dia 9), 176 anos do Andaraí, (dia 21), e 151 anos de Vila Isabel, (dia 28).

É duro constatar que estes bairros igualmente históricos não tenham recebido atenção similar a dada pela iniciativa privada, conjuntamente ao poder público, que tentou realizar um tal “show do século” em referência ao aniversário de cem anos de um hotel de Copacabana. Vale ressaltar que neste mesmo hotel o genial mestre Pixinguinha e seus Batutas foram impedidos de entrarem pela porta da frente, mesmo sendo os homenageados da noite depois de voltarem de uma turnê internacional. Segundo Pixinguinha, um funcionário apenas informou que ali os negros só entram pelos fundos.  Para registar esse terrível episódio racista Pixinguinha compôs o choro “Lamento”.

Foto do grupo Oito Batutas, formado por Pixinguinha, durante uma apresentação.
Pixinguinha e os Batutas, 1923 (Pixinguinha e os Batutas, 1923/Internet)

Sabemos da necessidade em enfatizar o orgulho suburbano como forma de combater preconceitos. Deste modo, seguimos denunciando um certo projeto de segregação socioespacial que ainda busca depreciar parte significativa da nossa população, estereotipando seus hábitos e espaços de moradias e sociabilidade.

É imprescindível pesquisar, divulgar e conhecer cada vez melhor a história de formação dos subúrbios no caso carioca. Para tal, tomamos a liberdade de indicar algumas leituras: “O Rapto Ideológico da Categoria Subúrbio”, “150 anos de Subúrbio Carioca”, “Diálogos Suburbanos: identidades e lugares na construção da cidade”, “Subúrbios: espaços plurais e múltiplos do Rio de Janeiro”, “Um Grande Méier de Histórias: heranças, caminhos e lembranças dos subúrbios cariocas”, além da recente publicação eletrônica “Novos Diálogos Suburbanos”, que pode ser acessada pelo link: https://novosdialogossuburbanos.instituto215.org.br/

Felizmente temos inúmeros outros trabalhos de qualidade e muitas novas produções sendo realizadas em diversas áreas. Nossa própria série de depoimentos e entrevistas camada “Papo de Subúrbio”, disponível no Youtube e Spotify, são bons matérias para consulta, estudo e reflexão. Sobre este programa, confesso que jamais imaginaria que um pequeno corte, de cerca de um minuto, em uma fala sobre a Tijuca ser um subúrbio histórico, tomaria uma proporção gigantesca. Após cerca de duas semanas a postagem já conta com mais de 130 mil visualizações, superando  8.500 curtidas, cerca de 6.500 compartilhamentos e mais de 640 comentários, só em uma postagem.

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A entrevista inteira pode ser vista em: https://www.youtube.com/watch?v=hMTojDp7SLA&t=414s, mas o corte está disponível no https://www.instagram.com/p/CwQSg3eJgiP/

Este episódio mostra que a categoria subúrbio ainda tem sido muito mal interpretada, até mesmo por profissionais que deveriam ser especialistas nos estudos urbanos. Os subúrbios não podem ser definidos apenas como locais distantes do centro, perigosos ou marcados pela violência, desprovidos de qualidade de vida, infraestrutura e serviços, ou mesmo vistos apenas como os bairros servidos pela linha do trem.
Reproduzir estas falácias, além de reforçar estereótipos, demostra um olhar muito superficial sobre cerca de 80% da população do Rio de Janeiro que vivem majoritariamente nas zonas Oeste e Norte da cidade.
Há décadas, a própria prefeitura já não utiliza mais o conceito de subúrbios, tendo substituído esta lógica por áreas de planejamento. Logo, entendendo que as cidades contemporâneas são policentradas ou multicêntricas.

Foto dos integrantes do papo de Subúrbio depois da entrevista com André Mansur
(Foto dos integrantes do papo de Subúrbio depois da entrevista com André Mansur/Arquivo pessoal)

Temos alguns exemplos bem representativos para apontar a incoerência do preconceito contra os subúrbios.   Podemos citar o próprio bairro do Engenho Novo, que acaba de completar 150 anos e que não foi classificado como suburbano no quadro administrativo, desde sua criação em 1873. O Engenho Novo fica a apenas 7 Km do Centro, enquanto Ipanema está ao dobro desta distância e a Barra fica ainda cinco vezes mais longe da área tida como centro de fundação colonial.

As orlas da Baía de Guanabara e de Sepetiba têm juntas maior faixa de praias do que chamamos de orla da Zona Sul ou Região Oceânica. Bairros como Campo Grande, Madureira e Méier são gigantescos centros comerciais, arrecadadores fundamentais de impostos. Também podemos citar dezenas de bairros suburbanos que não são cortados pela linha do trem, tanto do ramal Central ou Leopoldina, tais como: Água Santa, Ilha do Governador, Vila Valqueire, Vaz Lobo, etc. Assim como a criminalidade, infelizmente, é uma dura realidade que afeta praticamente toda cidade.

Vera Lúcia Couto dos Santos, Miss Guanabara 1964, sambando na quadra do Clube Renascença. Revista Manchete
Vera Lúcia Couto dos Santos, Miss Guanabara 1964, sambando na quadra do Clube Renascença (Vera Lúcia Couto dos Santos, Miss Guanabara 1964, sambando na quadra do Clube Renascença/Arquivo pessoal)

Foi exatamente pensando em dar mais subsídios para superar tal nível de desinformação que o “Guia dos Subúrbios Cariocas”, com o incentivo da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, por meio do edital FOCA 2022, começou a mapear, registrar e divulgar os patrimônios materiais das zonas Norte e Oeste da cidade.
Durante os últimos meses, um grupo de amigos apaixonados pelos subúrbios do Rio tem se aventurado por diferentes bairros da região, pesquisando as memórias e histórias de espaços representativos para formação das identidades locais em suas diferentes manifestações. São igrejas, cinemas de rua, reservatórios de água, coretos, parques públicos e uma infinidade de espaços que guardam belezas e memórias fundamentais para a cidade, mas que nem sempre estão nos guias de turismo tradicionais. Além de uma plataforma virtual, com mapa georreferenciado indicando os endereços dos patrimônios e verbetes em três idiomas (Inglês, Alemão e Português). A empreitada rendeu também uma série de registros do fotógrafo Renato Oliveira, que estarão em exposição na Arena Carioca Fernando Torres, em Madureira, a partir do próximo dia 16 de setembro. Trabalhamos junto a uma rede comprometida de pesquisadores, produtores culturais, historiadores, jornalistas, guias de turismo e muita gente que realiza atividades para o desenvolvimento dos subúrbios cariocas.

Com a plataforma, todo o banco de dados do projeto ficará acessível aos interessados. A proposta é apresentar as maravilhas que os subúrbios cariocas têm, mas que são pouco conhecidas ou mesmo desconhecidas pela maioria das pessoas. “Queremos unir pessoas com interesses em comum pelas zonas Norte e Oeste”, explica Victor Hugo Rodrigues, produtor executivo do projeto. Nossa proposta é ser um repositório de informações e análise de dados qualificados sobre os subúrbios cariocas, oferecendo material para que gestores públicos repensem estratégias para a região em diversos segmentos, inclusive na melhor distribuição de recursos financeiros.

Explore a plataforma (www.suburbios.com.br) e curta as nossas maravilhas !

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Arte de divulgação do lançamento do Guia dos Subúrbios
(Divulgação/Arquivo pessoal)

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