Stalkear agora é crime: o que faz uma pessoa perseguir alguém?
Nova lei protege as vítimas preferenciais da perseguição obsessiva: as mulheres
Pessoas obsessivas por outras sempre fizeram parte de histórias na literatura, no cinema e na televisão. Mas com o surgimento das redes sociais – onde passou a ser possível acompanhar o dia a dia uns dos outros – o comportamento se tornou ainda mais frequente, tanto que chegou a ganhar um nome: o verbo inglês stalk. Seu uso é tão constante que rapidamente a palavra foi adaptada ao nosso português para stalkear, ou seja, uma intrusão em série, não desejada e não consentida que cause desconforto ou medo no outro.
Mas na vida de muita gente, stalkear não é recurso literário ou cinematográfico, feita por um criminoso mascarado. Ao contrário, na maioria dos casos é praticado por pessoas conhecidas e próximas da vítima. O pesadelo se tornou algo real e com tantas implicações práticas e psicológicas que virou crime. Desde este ano, stalkear consta no Código Penal brasileiro.
Mas por que as pessoas stalkeiam? Na maioria dos casos, o stalk é praticado por conhecidos ou parceiros amorosos antigos da vítima, que desejam manter ou estabelecer um relacionamento com ela. Mas há diversas razões que podem levar uma pessoa a desenvolver uma fixação em outra. Desde transtornos mentais, como psicose, traços narcisistas, à baixo autoestima ou consequências de traumas. A razão da obsessão varia de pessoa para pessoa. Há aqueles que estão delirando e acreditam veementemente que são correspondidos, outros tem uma visão distorcida do que venha a ser um relacionamento amoroso saudável, há os que percebem a rejeição como um insulto, ou que sentem que há questões mal resolvidas do passado que necessitam ser esclarecidas – embora a parceria já tenha deixado claro que não tem interesse em qualquer explicação. No entanto, embora muitos possam ser violentos, na maioria dos casos, os perseguidores são pessoas tímidas, doces e delicadas, que tem pouca ou nenhuma rede de apoio social.
A presença do stalker pode se dar por diversas maneiras: pelo envio exagerado de mensagens, e-mails ou tentativas de ligações; aproximação da casa ou do local de trabalho do outro; envio frequente de flores ou presentes indesejados; incomodar terceiros em busca de informações sobre a pessoa; manter a vítima sob vigilância, presencialmente ou por meio de suas redes sociais – ou até mesmo entrar em suas redes com a senha do stalkeado, hackear seu celular ou computador. Se, à primeira vista, alguns desses comportamentos podem parecer inofensivos sob o ponto de vista físico, nenhuma pessoa está autorizada a perseguir outra, ainda mais se a vítima já deixou claro que esse não é o seu desejo.
E como deve proceder quem é vítima de stalker? Os relatos das pessoas que são objeto de fixação são bastante assustadores. A sensação de medo, ansiedade ou violação é frequente. O principal medo é que o perseguidor passe a agir com violência. O sinal de alerta a que se deve ficar atento é se há uma progressão no comportamento do stalker, uma espécie de “passo a frente”: se antes ele apenas mandava mensagens e agora aparece na porta da sua casa, por exemplo. Nesses casos, a instrução de especialistas é deixar claro para a pessoa que você não deseja nenhum tipo de relação com ela e cortar todas as possibilidades de contato. Se ainda assim, o incômodo persistir, a vítima deve procurar a Justiça.
A boa notícia é que a lei brasileira finalmente criminaliza esse tipo de comportamento, que antes eram enquadrados como crime de “perturbação da tranquilidade alheia” e, raramente, garantiam alguma paz às vítimas. A partir de agora, é formalmente considerado crime quem perseguir alguém repetidas vezes e por qualquer meio, digital ou físico, ameaçando sua integridade física ou psicológica, com penas que variam de seis meses a dois anos de prisão em regime fechado, além de multa.
A sanção da lei no país que ocupa o quinto lugar no ranking dos que mais matam no mundo por crime de feminicídio – quase 80% deles cometidos por alguém próximo à vítima – deve ser comemorado. Trata-se de mais um passo importante na preservação da saúde e da integridade da vítima preferencial dos stalkers: as mulheres.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.