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Manual de Sobrevivência no século XXI

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Psiquiatria
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Druk: excelente filme, péssimo exemplo

Personagens frustrados buscam ânimo no álcool. Na vida real, quem escolhe esse caminho raramente tem um final feliz

Por Analice Gigliotti
Atualizado em 16 abr 2021, 17h04 - Publicado em 16 abr 2021, 16h16
O ator Mads Mikkelsen em cena no filme "Druk".
O ator dinamarquês Mads Mikkelsen em cena do filme "Druk": o álcool atiça os fantasmas que habitam em cada um dos personagens. (Divulgação/Reprodução)
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E se o ser humano tivesse uma defasagem natural de álcool no sangue e uma pequena dose – 0,05%, para ser exata – fosse capaz de trazer benefícios como maior sagacidade e inspiração? A hipótese do psicoterapeuta norueguês Finn Skarderud é a premissa de “Druk – Mais uma rodada”, produção dinamarquesa que concorre ao Oscar em duas categorias: melhor produção internacional e melhor diretor (em cartaz no Now, iTunes/Apple TV, Google Play e YouTube Fimes).

No filme, quatro amigos na faixa dos 50 anos, todos com vidas afetivas e profissionais frustradas, resolvem testar a teoria e passam a consumir bebida alcóolica para dar uma “balanceada” no dia.  A princípio, a experiência surte bons resultados. Professores na mesma escola, o consumo de álcool derruba barreiras com os alunos – todos também adeptos do uso de bebida alcóolica em grandes quantidades – e amplia os laços entre eles, aumentando suas capacidades de comunicação. Se nos anos 90 o ponto de contato dos alunos com o professor interpretado por Robin Williams em “Sociedade dos Poetas Mortos” era a literatura, 30 anos depois a aproximação vem pela bebedeira.

Diante dos bons frutos e com o corpo ganhando tolerância ao álcool, a tentação dos personagens é aumentar a dose para potencializar ainda mais a experiência: conseguir uma maior aproximação com as pessoas e diluir o entrave em falar das próprias dificuldades. E é aí que a bebida alcoólica mostra a sua faceta cruel – aquela que milhares de alcoolistas, infelizmente, conhecem tão bem.

À medida em que bebem mais e mais, o que vem à tona não é saudável: surgem a agressividade, a fragilidade e a dependência. O álcool atiça os fantasmas que habitam dentro de cada um dos personagens, trazendo as fissuras criadas nos círculos familiar e profissional. E a razão para isso é simples: a bebida alcoólica não “cura” nada. Ao contrário.

O álcool é, isso sim, um instrumento de liberação da autocensura que, invariavelmente, induz ao erro porque o uso desse dispositivo impede que se encontrem formas mais eficientes e saudáveis de comunicação. Além isso, com o passar do tempo, cria-se uma tendência de repetição do artifício, sempre em doses maiores e usando o álcool como desculpa em todas as situações. Em última instância, bebe-se porque se está feliz ou bebe-se porque se está triste. Quando muita gente se dá conta dessa realidade, é tarde demais – a trajetória dos próprios personagens ilustra isso (sem spoilers!).

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Apesar de o longa-metragem soar como um libelo ao consumo de álcool, o diretor Thomas Vinterberg afirma que teve o cuidado de não ferir as famílias que são destruídas pela bebida. “O filme é uma pesquisa sobre esses quatro homens e as formas como bebem, vivem, se perdem e se reencontram”, se defendeu Vinterberg em recente entrevista ao jornal “O Globo”. Corajoso por ser politicamente incorreto (como poucas vezes se vê hoje em dia no cinema), o filme se posiciona no fio da navalha: é um excelente entretenimento sem moralismo, mas que, por tabela, flerta com uma ode perigosa com pretensos benefícios do álcool.

Para nós, que não vivemos no terreno da ficção, é importante reforçar que existem outros métodos para lidar com inibição ou frustração, mais eficientes que o álcool e bem menos danosos à saúde mental e física, como a psicoterapia. Na vida real, pessoas que buscam o caminho escolhido pelos personagens de “Druk” raramente encontram o Happy End no final.

Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.

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