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Pedro Landim

Por Pedro Landim, jornalista Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Repórter de gastronomia e cozinheiro do lar

A curiosidade é laranja: tudo sobre o vinho milenar que seduz a juventude

Colunista se espanta em evento especializado ao ouvir de atendente que uma nova bebida estava sendo feita com o suco da fruta

Por Pedro Landim
Atualizado em 21 fev 2025, 13h29 - Publicado em 12 fev 2025, 19h27
Vinho laranja: mais do que uma cor, um método de produção redescoberto (Internet/Reprodução)
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“Eu estou aqui para confundir e não para explicar”. Chacrinha era genial, mas a cena está mais para Porta dos Fundos. Foi num fim de tarde com vista para a Lagoa da Barra, no lançamento de um prestigiado guia de vinhos, que estendi a taça para um chileno “naranjo”, conforme anunciava o rótulo no estande da importadora conceituada. Sorridente e jovem, na linha contratada para seduzir, a atendente se adiantou: “Esse vinho é diferente, ele é feito com cascas de laranja”. Inspira. Expira. Precisamos conversar.

+ Adeus aos enochatos nos novos bares de vinho

O insólito fato ocorreu em 2024, mais ou menos uma década depois que o termo “vinho laranja” foi pronunciado nas europas após o renascimento de uma técnica de vinificação datada de milênios. No Rio, porém, a cena curiosa veio alguns meses antes da chegada de certos bares de caminhos arejados e rejuvenescidos, onde os tais laranjas tiram onda com seções próprias nas cartas e vaga nas listas dos mais bebidos.

Paixão e confusão, eis a questão. O cenário me autoriza a arriscar dois goles de prosa, e tirar do balde de gelo um velho clichê: o verão carioca de 2025, agora sim, de fato e de direito, é dos vinhos laranjas. E, pasmem, eles são feitos apenas de uvas.

O meu é com a casca, por favor

O vinho laranja é um vinho de uvas brancas fermentadas junto com as cascas. Ponto. Do mesmo jeito que são feitos os tintos. A maceração de casca e suco pode durar dias ou meses, dependendo da proposta. O resultado são brancos mais encorpados, intensos e complexos, com novo espectro de aromas e cores. Lembram dos taninos, aqueles caras adstringentes e valiosos na estrutura e conservação dos tintos? Eles moram também nos laranjas. A conversa na boca é outra.

Podemos viajar nas sensações: frutas cítricas e suas cascas, mel, gengibre, frutas secas, ervas e especiarias a rodo. Vibração e acidez. Alguns são mais frutados, florais e comportados. Outro desafiam com toques de oxidação, levando nariz e boca à playlist de Lou Reed, não sei se me faço entender, honey, take a walk on the wild side.

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Uau. Então esses vinhos são todos cor de laranja, que nem o uniforme da seleção holandesa? Nem sempre. O termo, a rigor, não define uma cor de vinho, mas um jeito de fazê-lo. Falamos de tonalidades, uma paleta que sobe de amarelos intensos para o alaranjado e o âmbar. Chama-se ‘Amber Revolution‘ o excelente livro do inglês Simon J Woolf, um dos mais importantes escritos sobre vinho neste século.

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Cores: a uva escolhida e o tempo de contato com as cascas influenciam na tonalidade (Internet/Reprodução)

O herói das ânforas

A história recente começa em meados dos anos 1990, na região italiana de Friul-Veneza Júlia, na fronteira com a Eslovênia, onde vive o cidadão Josko Gravner, um vitivinicultor italiano de sangue sloveno que foi de louco a gênio quando resolveu nadar na contramão e fazer vinhos como seus antepassados. Na Geórgia, o berço de tais caldos feitos em ânforas de terracota, enterradas no solo, há coisa de 5 mil anos, ele arrematou os recipientes gigantescos e fez o mesmo nas terras de sua família. Plantou ribolla gialla, uva ancestral do território, e fez um vinho que fica seis meses no barro, com cachos inteiros embaixo da terra, sem qualquer perturbação ou controle de temperatura. Garrafas hoje cultuadas como pedras preciosas. A saga laranja começou ali, o método e a filosofia se propagaram e há mais de 40 países na produção.

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Josko Gravner: ânforas da Geórgia na fronteira entre Itália e Eslovênia (Maurizio Frullani/Gravner family/Reprodução)
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Esse é para casar

O laranja é um senhor partido na ideia de harmonizar. Diferentes portas de sabor, nuances e intensidades vivem abertas para um vinho que reúne poderes de brancos e tintos. Refrescante e complexo, leve e estruturado. Paradoxos do requinte. As desafiadoras cozinhas indiana, tailandesa e asiáticas em geral, de pimentas, especiarias e agridoces, beijam-lhe os pés. Charcutaria, queijos, ostras e frutos do mar também. Quem sabe sobremesas menos doces, à base de frutas?

Às mesas. Sugiro uma brincadeira boa no bar Tão Longe, Tão Perto, em Botafogo, que trabalha com brasileiros nas torneiras. Lá, o vinho da gaúcha Dom Dyonisius aparece nas versões branco e laranja, feito de duas formas com a uva lorena. Podemos beber os dois e perceber a diferença (R$ 25 a taça). Combine com as ostras defumadas em conserva do projeto A.mar e ame à vontade.

No Libô, do mesmo bairro, parceria de Roberta Ciasca, a chef, e Maíra Freire, a sommelière, solicite o Soler Tres Naranjo, um argentino de Mendoza da uva moscatel amarillo, com 20 dias de maceração e cinco meses de amadurecimento, disponível em taça. Fica lindo com o escabeche de peixe branco, ou a seleção de queijos brasileiros. É só golaço, com trocadilho.

Também adoro o Belisco, dobradinha da chef Monique Gabiatti e a sommelière Gabi Teixeira. Vou nas lulinhas de Arraial grelhadas com azeite de alho assado e gremolata, de mãos dadas com o uruguaio Elefante El Pisador 2022, da uva traminer aromático, de apenas uma semana em contato com as cascas. Um negócio esse casamento.

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Para deixar o mar, vamos na tortilla de porco e sour cream, picles de cebola roxa e coentro do Virtuoso, em Ipanema. Laranja é o que não falta por lá. Chame o Lazy Winemaker Orange, um sauvignon blanc chileno fermentado com as cascas por 60 dias. Depois me conte.

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Tom sobre tom: vinho laranja e crudo de peixe no Virtuoso (Pedro Landim/Arquivo pessoal)

PS. Para quem ficou interessado na ideia estranha do vinho feito com laranja, sugiro a mimosa: suco da fruta e espumante na taça, meio a meio, bem gelados. Mexa e enfeite com a casca.

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