Doença e criatividade: quando a arte é medicamento
Fruto da criação humana, expressões artísticas tem poder terapêutico
Criatividade é liberdade. É partindo desta premissa que a psiquiatra Tara Swart, professora no Massachussets Institute of Technology (MIT), escreveu o artigo “Os Segredos do Universo, A Ciência do Cérebro”. Segundo ela, a criatividade nos permite direcionar todo o poder do nosso cérebro para criar a vida que imaginamos para nós mesmos. “Um cérebro criativo é o que consegue ter ideias mediante formas inesperadas, utilizando combinações contrastantes de pensamentos para dar origem a novas ideias. Este é o novo (e, ao mesmo tempo, antigo) superpoder da mente humana: reinventar, imaginar, melhorar e repensar”, afirma.
Segundo Swart, quando pensamos com a totalidade do nosso cérebro, e devotamos o nosso poder criativo a uma situação ou problema, encontramos possibilidades onde outros vêem limitações. No meio artístico sempre foi assim. A História da Arte é marcada pelo uso da criatividade para superação de adversidades. Quanto artistas gigantes – seja na música, nas artes plásticas ou cênicas – são marcados pelo estigma de diferentes doenças? Goya e Yves Saint Laurent eram deprimidos, Beethoven, Hemingway e Maysa foram alcoólatras, Van Gogh se automutilou, Munch tinha alucinações, Amy Winehouse e Elis Regina eram dependentes de drogas, Virginia Woolf passou anos perseguida por pensamentos suicidas. E, no entanto, marcaram sua existência pela criação artística.
Uma suposta aura cerca os indivíduos com doenças mentais: eles teriam uma maior capacidade de ler e de interpretar o mundo. Mas afinal: transtornos psiquiátricos e criações artísticas andam de mão dadas?
A associação entre doenças mentais e criatividade apareceu na literatura médica pela primeira vez na década de 70. Mas a possível relação intrínseca entre loucura e genialidade é aventada desde os tempos de Aristóteles, na Grécia Antiga, para quem a criatividade era uma benção dos Deuses. No livro “Uma Mente Inquieta: memórias de loucura e instabilidade de humor”, Kay Jamison se debruçou sobre estudos a respeito de transtornos de humor em escritores, poetas e artistas. De acordo com sua pesquisa, 38% deles haviam sido tratados por algum tipo de transtorno de humor, como mania, bipolaridade e depressão.
Outro estudo, publicado em 2011, ouviu mais de 300 mil pessoas com esquizofrenia, depressão, bipolaridade e identificou uma presença significativa de entrevistados que trabalhavam em profissões em que a criatividade é um fator relevante.
Mas não há consenso. Na outra ponta, especialistas defendem que a relação entre transtornos mentais e criatividade é insignificante e citam nomes como Shakespeare, Bach e Jane Austen, sobre quem não pesam registros de doenças mentais. Após entrevistar 45 cientistas vencedores do Prêmio Nobel, Albert Rothenberg não identificou evidências de transtornos mentais em nenhum deles. “O problema é que o critério para se avaliar criatividade nunca é algo muito criativo”, definiu, com bom senso de humor.
O fato é que se nenhuma pesquisa até hoje foi capaz de comprovar (ou negar) a relação seminal entre criatividade e transtornos mentais, por outro lado é inegável os benefícios das expressões artísticas ao ser humano. A arte é capaz de trazer relaxamento de tensões ou traumas, reduz a ansiedade, o estresse, promove autodescobertas e aumenta a sensação de bem-estar. Alguns chegam a devotar a vida a isso, como a Dra. Nise da Silveira. E se buscarmos uma razão para todos esses poderes, encontraremos a resposta no poeta Ferreira Gullar: “a arte existe porque a vida não basta”.
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Esses e outros pontos interessantíssimos serão explorados, via Zoom, na live “Doença e criatividade: quando a arte é medicamento”, amanhã, 5ª feira, às 19h30, com a participação do oftalmologista Almir Ghiaroni, do pneumologista Rafael Pottes e da professora Fernanda Shcolnik, com moderação da médica Ana Mallet e coordenação do Dr. Flavio Cure, da Dra. Lorraine Veran, do Dr. Alfredo Guarischi e minha. Esperamos vocês.
Analice Gigliotti é Mestre em Psiquiatria pela Unifesp; professora da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio; chefe do setor de Dependências Químicas e Comportamentais da Santa Casa do Rio de Janeiro e diretora do Espaço Clif de Psiquiatria e Dependência Química.