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Rafael Mattoso

Por Rafael Mattoso, historiador Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Curiosidades sobre o subúrbio carioca
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A importância de revelar e registrar o orgulho da nossa suburbanidade

No centenário da vedete Zaquia Jorge, um livro chega para contar a rápida e brilhante trajetória da “Estrela de Madureira”

Por Rafael Mattoso Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 abr 2024, 00h30 - Publicado em 5 abr 2024, 18h02
Foto da Vedete Zaquia Jorge para o jornal Correio da Manhã
 (Arquivo Nacional/Internet)
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Eis que o mês do nosso santo guerreiro se anuncia, Ògún ieé!
Certamente a devoção e grande popularidade de São Jorge, no Rio de Janeiro, se deve a uma intima ligação entre a sociabilidade e a fé característica da população suburbana.
Sincretismo que opera para que o santo seja cultuado tanto pela igreja católica quanto pela ortodoxa, sendo também canonizado pelos anglicanos. Nas religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, São Jorge também é reverenciado como o poderoso orixá Ogum.
Mas antes de saudarmos Jorge, durante o feriado do dia 23 de abril, temos que rememorar a despedida de uma importante representante cultural dos nossos subúrbios cariocas. Foi num dia 22 de abril, mesma data que marca a chegada da frota comandada por Pedro Álvares Cabral ao Brasil, que os fãs da vedete Zaquia Jorge foram surpreendidos com sua precoce morte, aos 33 anos de idade.

Tal contexto, somado ao fato de em 2024 a atriz completar seu centenário de nascimento, contribuiu para que o escritor Marcelo Moutinho aproveitasse para lança neste sábado, dia 6, uma relevante biografia sobre Zaquia Jorge.

Foto de divulgação do escritor Marcelo Moutinho
(Divulgação/Arquivo pessoal)

Moutinho, como é mais conhecido nas rodas de samba, peladas e bares que frequenta, é um daqueles intelectuais pé no chão, que felizmente sabe reconhecer a relevância do lugar onde nasceu. Suas crônicas costumam carregar o olhar atento de um suburbano de Madureira, gente que sabe apreciar os pormenores da vida cotidiana. Ele nos explica que antes de se tornar um jornalista, curador e escritor consagrado, aprendeu muito na prática vivenciando e circulando pela cidade.

“Nasci e passei a infância em Madureira. Estudei no Encantado, mais especificamente no Colégio Nossa Senhora da Piedade, e depois no Hélio Alonso, do Méier, antes de ir fazer a faculdade de Jornalismo em Botafogo. Em seguida, morei na Barra, na Urca, no Jardim Botânico, em Laranjeiras, na Lapa. Como você pode ver, vivi literalmente todas as zonas geográficas da cidade. Norte, Oeste e Sul, além do Centro. E continuo circulando bastante. Tanto meus contos quanto minhas crônicas nascem desse perambular, dos encontros que ele proporciona. Mas, como disse certa vez em uma entrevista, Madureira é minha Macondo. Pouco importa se já não moro no bairro. Não só na literatura, mas também na vida, é a partir de lá que olho (e escrevo) o mundo.”

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Sobre a produção intelectual que tem a cidade como objeto de investigação, tanto no campo a acadêmica como editorial,  percebemos um considerável aumento de novas publicações. Porém, em meio a esse cenário, a história dos subúrbios ainda precisa ser devidamente destrinchada e divulgada para o grande público, pois apesar de um relativo avanço investigativo reconhecemos que ainda temos poucas trabalhos, obras literárias, especialmente dedicadas as grandes personalidades suburbanas. Deste modo, o resgate histórico da figura de Zaquia Jorge feito por Moutinho se torna fundamental.

“Soube da existência da Zaquia muito por conta dos meus pais. Meu velho era um grande fã do Roberto Ribeiro, com quem chegou a tomar chope algumas vezes, e “Estrela de Madureira”, assim como outros sambas gravados pelo cantor, girava bastante na vitrola lá de casa. Também conhecia a canção “Madureira chorou”, até pela referência ao bairro onde morávamos. Lembro que, certo dia, meu pai disse que as duas músicas homenageavam uma vedete, que havia sido famosa e aberto um teatro lá em Madureira. É claro que depois soube da homenagem prestada pelo Império Serrano, e da própria polêmica sobre a escolha do samba-enredo de 1975. Mas me intrigava o fato de, apesar de tributada em dois grandes sucessos do nosso cancioneiro e objeto de enredo, Zaquia tinha uma trajetória tão desconhecida. A ideia de escrever o livro nasce dessa constatação.

