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Por Analice Gigliotti, Elizabeth Carneiro e Sabrina Presman
Psiquiatria
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Idosos são mais resilientes?

Pesquisas concluem que pessoas de mais idade conseguem driblar melhor as adversidades da pandemia, mas também estão mais propensas à depressão e ansiedade

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 6 abr 2021, 19h55 - Publicado em 2 abr 2021, 14h31

“Por que os mais velhos tem maior capacidade de permanecerem felizes durante a pandemia?”. Foi com esta pergunta que o jornal “The New York Times” lançou o questionamento intrigante. A constatação sobre a resiliência dos mais idosos tem como base pesquisa realizadas nos Estados Unidos e no Canadá.

Em abril, quando a pandemia já era um fato concreto em todo o mundo, cientistas da Universidade de Stanford recrutaram cerca de mil adultos, com idades entre 18 e 76 anos, de diferentes cidades do país. Todos responderam a questionários em que deviam detalhar sentimentos e emoções vividas na semana anterior, fossem positivos (tranquilidade ou alegria) ou negativos (culpa ou raiva). Além disso, o grupo pesquisado também deveria dar uma nota que mensurasse a gradação daquele sentimento. Os pesquisadores supunham que, semana após semana, a positividade dos mais velhos seria abalada, já que eles foram o grupo etário que mais sofreu no começo da pandemia em diversos países.

No entanto, o que se constatou foi justamente o contrário. Na média, o estado de ânimo dos idosos continuou alto se comparado com o dos mais jovens, ainda que todas as idades tenham relatado os mesmos níveis de estresse. A University of British Columbia, no Canadá, fez um estudo acerca do mesmo objeto com 800 adultos de todas as idades e a conclusão foi a mesma: a resiliência dos idosos é uma realidade. “A pandemia construiu um discurso de que os mais velhos eram um grupo homogêneo vulnerável. Mas nossa investigação da vida cotidiana deles durante este período mostrou o oposto: os mais velhos demonstraram menos preocupação diante da ameaça de Covid-19, melhor bem-estar emocional e maior quantidade de pequenos fatos positivos cotidianos que trazem satisfação”, afirmou uma das pesquisadoras.

Os envolvidos nas duas pesquisas destacam, no entanto, que o poder econômico é um forte fator de influência neste resultado. Pessoas idosas, geralmente, contam com posses, aposentadorias ou outras fontes de renda que possibilitaram que eles buscassem o isolamento social com mais conforto e meios de bancar facilidades, como delivery de alimentos e farmácia.

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Penso em outras possibilidades que explicariam os resultados das pesquisas americana e canadense que atestam a resiliência dos mais velhos. Acredito que não podemos ignorar o histórico de vida deles. A esta altura, já viveram – e viram – muito. Caíram e levantaram muitas vezes. As ilusões, se elas ainda existem, são em medida bem mais realista que a dos jovens, afoitos com a vida toda pela frente. Quem tem mais de 70 anos hoje, cresceu assistindo o reerguimento do mundo após uma Guerra Mundial violenta, testemunhou golpes de Estado, reviravoltas políticas e econômicas. Como se diz popularmente, “a casca ficou grossa”. Para uma geração que foi enviada à Guerra do Vietnã, deixou a família para trás e pegou em armas, o sacrifício imposto pela pandemia de se isolar em casa soa quase como um agrado.

Porém, se há evidências de que os idosos são mais resilientes, outras pesquisas apontam que esta faixa etária pode desencadear ou agravar quadros de depressão e ansiedade em consequência da solidão e do isolamento prolongados, especialmente entre os que vivem sozinhos. É o que concluiu o estudo “Desconexão social, isolamento e sintomas de depressão e ansiedade em americanos idosos”, da Universidade de Cornell. Quadros de transtorno depressivo maior podem levar a estados inflamatórios crônicos, fragilizando o sistema imunológico e facilitando a contaminação por Covid-19.

Pesquisa realizada no Bronx, bairro pobre de Nova York, mostrou que idosos que dividiam acomodações com outros familiares ou ficavam encarregados de afazeres domésticos tiverem o mesmo alto nível de estresse que os mais jovens. Talvez esta também seja a triste realidade da maioria dos brasileiros – segundo o IBGE, em 53% dos lares brasileiros onde há idosos, eles são os responsáveis por mais da metade da renda familiar.

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A terceira idade não é exatamente um mar de rosas. A memória falha, as dores físicas ficam cada vez mais presentes e a saudade dos que já se foram se torna companheira constante. A velhice tem muitas belezas. A pandemia acaba de provar que a resiliência pode ser uma delas.

Como recomendou Nelson Rodrigues em uma entrevista, meio à brincadeira, meio à vera: “Jovens, envelheçam depressa!”. No mínimo, vocês ficarão mais otimistas. No mundo de hoje, isso é valioso.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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