Quando a mentira vira doença?
Suposições sobre a estilista carioca Layana Thomaz questionam o comportamento de quem mente compulsivamente

Um imbróglio envolvendo a artista plástica Rafaela Monteiro e a estilista carioca Layana Thomaz veio a público esta semana. Ex-amigas, a primeira levanta suspeitas se não seriam mentiras diversos fatos da vida da segunda, incluindo uma falsa gestação e um bebê natimorto. O caso promete ir longe com acusações mútuas e ameaça de processos.
Sem intenção de julgar ninguém, meu objetivo é refletir sobre a mentira. Ela está mais presente no nosso dia a dia do que podemos nos dar conta: pesquisas afirmam que ouvimos de 10 a 200 mentiras por dia, desde uma mentira sem propósito específico ou para não magoar alguém (também conhecido como mentira branca), até mentiras mais graves, que podem prejudicar outras pessoas.
“A mentira é muitas vezes tão involuntária como a respiração”, escreveu o brilhante Machado de Assis no século XIX. No entanto, a frase parece mais atual do que nunca. A sociedade contemporânea está ancorada em falsas felicidades propagadas nas redes sociais e “fake news” se tornou uma expressão corriqueira em diversos países. Ou seja: faltar com a verdade é um componente intrínseco à nossa existência desde sempre – e parece ainda mais aflorado nos dias de hoje.
Não posso e nem quero afirmar que seja o caso de Layana, mas toda a história que a envolve suscita um questionamento interessante: aos olhos da psiquiatria, o que leva alguém a mentir compulsivamente?
De modo geral, o comportamento de mitômanos tem origem na infância, em sentimentos de imperfeição, de desvalorização ou de desrespeito ainda quando criança. Outros, excessivamente exaltados na infância, mentem para manter o padrão. A priori, a mentira patológica não é entendida como uma doença, mas sim como um sintoma. Geralmente, são casos de transtornos de personalidade – como narcisistas e borderlines. Um traço interessante é que sentimentos de culpa ou sofrimento não necessariamente acompanham mentirosos contumazes chegando até, em alguns casos, a acreditarem na própria mentira. Embora sejam sagazes e curiosos, de modo geral, eles não tem capacidade de perceber que o interlocutor está identificando a mentira e seguem na sua atitude usual.
Didaticamente, podemos dividir os mentirosos em grupos por padrões de comportamento, embora essas fronteiras se misturem na vida real e um modus operandi acabe convivendo com outro. Dois tipos de procedimento se destacam. O primeiro são as pessoas que querem pertencer a um grupo e conquistar sua compaixão ou admiração. Para isso, constroem um falso self mostrando-se diferentes do que são: escondendo o que julgam ser pequenas falhas e tropeços ou dizendo que são mais poderosas, mais ricas ou mais bem-sucedidas do que de fato são, acreditando que isso trará a admiração ou o amor do outro. Em outros casos, simulam doenças para obterem a atenção de parentes, amigos e médicos. Tal comportamento compulsivo tende a se tornar uma bola de neve, porque o mentiroso reincide para se sentir amado novamente.
A segunda categoria de mitômanos são os que visam intencionalmente benefícios. São aquelas pessoas que mentem para obter algum ganho, que se valem de mentiras para conseguir o que querem, uma expressão clara de desvio de caráter, num comportamento antissocial.
Mas e quem recebe – e acredita! – na mentira? Lamento informar, mas não se trata de mera ingenuidade. De modo geral, acreditamos no que nos convém. Quem põe fé deliberadamente em mentiras, o faz porquê, de alguma forma, elas suprem suas carências. Portanto, vale ficar atento ao quê e em quem você deposita sua confiança.
Pelo sim, pelo não, fique tranquilo, leitor: todas as informações contidas neste texto são verdadeiras.
O que comprova que para toda regra existe uma exceção.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.