À medida que comecei a pesquisar sobre a vida dela, fui percebendo como, de certa forma, Zaquia ajuda a contar a história cultural do Rio, então capital federal, entre os anos 1930 e 1950. Sua trajetória no teatro e no cinema, nos dois casos sempre intimamente conectada com a música, espelha as profundas mudanças que ocorriam naquele período. O auge popular do teatro de revista e da chanchada, a migração da cena cultural, do Centro para a Zona Sul, o conflito entre o que se convencionou chamar de “arte maior” e “arte menor”. Para além disso, e aí ganhando contornos bem singulares, Zaquia foi uma mulher à frente do seu tempo. Desquitou-se com 20 anos. Abriu mão da guarda do filho para poder seguir a carreira artística, mas fez questão de retomar o nome de solteira. Viveu por décadas com o novo companheiro sem formalizar casamento. E quando abre o próprio teatro, escolhe um bairro suburbano. Sob a descrença de todas as amigas e mesmo do meio teatral, transforma o lugar num sucesso. É uma história e tanto, e que não merecia estar relegada ao esquecimento.”

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Capa do livro Zaquia Jorge Estrela de Madureira
(Divulgação/Arquivo pessoal)

Ao escrever sobre a vida e trajetória artística de Zaquia Jorge, o jornalista Marcelo Moutinho nos convida para uma viagem pela pluralidade da acultura carioca e as particularidades dos subúrbios. Algo que fica evidente desde o início do livro, ainda nas palavras da apresentação escritas pelo mestre Luiz Antônio Simas.

“Ao reconstruir a trajetória de Zaquia, Moutinho acaba formando um mosaico em que aparecem Madureira, o teatro de revista brasileiro, as sociabilidades suburbanas, a música, o cinema, a cidade e o protagonismo da mulher em uma sociedade e um ambiente em que a misoginia nadava de braçada. Não bastasse isso, o livro retira — é importante frisar — do esquecimento a personagem que, apesar da vida curta, entranhou-se nas memórias do lugar, unindo o rigor histórico, o domínio crítico da bibliografia e a escrita fluente do escritor premiado.”

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Terminamos convidando a todas para comprovarem na prática a força da manutenção e multiplicação das nossas tradições festivas e associativas, que ajudaram a forjar parte significativa da identidade suburbana. Somente nesse sábado, dia 6, temos variadas programações gratuitas. Começando às 10h, com aula inaugural e apresentação do projeto da Camerata de Cordas e Orquestra Popular de Choro Jonas Barros, uma iniciativa do Instituto Cultural Grupo 100% Suburbano em parceria com a Fiocruz.

aula inaugural e da apresentação do projeto da Camerata de Cordas e Orquestra Popular de Choro Jonas Barros
(Divulgação/Arquivo pessoal)

Em seguida, vale muito acompanhar a aula de encerramento do curso “História do Rio pelos Subúrbios”, um projeto da Plataforma Subúrbios em parceria com a Coordenação de Extensão do Museu Nacional. A última aula do professor Simas, assim como todas as anteriores, estão salvas e podem ser assistidas através do link: https://www.youtube.com/@suburbiosdorio/streams

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Cartaz da aula dom professor Luiz Antonio Simas
(Divulgação/Arquivo pessoal)

E claro que para terminar o dia com chave de ouro  e cerveja gelada, esperamos todos para o lançamento do livro “A Estrela de Madureira”, no Al-Farabi, sebo, bar e espaço multicultural. A charmosa casa que fica na rua do Mercado 34, no Centro da cidade é comandada por Cândida Carneiro, companheira do Simas, e sócia de Evelyn Chaves no empreendimento.

Cartaz de lançamento do livro a Estrela de Madureira.
(Divulgação/Arquivo pessoal)

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