Cantor cristão gay depois de sair do armário: “Nunca mais recebi convites”
Gil Monteiro afirma que só há uma opção quem trabalha com música gospel: viver dentro do armário
“A principal saída é o armário”. Com essa frase Gil Monteiro resume como é a vida de pessoas LGBTQIA+ dentro da igreja, em especial, assim como ele que é um cantor cristão gay, de pessoas que trabalham com o tema. Em entrevista para a coluna ele falou do boicote que sofreu depois de ter assumido sua sexualidade.
Assim como muitas pessoas, a ligação com a igreja veio por conta da família. “Nasci em uma cidade pequena (Rio Branco do Sul – PR) e a religião é algo forte nesses lugares. Fui levado pelo meu pai e minha mãe”, lembra. Mesmo assim o cantor destaca que continuou participando dos cultos religiosos por escolha própria: “Me identificava com o grupo de amigos, a rede de contatos que fiz e os valores”.
Mas, para isso, durante boa parte da sua vida precisou esconder sua sexualidade inclusive porque passou a trabalhar com música cristã. “Na minha adolescência eu não sabia dar nome, mas sabia que gostava de meninos. Eu ouvia comumente na Igreja que aquilo era abominável, que era pecado, que Deus castigava”, relembra. Gil contou que não viveu esse período da vida igual seus amigos: “Eu não namorava ninguém”.
Ele chegou também a apresentar um programa de TV em um canal religioso. Gil nos conta que por mais que não falasse abertamente sobre o assunto acredita que nos bastidores as pessoas soubessem. “Não dava mais pra esconder. Foi inevitável tornar público”, afirma.
Mas o processo de sair do armário não foi simples. O paranaense afirma que foi preciso chegar ao fundo do poço para se libertar e que isso só aconteceu quando já era adulto. “Eu já estava casado, mas percebi que estava doente e perdendo meu marido. Uma amiga me falou então que eu precisava de terapia para desconstruir o conceito errado que a religião colocou dentro da minha cabeça”, conta.
Além disso, passou a ter que lidar com uma nova realidade profissional. O cantor cristão gay sofreu boicote velado e não conseguiu mais dar continuidade a carreira da forma que estava. “Três eventos que eu tinha foram cancelados. Nunca mais recebi convite dos festivais que participava. Músicas que eu tinha cedido como compositor não foram mais gravadas”, relembra. Apesar de não ter nenhum pronunciamento formal da Igreja, Gil afirma que seu nome ficou na lista dos proibidos: “Minha carreira no gospel católico acabou”.
Hoje continua trabalhando com música, cantando em casamentos e compondo, e se surpreendeu ao perceber que o material antigo que tinha passou a ter um aumento de consumo no streaming. Gil teve mais de 2 milhões de plays na maior plataforma de áudio só em 2023. “Um outro público se apresentou pra mim. Gente LGBTQIA+ cristã que descobriu o meu trabalho”. Dessa aproximação com pessoas que se identificam com sua história surgiu até a ideia do livro “Sera Que Ele É?”, que lançará em fevereiro (mas já disponível em pré-venda por R$ 30).
Mesmo assim faz questão de ressaltar que foi privilegiado por ter outra profissão (também é engenheiro civil): “Posso dizer que só pude fazer todo esse movimento porque tenho uma outra fonte de renda. No meio gospel não sou o único a passar por isso, mas muito deles dependem desse dinheiro pra pagar as contas. Se eu dependesse só da música estaria passando fome”.
Gil continua indo a Igreja mas diz tomar cuidado com os lugares aonde frequenta. “Dependendo da Igreja onde for se tiver muita gente conservadora vão ficar olhando tudo que faço, se vou na fila de comunhão”, afirma. Mas diz que sua fé continua: “Ela passou por um processo de amadurecimento. A fé que não estuda, que não sabe questionar é uma fé infantil”, concluiu.