Há anos o Brasil vive de polêmica em polêmica (ou de treta em treta, se preferirem). Alguns brincam que desde o trágico 7×1 da Alemanha contra o Brasil na Copa do Mundo de 2014 o caldo entornou. De lá pra cá, somos pródigos em nos dividirmos em (muitas) opiniões: políticas, sociais, econômicas e até televisivas (que outro país do mundo teve 1,5 bilhão de votos em um paredão de Big Brother?).
No entanto, julgávamos que alguns assuntos jamais seriam questionados. Ok, sobraram poucos consensos nacionais. Mas pensávamos que um ou outro ponto eram intocáveis, em nome do bom senso. A vacinação era um deles. Por que razão um pai deixaria de levar o filho para tomar uma vacina que já imunizou gerações e gerações, com segurança? Não existe lógica.
Mas eis que, há poucos anos, começamos a ser surpreendidos por alguns adultos que aderiram a um movimento antivacina, surgido com força nas redes sociais. São minorias que defendem teorias toscas, alegando que as vacinas fariam mal ou conteriam vírus de outras doenças, como a AIDS. Profissionais de saúde do Rio preferiram não vacinar alegando “razões ideológicas”, relatou a Secretaria Municipal de Saúde.
O Brasil tem um dos programas de vacinação de maior sucesso no mundo, o Programa Nacional de Imunização. O sucesso do programa chegou a desaparecer por completo com algumas doenças, como a poliomielite, erradicada desde 1990, mas que no ultimo ano não bateu a meta mínima de vacinação recomendada pela OMS. O mesmo aconteceu com o sarampo e coqueluche.
Qualquer programa de vacinação é um pacto coletivo. Ela não será eficaz se apenas um grupo restrito aderir à imunização. Quanto mais gente for vacinada, maior a proteção à sociedade, inclusive entre os não vacinados. A isso se dá o nome de imunidade de rebanho – a grande aposta agora para conter os casos de Covid-19.
Fazer a opção individual de não vacinar, neste contexto, não deixa de ser aniquilar a existência do outro. “Eu decido se quero ter a doença ou não e dane-se o outro da minha comunidade”, pensam alguns. Talvez, pessoas que optem por serem narcísicas a esse ponto, devessem criar uma comunidade única de isolamento social eterno, e auto sustentável para não exporem sua cadeia de fornecimento de serviços. Dessa forma, sua decisão autocentrada só impactaria outros humanos que compactuem do “não viver em sociedade”.
Quando o assunto é vacinação, não deveria existir “eu”, deveria existir somente “nós”. Infantilidade, egoísmo, “ser o diferente”, autoextermínio são os termos que deveriam estar em debate. Desrespeitar a ciência e ignorar o próximo chega a ser criminoso em tempos que parecem ser tão modernos.
As recentes “polêmicas” sobre a vacina contra o coronavírus não tem nada de polêmicas porque são falsas. Não há o que argumentar contra um programa de vacinação testado, aprovado e utilizado em todos os países do mundo.
À parte todas as diferenças políticas, proponho abrirmos uma exceção e concordarmos em colocar a eficácia das vacinas ao lado da vergonhosa derrota de 7 a 1 para a Alemanha no panteão dos consensos nacionais.
Elizabeth Carneiro é psicóloga supervisora do Setor de Dependência Química e Outros Transtornos do Impulso da Santa Casa do Rio, especialista em Psicoterapia Breve e Terapia Familiar Sistêmica, diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química e treinadora oficial pela Universidade do Novo México em Entrevista Motivacional.